Atualidades em setembro

Novo newsletter da Eurogroup for Animals, a associação que junta os ONGs de protecção animal na União Europeia. Uma publicação sempre relevante para quem quer estar a par dos acontecimentos politicos na area de bem-estar animal nesta parte do mundo.

Um novo website sobre experimentação animal da industria farmaceutica europeia. Tecnológicamente e conceitualmente ambicioso – será que conseguem manter a diversidade de perspectivas que pretendem?

International Conference on Veterinary and Animal Ethics

Decorreu em Londres, nos passados 12 e 13 de Setembro, a primeira Conferência Internacional em Ética Animal e Veterinária (ICVAE). Tive a sorte – e a honra – de ir como bolseiro, o que me deu acesso completo ao evento por troca de uma pequena ajuda no secretariado. Estiveram presentes cerca de 100 especialistas um pouco de todo o mundo ocidental, embora a esmagadora maioria dos participantes proviessem da Commonwealth.
Para mim tratava-se de uma oportunidade única de estreitar o círculo de relações e conhecer a nata da ética animal e veterinária com quem ainda não me tinha cruzado. Em especial, tinha uma curiosidade enorme de conhecer o Bernard Rollin (na imagem), pai fundador da ética veterinária como disciplina autónoma, e John Webster, também ele pioneiro mas da disciplina do bem-estar animal. De ambos consegui autógrafos que muito vieram enriquecer a minha biblioteca pessoal (metade da minha mala eram livros, a propósito).


Quanto à conferência propriamente dita, foi pautada por altos e baixos, como se compreende num evento inaugural. A organização (exemplar) do Royal Veterinary College optou por uma abordagem de alargada abrangência temática com curtas contribuições de veterinários, filósofos, economistas, advogados, dirigentes políticos e de ONG’s. Esta pletora de palestrantes diluiu em demasia a unidade da conferência (os temas foram do abate religioso ao Grand National passando pelo Human-Animal Bond em menos de uma hora) mas permitiu um ambiente alargado de discussão, que por vezes igualava o tempo da palestra que lhe dava origem.

As palestras foram gravadas e serão transpostas para livro, com a chancela da Blackwell Publishers. Entre elas destaco duas, sem desmérito para as restantes:
a) “Ethical analysis of the use of animals for sport” de Madeleine Campbell pela forma objectiva e clara como expôs a dilemática no uso de cavalos para desporto.
b) “The Justice of Animal Use” de Martin Whiting que explora a transposição (ou não…) do Princípio da Justiça para o âmbito da ética animal.

De realçar que a conferência foi seguida em directo pelo Twitter (#ICVAE), tendo mesmo sido feitas perguntas aos palestrantes por essa via, e também pela plataforma NOVICE (Animal Welfare Group) onde, através do trabalho dactilográfico extraordinário de uma outra bolseira, Rowena Packer, se conseguiu um elevado nível de discussão que ainda hoje perdura.

Podemos privatizar o bem-estar animal?

Quer queiramos, quer não, as privatizações estão na ordem do dia. Enquanto se discute politicamente onde se deve colocar a fronteira entre aquele que pode ser gerido pelo mercado e o que deve ficar nas mãos do estado, queria trazer para o animalogos uma pergunta provocadora: Podemos privatizar parte do sistema responsável pela protecção do bem-estar animal?
Para acalmar quem fica imediatamente chocado com a ideia, deixe-me fazer o paralelo com a agricultura biológica. Quem escolhe este modo de produção, seja de plantas ou de animais ou ambos, e quer colocar os seus produtos no mercado como provenientes de agricultura biológica tem que participar num programa de certificação. Existem vários organismos privados credenciados para fazer o controlo e a certificação, cada um funcionando com a verba gerido pelos pagamentos dos produtores. O Estado não certifica, delegou esta capacidade – e é assim em muitos estados-membros na União Europeia. 
 
Podíamos considerar um esquema semelhante para as normas de bem-estar animal?
Há uma diferença importante que tem a ver com a obrigatoriedade. O agricultor pode optar pelo modo de produção biológico ou a agricultura convencional. Pode ainda escolher produzir segundo as normas de agricultura biológica, mas vender os produtos sem rótulo de biológico, e assim não precisa de certificação. No que diz respeito às normas de bem-estar animal definidas na legislação, quem mantém animais não tem opção, tem que cumprir. Logo, se o esquema de fiscalização for privado e financiado por quotas, obriga-se todas as pessoas que mantêm animais que são cobertos pela legislação a pagar. Por outro lado, isto não é diferente do que ocorre em muitas áreas mesmo que não privatizados. Se quero ter um passaporte tenho que pagar, se quero conduzir o meu carro na estrada tenho que pagar a revisão. 
Mas então, por que razão pensar em privatização, porque não simplesmente começar a cobrar as inspecções e a administração ligada a licenciamentos e deixar que estas receitas financiam a actividade dentro da administração pública do qual agora faz parte? O especialista em administração pública, economia ou direito terá o seu ponto de vista sobre a questão, o meu é de um utilizador de um sistema público que parece padecer gravemente de recursos. Perante o actual cenário português de contenção financeira, parece-me pouco provável que algum gestor da administração pública terá a coragem de propor a contratação de mais técnicos – que é exactamente o recurso que mais limita uma fiscalização eficaz e rápida. Ao contrário disto, uma entidade privada podia criar postos de trabalho para pessoas qualificadas, o que seria uma vantagem adicional.
Será um sistema privado menos transparente, mais influenciável do que um sistema público? Não me parece óbvio que assim seja; se criada uma entidade privada para fazer parte dos trabalhos, este terá naturalmente que relatar à autoridade competente que mantém a ultima responsabilidade. 
Será mais caro? Um sistema privado com recursos suficientes para funcionar será naturalmente mais caro do que um sistema público com falta de recursos, mas não precisa de um orçamento maior do que um sistema público com meios adequados. O trabalho a executar é o mesmo e não é no nível técnico que os salários no sector privado são mais altos do que no público. Será inevitavelmente mais caro para o utilizador do que o actual sistema que não cobre taxa nenhuma – mas a comparação é pouco relevante, as taxas serão introduzidas mesmo se não houver delegação nenhuma de capacidades. 
Fiz a minha proposta: que consideramos a possibilidade de criar entidades privadas com um papel na promoção do bem-estar animal. aos quais o estado pode delegar parte do trabalho nesta area. E a vossa resposta, caros animalogantes?

Trabalhar com Bem-Estar Animal em Portugal: Gonçalo Pereira, Universidade Lusofona e PsiAnimal

Gonçalo Pereira, professor auxiliar, Universidade Lusofona de Humanidades e Tecnologia

Olá Gonçalo, lançaste recentemente a PSIANIMAL – Associação Portuguesa de Terapia do Comportamento e Bem-estar Animal. Podes contar um pouco mais sobre esta associação?

Esta associação surgiu de um grupo de vários investigadores, clínicos, etólogos e “welfarists” que tinham um desejo comum… poder contribuir na divulgação e desenvolvimento da terapia comportamental e bem-estar em animais (não humanos) em Portugal. Assim, somos uma equipa multidisciplinar (tal como é requerido para o desenvolvimento do Comportamento e Bem-estar Animal), constituída por veterinários, biólogos, etólogos, psicólogos, antropólogos, entre muitos outros profissionais. Todos nós temos um mesmo propósito: a concretização duma associação portuguesa forte com projecção nacional e internacional em comportamento e bem-estar.

Porque é que esta associação fazia falta em Portugal?

Até ao momento não havia nenhuma organização em Portugal que fizesse o trabalho a que nos propomos. Ou seja, associações de Etologia há, associações profissionais nas diferentes áreas também há, associações de protecção animal há, mas queremos ser mais do que isso. E porque somos uma equipa multidisciplinar que engloba várias áreas profissionais e científicas acreditamos poder ser uma entidade que possa apoiar, em frentes diversas, entidades públicas e/ou privadas, podendo inclusivamente participar em projectos de regulamentação de actividades relacionadas com o bem-estar animal (como órgão consultivo) e com a terapia comportamental. A PsiAnimal tenciona assim valorizar e dar a conhecer toda a riqueza desta área ainda muito pouco desenvolvida em Portugal. Felizmente, a procura crescente junto da população em geral e a nível académico fortaleceu estas nossas convicções na necessidade imperativa da criação desta associação.

Quem se pode fazer sócio?

Temos 3 tipos de sócios:
1. Os sócios efectivos, que são os profissionais que trabalham e investigam na área do Comportamento e Bem-estar (todos os diferentes académicos, investigadores ou profissionais que tenham um trabalho relacionado com esta área);
2. Os sócios afiliativos, que são os profissionais que trabalham em conjunto com os anteriores, no sentido de darem continuidade ao trabalho nesta área (treinadores, tratadores, pessoal técnico que trabalhe directamente com o Comportamento e Bem-estar);
3. Os sócios estudantes de cursos relacionados com o Comportamento e Bem-estar (que serão futuros sócio efectivos).
Para mais informações poderão contactar a PsiAnimal para: psianimal.geral@gmail.com Estamos a preparar já o I Congresso da Associação para 17 e 18 de Dezembro!

És pioneiro nesta área de actividade em Portugal. Há quanto tempo trabalhas com terapia comportamental em animais de companhia? Como começou?

Não sei se serei pioneiro, mas sei que estou cá para o que for necessário e defender aquilo em que acredito! Comecei ainda como estudante de medicina veterinária a trabalhar em Bem-estar Animal com organizações não-governamentais de Bem-estar e Protecção Animal, nacionais e Internacionais. Em terreno nacional, comecei por trabalhar para a Liga Portuguesa dos Direitos do Animal (1995). Depois tive um convite para ser consultor da Royal Society for the Prevention of Cruelty to Animals (RSPCA), e a partir daí passei a trabalhar com várias organizações nacionais e internacionais (entre as quais a World Society for the Protection of Animals, Cat Protection League, Eurogroup for Animal Welfare, entre muitas outras). Nessa altura estava a terminar o curso de medicina veterinária e achei que a área do Comportamento e Bem-estar era mesmo o que eu queria e acreditava que podia ajudar ao desenvolvimento do meu país. Na altura não havia nada pelo país, e tive que ir fazer formação para o estrangeiro…. Fui então para a Universidade Complutense de Madrid, onde fiz o meu Mestrado em Etologia Clínica e Bem-estar Animal. Depois tive um convite para ser responsável da Disciplina de Comportamento, Bem-estar e Protecção Animal na Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, o qual aceitei de imediato. A partir daí comecei a participar em grupos nacionais e internacionais nesta área de investigação e fui convidado para pertencer à Direcção da European Society of Veterinary Clinical Ethology, da qual sou o actual Vice-Presidente. Agora estou a fazer o meu Doutoramento no Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, agrupando na minha tese várias áreas que adoro: gatos, comportamento e bem-estar e medicina interna. Acho que vou conseguir provar algumas hipóteses minhas que poderão dar um grande avanço nesta área…. Assim espero!

Como estão os animais de companhia em Portugal – bem ou mal? Melhor ou pior do que há 15 anos?

As mudanças nos últimos anos têm sido muitas mesmo! Em todas as áreas, desde profissionais, como académicos, como investigadores, como políticos, chegando esta mudança ao público em geral (onde se incluem as crianças!). A preocupação com o Comportamento e Bem-estar Animal tem tido um crescente aumento, e exemplo disso são as várias mudanças que imperam desde a nível legislativo, como o aparecimento de um novo partido, pelos animais…. Acho que está tudo mesmo a mudar! Quero acreditar que as mudanças têm sido tantas que dentro de pouco tempo conseguiremos apanhar os mais avançados da Europa. O surgimento da PsiAnimal é também reflexo destas mudanças e que irá certamente contribuir para uma evolução mais rápida e sólida

Há pouco mais do que 2 meses, Assunção Cristas tomou posse como a nova ministra de Agricultura, Mar, Ambiente e Ordenamento. Quais consideras ser os assuntos mais urgentes para esta nova responsável máxima de bem-estar animal em Portugal?

Urgentes? Há algo nesta área que não seja urgente? Antes demais, aproveito para desejar à nova Ministra o maior sucesso. Quero acreditar que o bom senso irá imperar, mas tem uma casa imensa para arrumar. Esperemos que dê continuidade a alguns assuntos que foram deixados pelo anterior executivo e que se saiba rodear de quem possa ser uma boa influência para o avanço nacional. Os problemas são muitos, que vão desde áreas como a produção, passando pela área da experimentação animal, animais de companhia (onde se incluem os supostos “novos animais de companhia”), e animais selvagens em cativeiro (parques zoológicos e afins). Enfim, o que poderei dizer à Dr.ª Assunção Cristas, é que se necessitar de apoio consultivo da PsiAnimal, temos entre os nossos sócios vários profissionais que poderão ser a boa influência que anteriormente referi. Por isso, a PsiAnimal dispõe-se desde já a apoiar tanto o Ministério como qualquer outra entidade que de nós precise.

Os animais humanos

Em Julho, os doutorandos do programa GABBA da Universidade do Porto organizaram o seu simpósio anual sobre o tema What makes us human? Todas as apresentações estão agora disponíveis on-line.

Pessoalmente destaco a palestra de Sarah Blaffer Hrdy, cuja Hrdy hypothesis tem sido muito importante para a disciplina de etologia. Fascinante palestra sobre nós os primatas humanas e as nossas estrategias evolutivas.

Pronto para comer como um sueco?


Nunca vi um debate em torno da alimentação ser esgrimido com tamanha ferocidade como o que decorre na Suécia desde há um par de anos sobre a dieta LCHF. O acrónimo quer dizer Low Carbohydrate High Fat e diz respeito a uma dieta que se aproxima bastante da de Atkins, que provavelmente é mais conhecida no mundo lusófono. Ou seja, o minímo de hidratos de carbono – evitando sobretudo os de metabolismo rápido – e quantidades generosas de gordura e de proteína.

Comentar os aspectos nutricionais da dieta ultrapassa as minhas competências, mas penso que os seus efeitos positivos em diabéticos tipo II são bastante evidentes: mantém os niveis de glicemia no sangue mais estáveis do que uma dieta mais rica em hidratos de carbono. Além deste grupo populacional, muita gente afirma sentir-se em geral melhor, livrar-se de problemas gastrointestinais e perder peso com esta dieta. Um aspecto curioso que não consigo deixar de mencionar é a maneira evangelista com que muitos dos convertidos propagam a boa nova. No blogue do qual tirei o cabeçalho deste post podemos ver fotografias dos Swedish LCHF heroes, supostamente heróis numa cruzada contra as recomendações oficiais da Livsmedelsverket, a autoridade de segurança alimentar sueca. Um editorial de um dos principais jornais fala hoje sobre A Guerra da Gordura. Sinal de uma nação que não tem guerras maiores com que se preocupar, mas se calhar também da importância que a alimentação tem na nossa vida, tanto em termos mentais (e sociais) como físicos.

É difícil saber quantas pessoas aderiram à dieta, mas a sua expansão já se nota no sector de lacticínios. Com o consumo de lacticínios gordos a subir, a Suécia depara-se agora com uma falta de manteiga, prevista para durar até ao final do ano. A observação deixa-me ligeiramente perplexa. Quando comecei a minha formação como agrónoma há 20 anos, ainda se media a produção de uma vaca leiteira em quilos de gordura de manteiga, mas toda a gente dizia que era uma medida antiquada que não fazia sentido perante a preocupação light dos consumidores.

Surpreende-me menos a notícia recente, que muitos dos estudos com resultados em favor da dieta foram financiados pela indústria de carne estadounidense. Mas alerta para um aspecto discutível de uma dieta que tende a ser (embora isto possa ser evitado) baseada em produtos de origem animal, e cuja pegada ambiental é grande.

PS: O eventual choque cultural com o post anterior não é intencional – só após escrever me apercebi do aspecto paradoxal.

Tribo Mundari, Sudão


Fotografias de Goran Tomasevic, Reuters

Ver Slideshow.

Os mundari parecem resistir ao tempo. São uma tribo do sul do Sudão que continua a viver do gado e da agricultura. As terras que ocupam, a 75 kilómetros a norte de Juba, a capital do sul, são ideais para as suas manadas, base da sua economia e da sua estrutura social (…) Goran Tomasevic, fotógrafo ao serviço da Reuters, decidiu registar o dia-a-dia desta tribo do Nilo que vive em permanete disputa com os dinka, que dominam a fronteira norte do seu território.

Homem conduz o rebanho numa rua da capital da região autónoma do Sudão do Sul.

Juba, 26 de dezembro de 2010.


Homens e crianças partilham a terra com o gado, que usam como base da alimentação e moeda de troca, e que é, ao mesmo tempo, factor determinante do estatuto social de cada indivíduo ou família da tribo (…) Depois de uma guerra civil (1983-2005) que matou pelo menos dois milhões de pessoas, o Sudão precisa de optimismo. Como os mundari precisam de respeitar o tempo das colheitas de sogro das suas terras alagadas pelo Nilo nas estações das chuvas, como precisam de iniciar os rapazes que hão-de tomar conta do gado, quando crescerem.

Público, P2, 21 Janeiro 2011

A minha anémona tem mais personalidade do que a tua

Source: Sciencemag.com Credits: Martyn Gorman

Um estudo científico publicado o mês passado na PLoS ONE, vem defender que as anémonas, animais marinhos invertebrados de vida adulta sedentária, possuem personalidades diferentes. Os investigadores da Universidade de Plymouth, no Reino Unido, não têm dúvidas em afirmar que “ao invés de se restringir a determinados grupos, a personalidade pode ser uma característica geral dos animais e ser particularmente acentuada em espécies com sistemas nervosos simples.”

Embora o estudo evite fazer considerações sobre se esta descoberta deve influenciar a forma como tratamos as anémonas, não deixa de ser pertinente questionar sobre se a posse de personalidade é uma característica suficiente para se ser considerado como sujeito moral. Um ser com personalidade é um ser capaz de tomar opções baseadas em estímulos sensoriais. E em termos de bem-estar, as opções de um animal devem ser tidas em conta.

As anémonas pertencem ao Filo Cnidária, o mais simples dos filos do Reino Animalia que possuem verdadeiros tecidos e orgãos especializados. Em 2008, na minha tese de Mestrado em Bioética, defendi que a consideração moral deveria incluir os seres invertebrados e que, essa consideração teria início nos cnidários por serem os primeiros animais com tecidos muscular e nervoso. Considero ser esta a fronteira que separa aqueles que sentem (muito ou pouco) dos que não sentem (nem podem sentir) e a divisão mais ou menos arbitrária que filósofos têm proposto para a senciência ao longo dos anos tem aqui um determinismo biológico que, a meu ver, não pode ser ignorado. A presença de características individualizantes (ou personalizantes ?) em anémonas vem desta forma reforçar a minha opinião.

Porque é que o cão é gordo? Olhe para o proprietário!

A epidemia de obesidade alastrou seriamente para os nossos amigos de quatro patas. Estudos levados a cabo nos EUA, Austrália e em vários países europeus mostram os mesmos resultados: este é um sério e crescente problema para cães e gatos.

No início de 2010 passei alguns dias com um dos principais investigadores em obesidade animal, Dr Alex German da Escola Veterinária de Liverpool. Eramos ambos peritos convidados por parte de um projecto em que investigadores do Royal Veterinary College, de Londres, procuravam identificar problemas de bem-estar em animais de estimação. Eu tinha, portanto, uma óptima oportunidade para ouvir falar no problema e saber o que a comunidade veterinária tenta fazer sobre ele.

É díficil quantificar exactamente a extensão da obesidade em cães e gatos. Com os seus diferentes tamanhos e formas, não é possível encaixar os animais numa única fórmula de obesidade. No entanto, os investigadores têm concebido métodos para medir a gordura animal. Segundo Alex German, cerca de 40% dos cães no Reino Unido têm excesso de peso e cerca de um em cada dez está com sobrepeso num grau que representa uma séria ameaça à sua saúde.

É um problema para os animais. Felizmente ser gordo não parece influenciar a sua auto-estima. Mas influencía a sua saúde. Cães e gatos obesos são afectados por doenças do estilo de vida, tais como diabetes e doenças cardiovasculares com a consequência de que morrem muito mais cedo do que o esperado. E antes de chegar tão longe, a obesidade afecta a saúde e qualidade de vida. Alex German acredita que os cães com sobrepeso e obesos levam vidas menos activas do que os seus semelhantes delgados.

É, obviamente, também um problema para seus donos que os animais sejam inativos e venham, eventualmente, a adoecer e a morrer prematuramente. Neste contexto, pode-se perguntar por que é que as pessoas não se limitam a dar ao seu cão ou gato um pouco menos de comer. É compreensível que possamos lutar para controlar a nossa própria alimentação quando temos de resistir às muitas tentações calóricas que enfrentamos diariamente. Mas os cães e gatos não comem nada, a não ser o que lhes servimos!

O problema com esse argumento de senso comum é que ele ignora completamente o tipo de relacionamento que muitas pessoas têm com os seus animais. Enquanto no passado os animais eram mantidos para ser usados num qualquer propósito, a manutenção de cães e gatos tornou-se numa espécie de simbiose entre animal e dono. O termo de animal de companhia acresce ao termo animal de estimação o facto de cães e gatos funcionarem como membros da família.

Investigadores falam de “ligação” entre humanos e animais – isto é, laços estreitos entre o cão ou gato da família e o seu dono. Isto significa que há uma relação de interdependência entre seres humanos e animais. Mesmo se uma parte é legalmente proprietária e a outra propriedade, o relacionamento dá-se ao nível emocional, que é muito mais complexo do que isto. A relação entre proprietário e animal pode, de muitas maneiras, ser comparada à relação entre pai e filho.

Essa semelhança é de certa forma confirmada pela crescente pesquisa em obesidade veterinária. Da mesma forma que se sabe que a obesidade em crianças está muitas vezes relacionada com a obesidade dos pais, verifica-se também que há mais cães obesos entre pessoas obesas do que entre magras. E assim como está bem documentado que os pais de crianças com sobrepeso muitas vezes não reconhecem esse excesso de peso, estudos recentemente publicados mostram que os proprietários de cães e gatos obesos, muitas vezes não conseguem ver que os seus animais são muito gordos.

Assim como as refeições são um campo onde crianças e os pais combatem uma grande parte das lutas de poder familiar, a alimentação e a distribuição de doces é um eixo importante na interacção entre animal e dono. Este último usa frequentemente o animal para prestar cuidados e para receber o que é percepcionado como um sinal de afectuoso reconhecimento. Inconscientemente, o proprietário pode vir a treinar o animal para pedir comida e mostrar sinais de alegria quando é alimentado. Imediatamente há uma situação de duplo ganho em que o proprietário é reconfortado e o animal recebe algo de comer.

Estas percepções são importantes se se quiser tentar aliviar o problema da obesidade em cães e gatos. Na Faculdade de Medicina Veterinária de Liverpool abriu a primeira cliníca de obesidade para cães e gatos na Europa, liderada por Alex German. Pretende-se atacar o problema da obesidade pela raíz, nomadamente na interacção entre dono e animal.Veja www.pet-slimmers.com.

Quando dono e animal aparecem juntamente na clínica, o animal é submetido a um exame clínico completo, e faz-se uma medição precisa da quantidade de gordura existente no seu corpo recorrendo a um scanner especial. O dono pode, assim, quantificar o quão gordo o seu cão ou gato é. Esta quantificação é importante para impelir o proprietário a enfrentar o problema. Como mencionado acima, os proprietários de cães e gatos obesos, muitas vezes não percebem que os seus animais têm pretuberâncias nos lugares errados.

Na primeira consulta é feito um plano do que o animal pode comer e como deve ser exercitado. Mas este não é o fim do tratamento. O proprietário retorna periodicamente à clínica de obesidade para pesar o seu animal. Esta é a mesma estratégia usada em pessoas obesas que estão a perder peso. Mesmo com a maior força de vontade isso não é possível sozinho: é preciso alguém em que se apoiar.

Se o proprietário não voltasse à clínica para ser responsabilizado, ele iria sucumbir aos olhos suplicantes do cão e às persistentes tentativas do gato em saciar-se. Ao mesmo tempo, por causa da íntima ligação com o cão ou gato, o proprietário muitas vezes não é capaz de corrigir a alimentação do animal, sem ter de lidar com seus próprios hábitos alimentares – o que sabemos ser difícil.

Um cão ou gato obeso será normalmente sujeito a uma dieta especial. A venda de alimentos dietéticos é já um grande negócio para as empresas de alimentação e para veterinários. Neste contexto não é de surpreender que a clínica de emagrecimento em Liverpool, a “Royal Canin Weight Management Clinic”, seja patrocinada por uma das principais empresas de alimentação animal.

Pode-se pensar ser oportunismo ganhar dinheiro com a venda de dietas especiais para cães e gatos quando o problema poderia ser resolvido se as pessoas apenas dessem aos seus animais um pouco menos da alimentação regular. Mas isso seria, em certo sentido, negligenciar o ponto crucial: não é o cão ou gato, mas o proprietário quem está a fazer dieta. E ter que reduzir a quantidade de alimento que se dá ao muito amado cão ou gato é deveras difícil. Então é melhor servir uma dieta cara com teor calórico reduzido em porções de tamanho usual.

Você não quer diminuir o amor que nutre pelo seu melhor amigo.

Peter Sandoe