Substituir, reduzir e refinar o uso de animais em ciência. Mas não por esta ordem?

Nota: Tenho andado um pouco desconectado do Animalogos, em parte por culpa também da maior facilidade e alcance da nossa página de Facebook. Mas a criação do blog Animalogues (um “primo” deste) pela Anna Olsson veio lembrar-me que este formato tem algumas vantagens relativamente às páginas nas redes sociais, cujas publicações são mais efémeras e frequentemente com menos substância. Vou procurar escrever mais sobre descobertas científicas mais recentes relativas ao comportamento, cognição, bem-estar e ética animal. 
A reflexão que vos trago hoje vem a propósito do artigo recentemente publicado na PLOS ONE “Researchers’ attitudes to the 3Rs – an upturned hierarchy?”, do qual eu, a Anna Olsson e o Peter Sandøe somos autores. 
É sabido que o uso de animais em investigação biomédica é geralmente justificado pelos potenciais benefícios para a saúde dos seres humanos e de outros animais, ou do meio ambiente. No entanto, é também esperado que os cientistas sigam o princípio dos 3Rs (Replace, Reduce, Refine) e procurem, tanto quanto possível, “substituir, reduzir e refinar” o uso de animais para fins científicos ou educacionais. 
O uso de animais em Ciência ainda é imprescindível.  Mas devem ser
desenvolvidos meios e estratégias para a sua substituição, redução e refinamento.
Uma das formas de promover os 3Rs é a a formação em ciência de animais de laboratório, que na União Europeia é essencial e obrigatória para todos aqueles que pretendem usar animais para fins científicos. O nosso objectivo foi assim de avaliar o nível de conhecimento e sensibilização dos investigadores para os 3Rs, antes e depois de frequentarem cursos em ciências de animais de laboratório. Para isso realizámos um inquérito on-line com participantes dos cursos realizados em oito cidades situadas em quatro países europeus: Portugal (Porto e Braga), Alemanha (Munique e Heidelberg), Suíça (Basileia, Lausanne, Zurique) e Dinamarca (Copenhaga). As perguntas foram elaboradas de modo a avaliar atitudes gerais relativas ao uso de animais em investigação biomédica, alternativas de substituição, potenciais conflitos entre os objectivos de redução e refinamento e análises de dano-benefício. Ao primeiro inquérito responderam 310 investigadores e ao segundo inquérito 200, mas apenas 127 foram tidos como válidos. 
Sucintamente, nós descobrimos que:
  • Embora os cursos aumentem o nível de conhecimento sobre os 3Rs, não tiveram nenhum efeito observável no nível de confiança que a experimentação animal pode ser totalmente substituída por métodos não-animais (que à partida era já baixo). 
  • A maioria dos investigadores reconhece haver questões éticas relacionadas com seu trabalho e discute-as com seus pares. 
  • O nível de bem-estar animal, e especialmente a prevenção da dor, foi considerado como a questão ética mais premente, bem como mais importante do que o número de animais usados ​​ou o próprio uso de animais, em si. 

A hierarquia originalmente proposta por Russell e Burch, a o modo como os
3Rs surgem hierarquizados, na nossa amostra de investigadores. 
Todos os dados que recolhemos apontam para uma “inversão” da hierarquia de  prioridades, relativamente à originalmente proposta nos anos 1950s pelos arquitectos dos 3Rs, William Russell e Rex Burch. Ao passo que estes priorizavam a substituição do uso de animais, e apenas quando esgotada essa possibilidade propunham que se considerasse a redução e refinamento, os investigadores actualmente priorizam o Refinamento sobre a Redução e esta sobre a Substituição. 
Neste artigo abstemo-nos de fazer uma avaliação moral desta “hierarquia invertida”. De qualquer forma, qualquer reflexão a este respeito deverá contemplar que o uso de animais para fins biomédicos é ainda imprescindível e que o desenvolvimento de meios e estratégias para a sua substituição é morosa, dado que os mesmos devem ser ser devidamente avaliados e validados. Nesse contexto, e face à urgência de avançar o conhecimento científico e médico, poderá fazer sentido priorizar o bem-estar dos animais que actualmente (e no futuro próximo) utilizados, pois é uma questão mais premente e e mais fácil implementação.

Contudo, esta (aparente) desvalorização do objectivo de substituir o uso de animais está em conflito com as expectativas do público e dos reguladores. Isto implica, primeiramente, que a urgência de melhorar o bem-estar dos animais de laboratório não deva impedir a continuação do investimento no desenvolvimento de métodos alternativos (sobretudo ao nível dos testes regulamentares de substâncias). Significa ainda que deve haver um esforço em comunicar de forma transparente o porquê e como são usados animais em ciência, para uma maior compreensão do público das nossas actuais prioridades, objectivos (e limitações) e compromisso com o bem-estar animal e os 3Rs. 

Animalogantes na comunicação social

Numa entrevista concedida à revista Veterinária Actual, por ocasião do EurSAFE 2016, o 13º congresso da European Society for Agricultural and Food Ethics que decorreu no Porto, a animalogante Anna Olsson alerta para os dilemas éticos em medicina veterinária e esclarece que a discussão ética nada tem a ver com a proximidade emocional que temos com determinados animais.

Parabéns Sir David Attenborough

A 8de Maio, David Attenborough completou 90 anos. Felizmente para nós, não tenciona parar. 
Já muito se disse sobre o naturalista que há mais de 60 anos leva a natureza às nossas casas e em todo mundo e cuja influência se estende por várias gerações. Não são assim de estranhar os seus mais de trinta doutoramentos honoris causa, um título nobiliárquico, ter dado já nome a vários animais e fósseis – incluindo aranhas, plantas carnívoras, peixes extintos, dinossáurios – e mais recentemente a um navio que será utilizado para exploração científica, o RSS David Attenborough. 
O futuro RSS David Attenborough
Não podemos deixar de marcar a efeméride, celebrando a sua vida e o contributo. A BBC assinala este acontecimento com uma série programas dedicados, que não devem perder. Fiquem com um vídeo em 360º, um exemplo do seu entusiasmo por novas tecnologias como formas inovadoras de nos dar a conhecer o mundo natural. Obrigado, Sir David!

Conferencia sobre Ética e o Futuro da Medicina Veterinária

A Universidade de Utrecht, na Holanda, organiza de 19 a 20 de Maio de 2016 a conferência “Ethics and the future Veterinary Professional“. À luz dos avanços da Biomedicina, do interesse crescente do público pelas questoes de Bem-estar animal e dos desafios colocados por fenómenos globais como as alteraçoes climáticas, esta reunião pretende debater o papel da profissão veterinária num mundo em rápida mudança. Mais informaçoes podem ser encontradas aqui.

Esta é a terceira conferência internacional sobre ética veterinária a realizar-se na Europa. A primeira teve lugar em 2011, no Royal College of Physicians, em Londres e foi organizada pelo Royal Veterinary College. Foi uma reunião generalista e que abordou numerosos temas, como demos conta, na altura, aqui no animalogos. Desse evento resultou o livro Veterinary and Animal Ethics, da UFAW Animal Welfare Series.

Mais recentemente, em 2015, O Messerli Research Institute (Faculdade de Medicina Veterinária, Univeridade de Viena) organizou a conferência VETHICS FOR VETS – Animal Welfare and Veterinary Medicine, que se debruçou sobre as questoes éticas que os médicos veterinários oficiais enfrentam.

Workshop "Sensibilidade e Bom-senso" – Comunicar investigação com animais ao público

Os centros de investigação há muito compreenderam a importância de fazer chegar informação científica ao público. Para além da consequência mais directa de promover o conhecimento e compreensão de factos e conceitos científicos por parte do público, há um conjunto de outros benefícios, como sendo uma maior abertura à inovação, uma compreensão mais abrangente da necessidade de investir em ciência, maior capacidade de intervir de modo informado e participativo em importantes decisões pessoais (de saúde, por exemplo) e nacionais ou, como neste caso, maior receptividade ao uso de animais para fins científicos. 
Assim, a Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova irá realizar um workshop para ajudar cientistas, jornalistas e comunicadores de ciência a comunicar os resultados de investigação biomédica realizada em animais. 
Um workshops dirigido a cientistas, jornalistas e comunicadores de ciência.
Mais informação aqui
Mas é legítimo questionar: devemos advogar e promover uma maior aceitabilidade do uso de animais em ciência? Não está a substituição do uso de animais explicitamente definida como um objectivo da União Europeia, patente no investimento nesta área e na própria legislação
A esse respeito, convém clarificar que o objectivo não é fazer uma campanha para advogar o uso de animais, mas antes promover a compreensão que o uso de animais em investigação fundamental e aplicada é ainda, infelizmente, uma necessidade, face ao número de doenças que ainda são causa de sofrimento quer de humanos, quer de outros animais. 
Sabe-se que a grande maioria da população faz uma avaliação positiva da experimentação animal, se tiver uma percepção que o a mesma é devidamente justificada, com respeito pelo bem-estar animal e devidamente legislada. E assim importa dar a conhecer as razões pelas quais os animais são utilizados, como são utilizados e como isto é regulado e supervisionado, tema que eu e a Anna Olsson (e dois outros investigadores) já levámos às páginas do jornal Público
Face à importância de continuar a granjear a confiança e apoio do público na investigação biomédica, vem este workshop contribuir para ajudar os investigadores que usam animais no seu trabalho a falarem do mesmo na primeira pessoa, de modo transparente, acessível, eficaz e empático. 

Curso: Bioética – resposta para velhos e novos desafios

Entre 16 de Junho e 3 de Julho, ir-se-á realizar na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro o curso Bioética: resposta para velhos e novos desafios.  Segundo os organizadores: 
O curso pretende responder à necessidade crescente de desenvolver um conjunto de atitudes, pensamentos e argumentos capazes de aumentar a compreensão de questões éticas/morais “novas” e “velhas”, à luz de um desenvolvimento tecnológico crescente. As opiniões e o pensamento moral são analisados cientificamente, estimulando a argumentação, sofisticação do raciocínio e a reflexão ética dos formandos. 

O curso destina-se a estudantes, professores e investigadores de áreas ligadas às Ciências Naturais, Saúde, Humanidades e Ciências Sociais à Filosofia e Ética, mas está também aberto ao público em geral que esteja interessado em perceber e debater as questões éticas, desenvolvendo em consciência a sua capacidade de intervenção. 
O curso é de 85 horas, no total, sendo 30 horas de contacto e atribui 3 ECTS. 

The Ethics of Eating – Curso Livre

Começa hoje o curso livre da Universidade de Cornell, nos EUA, sobre a ética da alimentação, The Ethics of Eating. Os MOOCs (Massive Open Online Courses) são cursos online, gratuitos e disponíveis para quem quiser. Coursera e EDX são duas das maiores plataformas de MOOCs. As melhores universidades do mundo estão a investir  neste tipo de formação à distância, em que não é incomum ver cursos com dezenas de milhar de alunos. De forma a gerir tamanha multidão, estes cursos recorrem muitas vezes a peer assessment, avaliação por pares, em que os alunos avaliam trabalhos e comentários de outros alunos, cabendo aos docentes um papel de moderadores (além de geradores de conteúdos, é claro).
Inscrevi-me neste curso assim que soube dele e devo dizer que tenho grandes expectativas. Sei de experiência própria que não é fácil acompanhar um MOOC do início ao fim e manter o entusiasmo e dedicação. Um MOOC dura normalmente entre 4 e 6 semanas e exige, pelo menos, umas 4 horas de trabalho por semana. Este curso dura 6 semanas, sendo que a segunda e a terceira semanas são dedicadas aos animais, em especial à agropecuária industrial. Mas ainda o curso não começou e já dei de caras, através da sua página do facebook com um site muito estimulante: scoop.it/t/ethics-of-eating, que colige informação da imprensa internacional sobre ética na alimentação. Através dele fiquei a saber, por exemplo, de uma iniciativa espanhola de produzir Foie Gras ‘ético’, isto é sem alimentação forçada.

Curso de delineamento experimental e estatística para estudos com animais

Fund for the Replacement of Animals in Medical Experiments – FRAME vai organizar de 30 de Março a 1 de Abril um curso de desenho experimental delineamento experimental e estatística na Universidade de Coimbra. 
Ainda que seja contra-intuitivo pensar que uma organização criada especificamente para promover a substituição de animais em biomedicina se dedique a formar investigadores para usar animais, a verdade é que tal não constitui qualquer contradição com os princípios desta ONG. 

Melhorar as experiências E diminuir o número de animais.
Não só é possível como é um imperativo de ordem ética e científica.
Acontece que a FRAME são se dedica apenas a promover e divulgar (na revista ATLA- Alternatives to Laboratory Animals) novos métodos e tecnologias que permitem a ‘substituição’ – Replacement – do uso de animais, mas também os restantes 3Rs de Russel e Burch, nomeadamente os de Reduction (Redução) e Refinement (‘Refinamento’). 
Por Reduction entende-se o uso do menor número possível de animais para atingir um determinado objectivo científico (sem prejuízo da validade científica) ou, em alternativa, a extrair mais e melhor informação  aumentar o número de animais necessário. Isto é conseguido, por exemplo, através de desenho experimental sofisticado, estudos longitudinais (estudando o mesmo indivíduo, que se torna o seu próprio  ‘controlo’) ou reduzindo o ‘ruído’ experimental que afecta a validade interna das experiências e pode levar a falseamento dos resultados. 
Já por Refinement entende-se o ‘refinamento’ das experiências nos sentido de minimizar (ou mesmo eliminar) a dor e desconforto dos animais, bem como providenciar experiências positivas e uma vida confortável, sem prejuízo dos resultados experimentais. 
A importância destes dois Rs não pode ser menosprezada, por razões éticas, mas também científicas. Tem sido demonstrado que uma grande parte dos estudos com animais publicados apresentam resultados não-reprodutíveis, ou exagerados, por serem mal concebidos, executados e interpretados. Isto leva a que muitos milhões de euros e vários milhares de animais sejam desperdiçados em estudos de relevância médica limitada. 
Assim, a FRAME dedica-se não só a financiar projectos para desenvolvimento de métodos não-animais – inclusive no seu próprio laboratório na Universidade de Nottingham – como também oferece cursos de delineamento experimental para ensinar aos investigadores a tirar o melhor partido dos animais que são usados, através da redução de variabilidade indesejada (incluindo a negligência pelo bem-estar animal) e de enviesamentos comuns resultantes da falta de conhecimento de princípios básicos de desenho experimental e estatística. 
Isto deve-se ao facto desta organização se orgulhar de fundamentar a sua actividade em princípios científicos – e não na opinião pública – pelo que não exige uma abolição imediata do uso de animais que pusesse em risco o desenvolvimento biomédico (bem como da medicina veterinária), mas uma redução progressiva através do desenvolvimento científico. 

A FRAME tem uma abordagem científica como um dos seus princípios basilares.
Quanto a este curso em si, posso falar da minha própria experiência, como alumnus. Participei na edição de 2009, em Manchester, e posso assegurar que o meu conhecimento e perspectiva relativamente ao desenho de experiências com animais mudou significativamente, e para melhor. Recomendo-o vivamente a todos aqueles que se interessam na validade e ética dos seus estudos.

Mais informações aqui

Seminário de Medicina Forense, Comportamento e Bem-estar Animal

O primeiro Seminário de Medicina Forense, Comportamento e Bem-estar Animal terá lugar nos dias 18 e 19 de Abril no Hotel 3K Europa, em Lisboa.
Neste seminário serão discutidos temas relacionados com o mau trato sobre animais tais como a importância do comportamento animal na investigação de casos, investigação forense, clínica médico-legal veterinária, tenatologia forense, enquadramento legal, métodos de antropologia forense, dor e indicadores de bem-estar. Haverá ainda uma palestra especialmente dedicada ao elo entre o mau trato em animais e crimes direccionados a pessoas.
Esta formação é especialmente dirigida a médicos veterinários, psicólogos, estudantes de medicina veterinária e psicologia e a todos os interessados na área da Medicina Veterinária Forense.
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