In memoriam: Jaak Panksepp – O cientista que fazia os ratos rir

Deixou-nos aos 73 anos o neurocientista de origem estónia Jaak Panksepp, que se dedicou ao estudo do que chamou “neurociência afectiva”, focada na base neuronal das emoções. Estava previsto ser key-note speaker do próximo congresso da UFAW e queria muito ouvir a sua apresentação. Infelizmente, já não será possível.

O seu trabalho teve impacto considerável na ciência do bem-estar animal (era Baily Endowed Chair of Animal Well-Being Science, uma cátedra da Universidade de Washington), tendo sido uma grande referência para cientistas como Temple Grandin. 

Panksepp propôs que o instinto para brincar é comum nos juvenis de muitos mamíferos – incluindo os ratos –  por ser impulsionado pelas partes mais primitivas do cérebro, ao invés do córtex cerebral. E para que a motivação para brincar se tenha conservado longo de milhões de anos – não obstante o maior risco de expor os juvenis a predadores – é porque a mesma confere importante vantagens evolutivas, como as competências sociais, como explicado neste vídeo animado. Assim, Panksepp urge-nos a deixar as crianças brincar, tanto quanto possível, se queremos que tenham saúde mental e sucesso como adultos.

Parabéns Sir David Attenborough

A 8de Maio, David Attenborough completou 90 anos. Felizmente para nós, não tenciona parar. 
Já muito se disse sobre o naturalista que há mais de 60 anos leva a natureza às nossas casas e em todo mundo e cuja influência se estende por várias gerações. Não são assim de estranhar os seus mais de trinta doutoramentos honoris causa, um título nobiliárquico, ter dado já nome a vários animais e fósseis – incluindo aranhas, plantas carnívoras, peixes extintos, dinossáurios – e mais recentemente a um navio que será utilizado para exploração científica, o RSS David Attenborough. 
O futuro RSS David Attenborough
Não podemos deixar de marcar a efeméride, celebrando a sua vida e o contributo. A BBC assinala este acontecimento com uma série programas dedicados, que não devem perder. Fiquem com um vídeo em 360º, um exemplo do seu entusiasmo por novas tecnologias como formas inovadoras de nos dar a conhecer o mundo natural. Obrigado, Sir David!

Não é uma espécie nova de mamífero. Mas é bem-vinda a Portugal.

Tenho visto algumas notícias reportando a descoberta de uma nova espécie de mamífero portuguesa, algo que a confirmar-se mereceria muito mais atenção, já que é um evento raro, a nível mundial. Acontece que o que os investigadores do CITAB e CIBIO fizeram foi encontrar pela primeira vez em Portugal uma variedade de uma espécie já conhecida, o “rato-das-neves”, ou Chionomys nivalis, no Parque Natural de Montesinho, tendo dado entrada da mesma registo de espécies existentes em Portugal. 
Foto de Gonçalo Rosa. A estória do encontro é contada no site Wilder
A descrição dos espécimes encontrados e que confirmam a pertença à espécie, bem como a separação desta população da espanhola, pode ser encontrada no artigo publicado esta semana no Italian Journal of Zoology.  A distribuição deste micro-mamífero é extensa, mas bastante fragmentada, pelo que esta descoberta vem alargar a sua abrangência territorial conhecida.

O local onde foram encontados (a) uma fêmea juvenil (b) e um macho adulto.
Fotos tiradas pelos investigadores com câmaras de infra-vermelhos. (Fonte)

Face ao recente artigo sobre a eutanásia de uma ave rara durante uma expedição científica, não posso deixar de louvar a equipa do Laboratório de Ecologia Aplicada da UTAD por ter devolvido os espécimes recolhidos à Natureza, não obstante esta espécie não estar, ao nível global, ameaçada. Nas palavras da investigadora Hélia Vale-Gonçalves:

“Capturámos dois animais, um macho adulto e uma fêmea juvenil. Fizemos medições, pesagens, tirámos amostras de tecido e observámos a coloração do pêlo. Os animais foram libertados no mesmo local,  junto às armadilhas.”

Ciência com consciência, portanto.

Nota: Podem ser encontrados bons artigos na imprensa sobre esta descoberta e o seu significado, no jornal Público e no site Wilder.

Medir expressão facial de dor em animais

Este artigo da Joana Fernandes constitui a segunda parte na série de artigos que reporta informação de um recente encontro sobre bem-estar animal.  

A dor é uma experiência complexa e multidimensional, que envolve elementos fisiológicos e subjectivos. Devido à proximidade dos processos neurológicos entre animais humanos e não humanos, é esperado que os últimos, particularmente os mamíferos, experienciem dor, mesmo não a conseguindo comunicar numa linguagem verbal. Por estas razões, a dor é uma preocupação ética evidente quando falamos em experimentação animal, que envolve, em muitos casos, danos físicos para o animal. O reconhecimento de dor em espécies animais utilizadas em investigação científica é determinante para que sejam definidas e implementadas medidas para a minimizar, e também para a definição de humane endpoints. Embora nos últimos anos a investigação nesta área tenha vindo a crescer, as formas existentes para determinar e medir dor são ainda subjectivas e pouco precisas. É, por isso, muito importante continuar a fazer esforços no sentido de melhorar o reconhecimento de dor nas variadas espécies animais utilizadas em laboratório.

Expressão facial de dor no ratinho. 
Ver mais em

Vê a dor nos olhos do ratinho


O estudo da dor torna-se ainda mais complexo, pois a expressão de dor pelos animais pode confundir-se com outros estados emocionais negativos que não envolvam necessariamente dor. Por outro lado, quando se trata de uma recuperação de um procedimento cirúrgico, em que o animal está debilitado, os sinais de dor podem não ser tão evidentes. Questões éticas acrescem quando se trata de primatas não-humanos, devido à sua proximidade com a nossa espécie, o que leva a uma opinião pública mais dividida e mais forte quanto a experiências que envolvam estes animais. Quanto ao uso destes animais em investigação, a Directiva 2010/63/eu descreve que “tendo em conta o estado actual dos conhecimentos científicos, ainda é necessário recorrer a primatas não-humanos em procedimentos científicos no domínio da investigação biomédica […]. A utilização de primatas não-humanos só deverá ser permitida nos domínios biomédicos essenciais para o benefício do ser humano, em relação aos quais não existam actualmente métodos alternativos de substituição disponíveis”.

No sentido de procurar medidas mais sensíveis ao reconhecimento de dor em primatas, a equipa da Dra. Sarah-jane Vick (Universidade do Stirling, Reino Unido) tem vindo a desenvolver um trabalho de reconhecimento de dor em macaco reso através das suas expressões faciais. O estudo de dor através das expressões faciais tem vindo a crescer e já existem escalas definidas para espécies como o murganho, o rato, o coelho e, também, para o cavalo. Este novo método de investigação em dor é muito interessante e já foi mesmo abordado num post anterior, em que foi discutida não só a semelhança de expressões faciais entre animais e seu valor evolutivo, mas também a relevância ética das evidências de dor em animais não humanos.

Para explorar as expressões faciais de macacos reso, a equipa utilizou um software de identificação de posições dos músculos faciais. Este softwareMaqFACS – foi desenvolvido com base num software existente para identificação de expressões faciais em humanos designado por Facial Action Coding System (FACS). Esta é uma técnica amplamente usada não só em investigação em humanos, mas também na clínica, nomeadamente em psiquiatria.

 Identificação dos músculos faciais de macaco reso (esquerda) e humano (direita) que
 demonstra as semelhanças entre as duas espécies. Foto do sítio ofícial de MaqFACS

O desenvolvimento de uma ferramenta capaz de identificar movimentos dos músculos faciais e correlacioná-los com estados emocionais em humanos, suscitou interesse a cientistas de outras áreas de investigação que utilizam animais não-humanos. O FACS tem sido adaptado a várias espécies animais, como chimpanzés e outros primatas, assim como animais domésticos, como cães e gatos. No entanto, embora este seja um ponto de partida para estudar emoções noutros animais, correlacionar expressões faciais com estados emocionais continua a ser um desafio para os cientistas. 

A Dra. Sarah-jane Vick e a sua equipa pretendem utilizar esta ferramenta para, de forma mais precisa, correlacionar modificações no comportamento causadas pela dor infligida por procedimentos cirúrgicos através das expressões faciais de macacos reso, bem como correlacionar estas com expressões faciais de dor em humanos, pois existem muitos músculos em comum entre as duas espécies. Para isso, o objectivo da equipa é comparar as variáveis referidas acima nas diferentes fases de um procedimento cirúrgico invasivo que inflija dor: antes e depois de uma cirurgia e antes e depois do uso de analgésicos. Este estudo está ainda numa fase preliminar e, por isso, não foram apresentados resultados robustos na palestra. Numa próxima fase os autores vão analisar os dados de comportamento e correlacioná-los com os resultados das expressões faciais que obtiveram nas diferentes fases do procedimento cirúrgico.

A "Ilha do Dr. Moreau" é um laboratório na Universidade de Rochester?

Esta poderá ser a primeira reacção de muitas pessoas ao descobrirem que investigadores nessa universidade injectaram células gliais humanas precursoras de astrócitos em cérebros de ratinhos, produzindo animais mais inteligentes e com melhor memória que os seus irmãos “normais”. 
Crédito da imagem: Scientific American (Fonte)
Até ao século XXI, o papel das células gliais no sistema nervoso central (SNC) era tido como fundamental, mas secundário, como que prestando “vassalagem” aos personagens principais do SNC, os neurónios, dando-lhes sustentação, protecção e isolamento, nutrientes e oxigénio, defesa contra agentes infecciosos e remoção de neurónios mortos. 
Contudo, no nosso século descobriu-se que podem também ter um papel directo na neurotransmissão, sendo ainda vitais para o pensamento consciente pelo seu papel na modulação da actividade dos neurónios e coordenação da transmissão de sinais entre estes, no espaço sináptico.
Ilustração representativa de células gliais (fonte)
Como os astrócitos humanos são até  vinte vezes maiores que os dos ratinhos e muitíssimo mais ramificados, este grupo de cientistas questionou se as nossas células gliais evoluíram no sentido de contribuir para uma maior inteligência humana, justificando as diferenças com a de outras espécies.
Num estudo conduzido por esta equipa e publicado no ano passado, células precursoras de astrócitos foram implantadas em ratinhos imunodeficientes  (para evitar rejeições do xenotransplante) neonatos.

Como descrito no vídeo, os resultados foram surpreendentes!
A grande diferença entre o estudo descrito no vídeo e o mais recente estudo desta equipa foi que, no primeiro, as células gliais humanas encontravam-se numa fase mais madura e integraram-se no cérebro dos animais sem se desenvolverem ou multiplicarem mais (mas foram suficientes para alterar dramaticamente a capacidade cognitiva e memória dos ratinhos), ao passo que no segundo as células gliais humanas fetais usadas desenvolveram-se e dividiram-se no cérebro dos ratinhos ao ponto de substituírem completamente as previamente existentes no espaço de um ano. Em termos da quantidade bruta de células, estes cérebros são assim “metade humanos”, até porque há mais células gliais que neurónios.
Representação artística de um
oligodendrócito revestindo axónios 
com baínhas de mielina.(fonte)

É de salientar que num estudo paralelo a este transplantaram estas células para ratinhos neonatos com uma deficiência na produção de mielina. Neste caso, as células humanas diferenciaram-se em oligodendrócitos, especialistas no envolvimento dos axónios neuronais com camadas de mielina. De alguma maneira, as células reconheceram o defeito e procuraram compensá-lo, sendo ainda mais surpreendentemente se considerarmos que fizeram no cérebro de um animal de outra espécie! Isto abre possibilidades para o tratamento de doenças como a esclerose múltipla, sendo que esta equipa já pediu autorização para conduzir ensaios clínicos para testar se o recurso a esta biotecnologia pode ajudar no tratamento desta doença.

Contudo, a Scientific American coloca a pergunta: Isto ainda é um ratinho? Eu não tenho dúvidas que apesar de estarmos a falar de ratinhos mais inteligentes estes não deixam de ser, fundamentalmente, ratinhos. Apenas são mais eficientes a fazer aquilo que os ratinhos conseguem fazer. 
Aparte o uso de células fetais humanas (que vou deixar para discussão pelos bioeticistas stricto sensu), questões éticas prementes poderão surgir se células gliais humanas forem implantadas em chimpanzés, ou até neurónios humanos, em qualquer espécie.

Devemos assim questionar se existem limites para o que se poderá fazer neste domínio, independentemente da nossa capacidade técnica para o fazer? Poderá estar de alguma maneira em risco a dignidade humana? E a dignidade do animal?

Conversas inspiradoras

What is life? é o nome de um ciclo de dialogos interdisciplinares entre investigadores e docentes de diversas faculdades, a ter lugar no ICBAS, Universidade do Porto durante os próximos meses. Os organizadores Maria Strecht Almeida e José Augusto Pereira propõem conversas a partir do livro What is life do Erwin Schrödinger. A programação já está anunciada para a primeira sessão, dia 28 de Outubro e a segunda sessão, dia 11 de Novembro.

A imagem aqui ao lado é uma das muitas manifestações interessantes da vida, não só para quem se interessa por animais em geral mas também que estuda aspectos particulares de evolução e desenvolvimento. Não é o vulgar ratinho que parece, é um mamífero de uma classe taxonomica que não temos na Europa: os marsupiais. A razão deste opossum Monodelphia domestica de estar neste poste é a conferência que houve ontem também no ICBAS em que a Professora Yolanda Cruz da Oberlin College, Ohio, EUA partilhou com alunos e outros interessados alguns aspectos do seu trabalho com o marsupial Monodelphis domestica. Na pequena introdução no video clip aqui, descreve como e porque trabalha com estes mamíferos, originarios da America do Sul.
https://youtube.googleapis.com/v/JFhpaUJbsSM&source=uds

Foi uma conversa inspiradora também para quem ensina e investiga, pelo entusiasmo e pela abordagem inovadora que mostra. No Oberlin College, apenas há undergraduates, ou seja alunos do equivalente do 1º ciclo de ensino superior. Portanto, sem envolvimento de alunos de mestrado ou doutoramento, toda a investigação no laboratório da Yolanda Cruz é feita em forma de pequenos projetos de alunos do 1º ciclo de biologia e bioquimica.

O cão é o melhor amigo do homem…mas desde quando?

A comunidade científica ainda não resolveu definitivamente a questão de quando, onde e como foram domesticados os primeiros cães a partir do lobo cinzento, o Canis lupus

Têm sido encontrados esqueletos de lobos junto a vestígios humanos com até cerca de 500.000 anos, o que significa que estes co-existiram com várias espécies do Género Homo, incluindo o Homo Erectus, e muito provavelmente foram caçados pela sua carne e pelagens.

Estudos do ADN canino e do lobo sugerem que a divergência genética entre estes terá surgido há mais 100.000 anos, ou seja,  várias dezenas de milhares de anos antes dos primeiros humanos modernos chegarem à Europa e terem extinguido animais como o tigre-dentes-de-sabre ou o mamute. Esta data ultrapassa largamente a idade dos mais antigos registos arqueológicos de proto-cães, que remontam até -36.000 anos. Uma possível explicação é que poderá ser impossível distinguir entre vestígios de lobos e dos primeiros cães, cujas diferenças poderão não ter sido ao nível da morfologia, mas sobretudo ao nível do comportamento, que tem uma base biológica e, consequentemente, genética. 

É provável que crias órfãs de lobo tenham frequentemente sido adoptadas e criadas por humanos como um costume cultural no Paleolítico. Tal não significava contudo verdadeira domesticação, mas antes adestramento de animais selvagens, que assim que começassem a manifestar maior agressividade (o que é previsível num animal selvagem), seriam afastados ou mortos. Apesar de haver quem considere que foi este hábito que levou ao surgimento do cão, é mais consensual a teoria que o processo inicial de domesticação se tenha dado por “auto-domesticação”, ou seja, por força da vantagem reprodutiva daqueles melhor adaptados – por serem mais tolerantes à presença humana e/ou terem uma menor distância de fuga, por exemplo – para viver de restos de comida deixados  pelas primeiras aldeias. A ser verdade, não deixa de ser curioso que tenha sido o cão, e não o homem, o primeiro a “inventar” a domesticação. 

Foto de Robert Clark para a National Geographic 
(é evidente aqui a Neotenia resultante do processo de domesticação, 
tendo o cão características físicas marcadamente infanto-juvenis)

A domesticação propriamente dita resulta de um processo de modificações genéticas, morfológicas e comportamentais de uma determinada espécie por acção do homem. Assim, para conseguir as respostas, deveremos estudar no seu conjunto os indícios genéticos, paleoarqueológicos e biogeográficos. 

A revista Nature de 18 de Junho revela que, não obstante ser consensual entre os geneticistas em que aspectos genéticos os cães e os lobos diferem, há grandes divergências relativamente a quando e como se deu o processo de domesticação, e qual a relação temporal entre essas alterações genéticas e o processo de domesticação. Isto é, se foram um efeito da domesticação, ou a sua causa inicial (a tal “auto-domesticação”), ou se tal variou consoante os traços genéticos e as circunstâncias históricas e geográficas em questão.

Indo ao encontro da hipótese que o advento da agricultura no Neolítico serviu de catalisador para o processo de domesticação propriamente dito, Erik Axelsson e Kerstin Lindblad-Toh propuseram este ano num artigo que o aparecimento há 10.000 anos de genes para a digestão do amido – que terá permitido viver comensalmente de restos de alimento e colheitas dos seres humanos – terá ditado a separação destes canídeos dos seus antecessores exclusivamente carnívoros, dado subsequentemente origem  à sua domesticação. 

Greger Larson, arqueogeneticista da Universidade de Durham contesta veemente esta conclusão, dados os registos arqueológicos de ossos similares aos de cães modernos que precedem em vários milhares de anos a data proposta por Axelsson e Lindblad-Toh (distinguir ossos de cão e de lobo é no entanto tão mais difícil quanto mais recuarmos no tempo), situando assim o momento da domesticação no Paleolítico Superior. Larson argumenta – e tendo a concordar com ele – que não há razão para pensar que a domesticação do cão não possa ter precedido o aparecimento destes genes em particular, pelo que seria infundado apontar este acontecimento, ainda que importante, como equivalente ao início da domesticação.

Atendendo às provas arqueológicas, a gradual aproximação dos lobos ao homem deu-se provavelmente em acampamentos semi-sedentários de caçadores-recolectores, e portanto num período pré-agrícola. O advento da agricultura poderá ter tido, não obstante, um importante papel na diversificação das diferentes linhagens de cães, uma especialização para tarefas como guardar rebanhos, ajudar na caça ou proteger a comunidade.

Diferentes raças caninas, fotografadas por Robert Clark para a NatGeo (fonte)

Mas há quanto tempo se iniciou o processo de domesticação, afinal? 

Dados recentes publicados por cientistas chineses (Wang et al, 2013) fazem recuar a domesticação do cão até há -32.000 anos na China, região onde actualmente não existem lobos selvagens, mas que tinha já sido proposta como provável origem para o cão. Creio, no entanto, que a existência de um momento e local exacto para a domesticação de lobos em cães seja algo difícil de aceitar para a generalidade da comunidade científica, no seio da qual é mais ou menos consensual que este processo foi bastante complexo, tendo ocorrido mais do que uma vez ao longo da história, em mais de que um local e a partir de mais que uma população de lobos. Ademais, desde os anos 90 que estudos genéticos apontam  para a possibilidade de um frequente cruzamento de cães com diversas populações locais de lobos (e, portanto, de diferentes sub-espécies) ao longo dos tempos, o que poderá ter sido uma das causas para a enorme variedade genética encontrada nestes últimos. Isto é corroborado por um artigo recente (ainda em fase de pré-publicação, mas disponível em versão preliminar no arXiv), e que propõe o início da divergência genética entre lobos e cães para um período situado entre – 11.000 a -16.000 anos. 
Face a esta controvérsia, assiste-se agora a uma autêntica corrida entre equipas de investigadores para  serem os primeiros a apresentar dados que compararem material genético extraído de fósseis antigos de cães e lobos paleolíticos. A competição será aguerrida, uma vez que espécimes de fósseis deste tipo são muito raros, mas é consensual que esta abordagem trará uma nova luz a esta complexa questão.  

Oportunidades de doutoramento em cognição animal

Consequências cognitivas e emocionais de obesidade em ratos   


Universidade de Copenhaga, Dinamarca

Uma vaga para doutoramento orientado por Dr. Dorte Bratbo-Sørensen em conjunto com uma equipa interdisciplinar e no âmbito de um projeto de colaboração universidade-industria. Mais informações aqui e através de e-mail para brat@sund.ku.dk. Concurso aberto até 11 de fevereiro de 2013.

 

Cognição comparativa em canídeos
Universidade de Medicina Veterinária, Vienna, Austria

4 vagas para doutoramento no âmbito do projeto “Understanding the proximate mechanisms for canine cooperation

1. Conspecific and interspecific social tendencies in dogs
2. Prosocial attitudes in dogs and wolves
3. Inequity aversion in dogs and wolves
4. The underlying mechanisms of inequity aversion in dogs

Os trabalhos terão lugar no Clever Dog Lab e/ou www.wolfscience.at e serão orientados por Dr. Friederike Range que também é a pessoa a contactar para obter mais informações e para submeter candidaturas (friederike.range@vetmeduni.ac.at). Concurso aberto até 1 de fevereiro de 2013.

Ignorância ou ideologia?

Há um aparente paradoxo entre a opinião predominante entre cientistas portugueses (e a qual partilho) de que teorias como o criacionismo ou o ‘intelligent design’ não se apresentam como problemáticas em Portugal, e os dados apresentados por Jerry Coine que mostram que cerca de 25% dos portugueses consideram a teoria da evolução falsa. Não resisti a debruçar-me sobre esse paradoxo, e fui assim conferir o artigo original citado por Coyne (e do qual ele obteve o gráfico). O artigo original não é acessível através do website da revista (mas poderão facilmente encontrá-lo através de uma pesquisa no Google).  

 Este artigo fora publicado em 2006 na Science, por Jon D. Miller, Eugenie C. Scott e Shinji Okamoto, respectivamente dois investigadores dos Estados Unidos e um do Japão. Como acontece frequentemente em artigos publicados nestas revistas de elevado factor de impacto e que são extremamente condensados, para aferir como o estudo foi de facto conduzido o que precisamos de ler é o material de suporte disponível online.

A partir daqui, procurei identificar o que de facto foi perguntado neste estudo e cujas respostas servem de base a este gráfico. 

Estes dados referentes à Europa provêm do estudo 63.1 do Eurobarómetro. Este foi conduzido usando um questionário extenso, sendo que Miller et al não fornecem nenhuma informação acerca de que parte dos dados foi usada na sua comparação com os provenientes dos Estados Unidos e o Japão, mas as únicas perguntas que dizem respeito à evolução encontram-se na questão Q10. Segue uma lista de afirmações apresentadas aos respondentes para testar os seus conhecimentos em áreas da Ciência e Tecnologia (nota: a tradução aqui apresentada e a nossa do inglês e difere ligeiramente da versão portuguesa do inquerito original).


– O centro da Terra é muito quente
– O Sol orbita em torno da Terra
– O Oxigénio que respiramos provém das plantas
– O leite radioactivo torna-se seguro após fervido
– Os electrões são mais pequenos que os átomos
– Os continentes em que vivemos têm-se movido durante milhões de anos e continuar-se-ão a mover no futuro
– São os genes da mãe que determinam se o bebé será um rapaz ou uma rapariga
– Os primeiros seres humanos viveram no mesmo período que os dinossauros
– Os antibióticos tanto matam bactérias como vírus
– Os lasers funcionam pela focalização de ondas sonoras
– Toda a radioactividade é produzida pelos seres humanos
– Os seres humanos, tal como os conhecemos, desenvolveram-se a partir de outras espécies mais antigas
– A Terra demora um mês a dar uma volta em torno do Sol.

Destaquei as duas frases acima que nos dão alguma informação relativamente à evolução. Estas foram também incluídas num estado sobre o nível de aceitação dos paradigmas científicos nos Estados Unidos mas – e isto é de particular importância para entender o que os dados de Miller nos dizem sobre Portugal – no estudo americano estes surgem juntamente com um terceiro, mais forte:
“Os seres humanos foram criados por Deus como pessoas completas e não evoluíram de formas de vida mais antigas” 

Vamos assim olhar para estas três informações e reflectir acerca do que as diferentes respostas nos podem dizer sobre o que os respondentes sabem e acreditam


A afirmação “Os primeiros seres humanos viveram no mesmo período que os dinossauros” é falsa. Mas para responder corretamente não chega ter conhecimento que o processo de evolução tem lugar, é ainda necessário conhecer a história natural da Terra o suficiente para saber que a espécie humana apenas surgiu depois da extinção dos dinossauros.
 A afirmação “Os seres humanos, tal como os conhecemos, desenvolveram-se a partir de outras espécies mais antigasé verdadeira. As razões mais prováveis para afirmar ser falsa serão acreditar que os humanos são especiais e assim não relacionados com outras espécies (ideologia) ou não ter a mínima ideia de como as espécies evoluíram (ignorância).
Mas a única afirmação que permite distinguir ideologia de ignorância é “Os seres humanos foram criados por Deus como pessoas completas e não evoluíram de formas de vida mais antigas”, mas aos respondentes portugueses não foi pedido que comentassem esta afirmação.  

No estudo europeu estas frases foram usadas para medir o nível de conhecimentos em ciência e tecnologia – não para medir aceitação da teoria da evolução. E Portugal surgiu como um dos países com menor nível de conhecimento científico, como este mapa do Relatório do Eurobarómetro evidencia (a cor cinzenta representa a categoria mais baixa, 0-20% de respondentes com conhecimento científico muito bom).

E assim, onde levará tudo isto? Vou argumentar que com base neste conjunto de dados é de facto impossível separar ideologia de ignorância na explicação para a relativamente reduzida crença na teoria da evolução em Portugal. Mais, diria que há de facto alguma indicação de que é ignorância e não ideologia que explica porque Portugal fica numa posição tão baixa na escala de aceitação da teoria da evolução.
Baseio este argumento numa abordagem diferente dos mesmos dados. Num artigo de Cosima Rughini de 2011 encontrei o pormenor importante que me faltava no artigo de Miller. Com base nas respostas perante a afirmação Os seres humanos, tal como os conhecemos, desenvolveram-se a partir de outras espécies mais antigas, foi feito o ranking de 33 países em termos de aceitação da evolução. Se este ranking for feito com base na percentagem de respostas corretas (que a afirmação é verdadeira), Portugal ocupa um modesto 18º lugar entre 33. Mas, se o ranking for feito com base na percentagem de respostas incorretas (que a afirmação é falsa), Portugal sobe até um confortável 10º lugar, com uma percentagem menor de respostas erradas do que Alemanha, Países Baixos e Suiça. Isto é porque os portugueses respondem “Não sei” proporcionalmente com mais frequência. 

E será que isto importa? Provavelmente, sim. A razão pela qual Jerry Coyne escreveu este livro foi que achou que se as pessoas ficavam a conhecer a evidência convincente da teoria da evolução passarão a ser convencidas da sua veracidade. Como disse na sua palestra na Serralves, ele acabou por perceber que isto não é suficiente, pelo menos nos Estados Unidos de onde é oriundo: as pessoas também precisam de ser menos religiosas.

Mas se em Portugal o principal problema é o conhecimento e entendimento muito limitado da ciência (e não sendo a Igreja no geral avessa à ciência ou a explicações científicas), então será mais importante disseminar o conhecimento do que será combater a religião.

Contudo, pessoas como os autores deste blog não parecem ser as mais adequadas para este trabalho, pelo menos a acreditar no Eurobarómetro…

Jerry Coyne: Porque é que a evolução é verdade mas poucos acreditam nela?

PORQUE É QUE A EVOLUÇÃO É VERDADE (MAS POUCOS ACREDITAM NELA)?

Casual Conferences
Orador: Jerry Coyne
06 OUT 2012 (Sáb), 15h30
Auditório da Fundação de Serralves, Porto

Entre as maravilhas que a ciência tem revelado acerca do universo, nenhum assunto desperta maior fascínio e debate do que a evolução. Porém, raramente se menciona aquilo que importa: as provas, os dados empíricos que demonstram o processo de evolução por selecção natural. E essas provas são extensas, variadas e grandiosas, provindo de um espectro alargado de investigação científica, desde a genética, a anatomia e a biologia molecular, até à paleontologia e à geologia.
Nesta palestra, Jerry Coyne, um dos mais conceituados biólogos evolucionistas a nível mundial, apresentará um resumo sucinto e acessível dos factos que corroboram o processo evolutivo – incluindo as provas que reuniu no seu já famoso livro A Evidência da Evolução, cujo lançamento em português terá lugar nesta sessão, e provas adicionais que surgiram desde então. Ao demonstrar a existência da «marca indelével» dos processos inicialmente apresentados por Darwin, Jerry Coyne mostrará que a evolução é mais do que uma teoria: é um facto de que ninguém pode duvidar. Apesar disso a ideia de evolução continua a ser rejeitada por muita gente em todo o mundo. Jerry Coyne discutirá as razões desta resistência e sugerirá algumas estratégias que tornarão mais consensual a teoria da evolução.