Comer ou não comer?

O principio das 5 Liberdades estabelece que para estar bem, um animal deve estar livre de fome e de sede. É óbvio – quem põe em causa a importância disto para o bem-estar animal? Mas, como qualquer afirmação simplificada, está aberta à interpretação. 
Animais de diferentes espécies têm hábitos diferentes de alimentação natural, moldados pela seleção natural e representando adaptações diferentes a um ambiente particular. Um herbívoro em pastejo pode gastar uma grande proporção de seu período ativo a comer de facto, estilo cortador de relva. Outros herbívoros são browsers, dividindo seu tempo entre a procura de alimentos particularmente nutritivos e a ingestão deles. Outros ainda acumulam comida para uso posterior. Em todos os casos, um animal pode ter mais ou menos sucesso em encontrar alimentos. É talvez mais evidente no caso dos predadores, que terão que detectar, captar, atacar e matar uma presa, a fim de garantir uma refeição. (Na verdade, esse é um dos casos em que realmente faz sentido falar de uma refeição – um termo pouco relevante no caso de uma vaca ou um cavalo, quando deixados de se alimentar segundo a sua natureza.) 
Padrões de alimentação naturais à parte, a forma como os animais em cativeiro comem muitas vezes é determinada pela forma como eles são alimentados. No caso de alguns animais de produção, crescem tão rapidamente ou produzem tanto que a sua alimentação é limitada apenas pela sua capacidade de ingerir e digerir. Este é o caso de frangos de engorda e vacas leiteiras no pico da lactação (e estas ultimas mesmo assim podem não conseguir comer o suficiente). Fornecendo uma dieta concentrada sem restrição (ad libitum) vai, porém, tornar a maior parte dos animais obesos. E, assim como nos seres humanos, a obesidade leva a problemas de saúde secundários – a razão pela qual existe agora uma discussão veterinária e ética sobre a obesidade em animais de companhia como cães e gatos. Recentemente, as autoridades suecas de protecção animal ameaçaram prender um cão demasiado obeso, e para manter o seu cão, os donos têm que o sujeitar a um controle de saúde e peso.  
Outro grupo de animais que, se vivem o tempo suficiente, desenvolve problemas de peso são os animais de laboratório. Principalmente por razões práticas, é habitual dar comida ad libitum a ratos de laboratório. É a maneira mais conveniente de assegurar que cada animal recebe o que necessita (mesmo que seja à custa de alguns, ou mesmo a maioria deles, receber mais do que deveriam). Em alguns estudos de aprendizagem, os animais recebem uma recompensa de alimento, após completar com sucesso a tarefa. Naturalmente, uma recompensa de alimento é vista apenas como uma recompensa se o animal está motivado para comer. Se alguém me oferece uma maçã quando eu acabei de terminar um almoço de sopa, prato e sobremesa, não vou estar particularmente interessada – mas três horas mais tarde posso alegremente desembolsar dinheiro para pagar a mesma maçã. Por isso, é habitual restringir a quantidade de alimento fornecido aos animais em estudos de aprendizagem e memória. Muitas vezes recebem a quantidade de comida que irá mantê-los em 80% do peso de um animal semelhante alimentado ad libitum. No caso dos roedores de laboratório, o alimento pode ser dado uma ou duas vezes por dia, e quando terminar não terão mais até a próxima refeição. Quando aplicamos esses protocolos no laboratório, os nossos animais estão sem comida por algumas horas por dia.  
Esta é uma violação do paradigma das 5 Liberdades? Um problema de bem-estar animal? Será diferente da situação da escola, onde as crianças não podem petiscar na sala de aula e só podem comer durante as pausas do meio da manhã, almoço e meio da tarde? 
No caso de animais de laboratório, alimentação ad libitum pode de facto ser um problema científico. “Roedores ‘control’ do laboratório são metabolicamente mórbidos”, declarou Mark Mattson e colegas num artigo scientífico em 2009, argumentando que a obesidade dos animais reduz a validade científica da investigação. Se defendemos que a aceitabilidade ética da experimentação animal depende, em parte, do benefício que ela proporciona, reduzindo o benefício é uma questão ética e, consequentemente, como os animais são alimentados também se torna uma questão de relevância ética. Claro que isto é uma consideração do ponto de vista completamente humano. Mas, no caso de animais de companhia, há um verdadeiro conflito de interesses para o próprio animal. O mesmo cão tem um interesse imediato na obtenção de um petisco da mesa ou uma porção extra da lata. Mas tem também um interesse de longo prazo, em não desenvolver diabetes ou problemas articulares. 
Os seres humanos podem ser capazes de fazer uma escolha consciente entre favorecendo interesses imediatos ou a longo prazo (embora longe de todos consigam seguir na prática à mesma decisão), mas não podemos perguntar aos animais a sua preferência. Sendo responsáveis por eles temos, nós, que fazer a escolha. Qual será a sua?
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The Meat Crisis: Developing more sustainable production and consumption

Joyce D’Silva, Director of Public affairs of Compassion in World Farming, has brought together key global experts to produce a powerful and challenging book, which addresses some of the key issues facing our world: how can we achieve global food security for all while ensuring protection of the environment, our own health and the welfare of farm animals? Is the growth of factory farming, with its massive appetite for water and feedstuffs, leading us down a hugely unsustainable path?

John Webster, Professor Emeritus at Bristol University, the book’s co-editor, tells us about the importance of animal welfare in dairy farming. As author of a chapter on dairy cows, he explains why cows’ lives are often so compromised in today’s dairy farms.

The book can be purchased here.

Of mice and men

If there is any literature-derived cliché in the scientific world that studies the two species, it is precisely this title. But in this very case, I can’t resist it. The human nature as John Steinbeck captures and describes in just over a hundred pages is also the one who is so clearly visible in a hot, if not rancorous Internet discussion going on right now. In what is expected to be a scientific forum.

The topic is the research report on pain and facial expression in mice that I wrote about here in early June. A few days ago the US-based Principal Investigator’s Association asked its – and ultimately of course, a number of additional – readers if this study was consistent with existing animal welfare rules and whether there were ethical questions which should have been raised before the trial was approved and published. Of course these are not unreasonable questions to ask about a study of pain in animals.

But to ask the readers of an open web forum to act as judges in a case of whether an experiment on animals should be approved is opening a snake’s nest. At the international level there are few research issues as infected as this one. This was evident within a few hours after the question was asked, and having prepared myself to write as fact-based as possible an analysis of the question I simply choked on what had already been said. Those who take the time to scroll down through the posts will understand why. But it is worth the trouble to do it, because what follows is a unique combination of ill-invectives and critical analysis that clearly indicates how widely differing perceptions and misperceptions that exist of the animal experimentation issue. And for the researcher interested in understanding what research communication is all about, there is a lesson to be learned about how more or less critical thinking non-scientists view what is an important research issue and a reasonable method to study it. As well as how researcher colleagues tackle the task of engaging in a rancorous debate.

I myself am somewhat hesitant about whether I should be writing this post at all, because I think I will continue to reflect on this for a long time to come, and what I write now is not necessarily what I will think in a couple of months. I’m not quite convinced that it is right to draw attention to the original discussion either. As many researchers have already expressed, the issue was wrongly addressed and, above all not appropriately presented. The study is published in a journal that is not Open Access, which means that those readers who do not have access to Nature Methods must rely on the description of the study presented by Principal Investigator’s Association, and which is insufficient and probably misleading on at least one central and very critical point: the how severe the pain was that the mice were exposed to.

Of course it is a huge paradox to expose animals to pain in the name of animal welfare research. This isn’t really the right description of the study in question either because the researchers are not primarily motivated by animal welfare concerns but by their research interest in pain psychology more generally. But the questions they ask and the findings they present are central for animal welfare research in a manner that is not quite easy to explain to those who are not familiar with the subject. For who seeing the world through the glasses of common sense would doubt that animals can feel pain? And how simplistic can researchers be to think it is a question worth asking?

Why then is the question of pain expression in mice important? Because the answer takes us a little bit closer to the possibility of measuring the immeasurable – that is, animal subjective experience. This, or more precisely consciousness, is what one of the world’s pioneering animal welfare scientists – Oxford behavioural biologist Marian Dawkins – described as the one major remaining mystery in biology. And it sits right in the center of animal welfare research. Whether it justifies the current study is another issue that science media will continue to discuss over the coming weeks. I will update with links.

Os peixes pensam?

“O que responderia se um jornalista lhe perguntar se os peixes pensam?”

Foi a ultima pergunta a ser colocada nas 3 horas de provas de doutoramento da Leonor Galhardo que defendeu hoje no ICBAS (Universidade do Porto) a sua tese com o título Teleost welfare: Behavioural, cognitive and physiological aspects in Oerochromis mossambicus.

“Sim, os peixes pensam”, respondia a (então) doutoranda, explicando que com isto queria dizer que no sentido de ter um processamento mental do seu ambiente e uma experiência subjectiva dele, os peixes pensam.

Deixamos os nossos parabens à Doutora Leonor Galhardo – e para quem tiver mais paciência do que a hipotetica jornalista segue o resumo da tese.

O bem-estar de peixes tem sido predominantemente associado a um funcionamento fisiológico equilibrado, tal como avaliado através de medidas de stress. No entanto, aquilo que os animais sentem acerca das suas próprias circunstâncias constitui o cerne do conceito de bem-estar, o qual depende pois da assunção de que os animais são sencientes e detêm algum grau de consciência. Dados recentes de neuroanatomia, cognição e comportamento, revistos no Capítulo 1, sugerem fortemente que o conceito de senciência pode ser alargado aos peixes. Assim, o estudo do bem-estar dos peixes não se deve continuar a restringir ao stress, antes exigindo o desenvolvimento de métodos para avaliar estados mentais, bem como uma melhor compreensão dos aspectos psicológicos enquanto partes de mecanismos de ajuste. Em resposta a alterações do ambiente, os peixes processam a informação mentalmente e desenvolvem mecanismos de ajuste com o objectivo de manterem a alostase. Os objectivos da presente tese consistem na identificação de indicadores importamentais e fisiológicos que informem indirectamente sobre os estados mentais dos peixes em circunstâncias particulares, e na identificação de moduladores psicológicos da resposta ao stress, nomeadamente o papel da envolvente social e da previsibilidade de eventos relevantes neste processo. O modelo usado foi a tilápia moçambicana (Oreochromis mossambicus), tendo em conta que a sua biologia é bem conhecida, que é muito adaptável a condições artificiais, e que tem uma importância económica crescente. Esta espécie possui um sistema social elaborado, no qual os machos territoriais escavam depressões no substrato, para os quais atraem as fêmeas para a reprodução.

No Capítulo 2, foram comparados grupos de peixes vivendo com e sem substrato. A ausência de substrato enfraqueceu o estabelecimento de dominância pelos machos, diminuiu os comportamentos sexuais e territoriais (escavação do ninho e pairar sobre o ninho), promoveu possíveis comportamentos anormais (e.g. escavação de ninho no vácuo), diminuiu os níveis gerais de actividade e a diversidade de comportamentos, e
não teve influência nos níveis de agressão. Ao nível fisiológico, não houve diferenças nos níveis de cortisol e de glucose, mas o hematócrito foi significativamente inferior nos machos sem acesso ao substrato. No Capítulo 3, a avaliação de preferência pelo substrato mostrou que os machos territoriais preferem passar mais tempo num compartimento com substrato, tendo esta preferência sido ainda maior num contexto de reprodução. Tantos os machos territoriais como os não territoriais preferiram alimentar-se no compartimento com substrato. No Capítulo 4 procurou-se adaptar um paradigma de “porta de empurrar” (‘push-door’) ao estudo da motivação dos peixes para acesso a alimento, parceiro social ou apenas substrato (controlo). As medidas adoptadas foram a latência da abertura da porta, a eficiência do trabalho (enquanto medida da atenção) e o custo máximo pago. Os resultados sugeriram que os machos valorizam o alimento e o parceiro social de uma forma similar, e mais que um compartimento apenas com substrato. Foi aparente que os machos territoriais tendem a valorizar o parceiro social mais que os machos não territoriais. No Capítulo 5
procurou-se validar o uso de cortisol como medida de stress na tilápia moçambicana.A variação diária de cortisol mostrou um aumento gradual durante o período nocturno e um pico no início da manhã. O isolamento social causou um aumento nos níveis de cortisol dos machos não territoriais. Foi feito um desafio in vivo que mostrou uma resposta por patamares, com os níveis de cortisol variando desde uma nível de base até um patamar superior sob níveis crescentes da dosagem de estimulação por ACTH. No Capítulo 6, os peixes foram submetidos a um teste de neofobia (objecto novo) e de confinamento, em diferentes contextos sociais. O objecto novo promoveu o comportamento exploratório dos machos quando não perturbados e em contacto visual com uma fêmea familiar, mas não afectou os padrões de inactividade nem as interacções com as fêmeas, em qualquer contexto social. A resposta de stress ao confinamento não foi afectada pelo contexto social. O Capítulo 7 analisou como a previsibilidade pode afectar a resposta ao stress por estímulos com diferentes valências. Um aumento dos níveis de cortisol foi a resposta ao confinamento não previsível. Níveis mais elevados de comportamento antecipatório e uma tendência para aumento do cortisol sugerem que eventos previsíveis de alimentação também podem despoletar uma resposta ao stress.

Os estados mentais são uma componente fundamental da avaliação do bem-estar, mas não são acessíveis ao escrutínio humano directo. Quando interpretados independentemente umas das outras, as medidas fisiológicas e comportamentais não são suficientes para informar sobre os estados internos. Desta tese pode-se concluir que uma combinação de estudos de privação, preferência e motivação, junto com a medida de parâmetros fisiológicos como o cortisol, é provavelmente uma abordagem relevante para inferir indirectamente sobre as experiências subjectivas dos peixes. O processamento da informação externa pelos peixes envolve uma componente psicológica. Este facto tem de ser tido em conta na interpretação das resposta ao stress e na gestão do bem-estar de peixes em condições artificiais.

"Enriquecimento ambiental combate cancro"

A revista The Scientist dá-nos a conhecer um estudo recente no qual ratinhos a viver em ambiente espacial, funcional e socialmente enriquecido desenvolveram tumores menores que ratinhos em caixas padrão, após receberem um enxerto com células de melanoma. Os que tinham vivido 3 semanas antes da indução dos tumores apresentavam uma redução de 43 %, ao passo que animais vivendo nestes ambientes 6 semanas antes da indução tinham tumores 77% mais pequenos que os seus congéneres em ambientes não enriquecidos. Este estudo, com resultados bastante consistentes, foi publicado na Cell, merecendo uma leitura atenta.

Foto obtida da revista The Scientist


Na minha opinião, isto assume particular relevância devido às assimetria que encontramos entre o contexto ambiental pré-clínico e os estudos clínicos que lhe sucedem. Humanos que participam em estudos clínicos levam vidas ricas ao nível sensorial, social, cognitivo e motor (ou pelo menos bem mais que ratinhos em pequenas caixas onde a estimulação destes domínios é escassa). Um dos meus argumento é que o enriquecimento ambiental (se biologicamente relevante) não só melhora a vida dos animais como também aumenta a validade externa dos dados provenientes do seu uso. e isto tem vindo a ser crescentemente corroborado por estudos científicos.

Digo eu…

Guide for the Care and Use of Agricultural Animals in Research and Teaching

A Federação das Sociedades de Ciência Animal (FASS, em inglês) editou a terceira edição do Guide for the Care and Use of Agricultural Animals in Research and Teaching. A versão electrónica do guia está disponível para download gratuito. Trata-se de uma ferramenta muito útil e transversal para todos aqueles que trabalham em ciência de animais de produção: bovinos de leite e de carne, cavalos e aves, pequenos ruminantes e suínos. Os capítulos são sintéticos mas condensam informação útil, não só para veterinários e cientistas, mas também para os produtores e responsáveis pelas explorações pecuárias.

Vê a dor nos olhos do ratinho ?

Em The expressions of the emotions in man and animals, Charles Darwin defendeu a existência de mecanismos universais para a expressão de sensações como dor e que ultrapassam as fronteiras inter-espécies. Baseou esta ideia na sua teoria da evolução através de selecção natural, mas também na sua própria investigação empírica. Através de um questionário enviado a compatriotas que trabalhavam em diversas partes do mundo, Darwin verificou que, da mesma maneira que os europeus elevavam as sobrancelhas, coravam, torciam o nariz e encolhiam os ombros, assim faziam também os malaios, os afro-americanos, os maoris e os índios. Agora sabemos ainda que bebés recém-nascidos e pessoas com cegueira congénita mostram as mesmas expressões faciais que humanos adultos saudáveis, o que corrobora que estas expressões sejam congénitas e genéticas, ao invés de aprendidas e culturalmente transmitidas.

Mas serão tão universais que as encontremos também em outras espécies? Darwin achou que sim, e o livro dele é rico em ilustrações disto. Outros exemplos ainda podem ser encontrados na exposição Exuberâncias da Caixa Preta a decorrer no Museu Soares dos Reis no Porto.

“Cat, savage and prepared to fight. Drawn from life by Mr. Wood.”
(De: http://darwin-online.org.uk/content/frameset?itemID=F1142&viewtype=text&pageseq=1)


O argumento evolutivo é que, se as expressões faciais são congénitas e genéticas em nós, então deverão também existir em espécies que nos são próximas. Se a capacidade de expressar sentimentos nos traz vantagens evolutivas, as mesmas deverão também ser benéficas para outras espécies. Ou não? Não é óbvio que assim seja. Para quem é muito pequeno e com muitos inimigos, poderá ser melhor não assinalar fraquezas. Um ratinho com dores será certamente uma presa mais fácil, mas será desnecessário dizer “ai!” arriscando-se a que o gato ouça.

Nos cursos para investigadores que pretendem trabalhar com animais, ensinamos que é difícil identificar sinais de dor num ratinho, porque há uma vantagem evolutiva para presas naturais esconderem sinais de dor e doença. Mas num artigo na ultima edição da revista Nature Methods um grupo canadiano de investigadores mostra que, se observamos bem, podemos ver dor expressa na cara do ratinho.

O professor Jeffrey Mogil e a sua equipa de investigação sujeitaram ratinhos de laboratório a uma série de testes que são usados na investigação em dor. Nestes é induzido dor de grau e duração variável através de injecções ou intervenções cirúrgicas. Os ratinhos foram filmados e dos filmes extraíram-se imagens onde apenas a cara – e não o corpo do ratinho – era visível. Mostrou-se uma mistura de imagens de ratinhos com e sem dor a um painel de pessoas que não sabiam a que tratamento os ratinhos tinham sido sujeitos e, partindo de escalas de classificação para expressões faciais humanas, o painel avaliou a expressão dos ratinhos.

A avaliação do painel correspondeu ao tratamento do ratinho em até 97% dos casos quando se usou uma câmara de alta definição. Parece ser sobretudo dor de duração média, entre 10 minutos até 12 horas, a que melhor se reflecte na expressão facial do ratinho. Esta expressão envolve um semicerrar dos olhos, uma extensão arredondada da pele visível na ponta do nariz e um empolar das bochechas. O ratinho ainda estira as orelhas e os bigodes para trás, de encontro à cara ou para a frente, como se suspensos na ponta. Faltam-nos bigodes e orelhas movíveis, mas no que diz respeito a olhos, nariz e bochechas partilharmos a expressão facial com o ratinho.


Expressão facial de dor no ratinho. A escala de 0 a 2 corresponde ao nível de dor.

Figure kindly provided by Jeffrey Mogil and not-for-profit reproduction licensed by Nature Publication group. Originally published in Nature Methods 7, 447-449, 2010.

O mesmo grupo de investigação já mostrou anteriormente que ratinhos reagem quando outros ratinhos são sujeitos a dor e faz ainda referência a resultados ainda não publicados que mostram que ratinhas se mantém próximas de um familiar com dor.

Estes resultados não são, evidentemente, prova de que um ratinho que expressa dor de maneira semelhante a um ser humano sinta a dor de maneira semelhante. Mas parece-me que fica cada vez mais difícil argumentar que os outros mamíferos não sentem dor de uma maneira com que precisemos de nos preocupar.

Ensinamos os investigadores a reconhecer que se a intervenção seria dolorosa num ser humano, deveremos assumir que o seja também noutro animal. No futuro pode ser que acrescentemos “se achar que dói, olhe o ratinho nos olhos”.

Ratos desportistas

Ratos a jogar basketball?

Como é evidente, estes animais não estão propriamente a jogar basketball, mas antes a reproduzir um comportamento que sabem lhes trará uma recompensa (neste caso uma pequena porção de alimento de paladar agradável).

Não quero, contudo, dizer com isto que estes animais não são providos de inteligência e que agem como autómatos que controlamos a nosso bel-prazer. Bem pelo contrário, uma vez que, quer em condições naturais quer laboratoriais, os ratos tem mostrado um engenho impressionante, sendo capazes de desempenhar comportamentos muito mais complexos que passar uma bola num arco.

Eu já tive oportunidade de ver ratos em habitats super-enriquecidos e vou mesmo ao ponto de dizer que não só são hábeis na resolução de problemas, como também evidenciam “personalidades” distintas. Estas reflectem-se no modo por vezes diferenciado de como abordam desafios, e não só em características mais gerais como agressividade ou comportamento exploratório.

Posto isto, o que mais me admira não é a capacidade dos ratos para “jogar” basketball (algo muito básico para as suas potencialidades), mas o facto de dois ratos que suponho não se conhecerem se encontrarem e:

a) disputarem um recurso único
b) estarem num ambiente novo, muito iluminado e barulhento
c) poderem estar a recuperar do stress da viagem (ou mesmo “jet lag”)

e não aparentarem sinais óbvios de stress ou agressividade para com o outro. Do que conheço destes animais, isto só se explica se os competidores (humanos) tiveram em consideração estas variáveis e as procuraram colmatar de alguma forma. Se fosse eu (e não seria, pois não sujeitaria os animais a isto em nome do “entretenimento” e, mesmo que o fizesse, não seria de basket mas antes de futebol), tê-los-ia levado vários dias antes, habituá-los-ia previamente ao espaço e às condições adversas e apresentaria previamente os animais em competição, procurando habituá-los à presença um do outro. Ah, e escolheria fêmeas, o que amenizaría a questão do estabelecimento de hierarquia pela submissão do outro (ainda que o não suprimisse).