A moral, segundo a maioria

Ontem, pelas 18h, a Associação Académica da UTAD (minha alma mater) organizou uma reunião geral de alunos para levar novamente a votos a organização da Garraiada durante a Semana Académica, actividade que fez parte do cartaz deste evento durante cerca de vinte anos, até que foi pela primeira vez interrompida em 2009.

Cartaz a convocar os alunos para a RGA deste ano
para votar a realização das garraiadas

Essa primeira interrupção resultou da primeira RGA convocada ad hoc para debate desta questão, tendo nessa primeira edição a maioria dos alunos presentes decidido pela abolição das garraiadas.
Foi uma abolição que pouco durou, uma vez que em 2011, e novamente por decisão da maioria dos alunos presentes em RGA, a garraiada voltou às comemorações da Semana Académica, mas não sem polémica.

O debate acesso levou a AAUTAD a nova convocação de RGA este ano, que resultou na aprovação da realização deste evento na Queima 2012, por 120 votos contra 80. 

Mas o que é a garraida? Antes de mais, convém salientar que é diferente de uma tourada, uma vez que o animal não é toureado ou bandarilhado. Assemelha-se mais à pega pelos forcados que vemos nas arenas portuguesas. Um vitelo (ou uma vaca) é libertado na arena e cabe a um grupo de meia-dúzia de voluntários – muitas vezes embriagados – tentar conter o animal. Na UTAD, há ainda um grupo supostamente cómico – “Los Papa Vacas” – que faz “sketchs” nos quais o animal é “convidado” a integrar como personagem de destaque (mais ou menos na linha dos rodeo clowns). Apesar de menos violenta que a tourada, na garraiada o tipicamente dócil animal é espicaçado, cercado, empurrado e puxado pela cauda e cabeça, podendo sofrer luxações, fracturas e até morrer na arena (como chegou a acontecer há poucos anos na UTAD) como consequência de trauma infligido. Não é também de menosprezar o stress a que é submetido.

Garraiada na UTAD

Ainda que seja de louvar a atitude da AAUTAD de manter uma posição neutra e sondar os alunos, não é menos verdade que os 200 alunos presentes na última RGA (e foi a mais participada) não sejam representativos de uma universidade com 6.000 alunos, os quais vão em massa para  actividades da semana académica como a serenata ou os concertos à noite, mas que não costumam ser tão adeptos de assistir à garraiada, tipicamente organizada por e para alunos das ciências agrárias (Medicina Veterinária, Zootecnia, Agronomia).

Ao contrário da AAUTAD, não sou isento nesta matéria e, ainda que não possa votar, não deixei de dar a minha opinião das redes sociais, onde este foi o tema em destaque entre alunos da universidade, por estes dias.

Do ponto de vista custo/benefício, e ainda que o custo para o jovem animal (se não houver acidentes, algo impossível de garantir) possa não ser tão grande como o presenciado nas touradas, o inexistente benefício proveniente das garraiadas desde logo leva a que as considere condenáveis. Também julgo ser uma actividade que veicule valores de desrespeito pelos animais, não contribuindo assim para a formação ética e cívica dos jovens alunos da universidade.

A ética contratualista assenta no pressuposto que a moralidade se baseia no consenso. Não creio ser este o caso, já que quando se leva uma questão moral a votação, não ganha o consenso nem o compromisso, mas sim a maioria. Ainda que o processo democrático seja de valorizar, será legítimo deixarmos a “maioria” (neste caso concreto, nem sabemos ao certo o que a maioria dos alunos pensa) decidir o que é ou não moralmente aceitável, principalmente quando a opinião não resulta de reflexão ética isenta, informada e precedida de debate aberto a todos os pontos de vista?

Procura-se: Doutorandos em Bem-estar Animal

Quer trabalhar em concreto em Bem-estar Animal? Gosta de estudar e de pensar?

Ao desenvolver um doutoramento nesta área terá a oportunidade de fazer descobertas que poderão ajudar a mudar a maneira como os animais são vistos e tratados.

Franco et al (2012). Available here.

O nosso grupo de investigação no IBMC – Instituto de Biologia Molecular e Celular procura alunos com motivação e preparação curricular* para desenvolver projetos de doutoramento na área de comportamento e bem-estar de animais de laboratório. Quem se juntar à nossa equipa ficará a trabalhar num ambiente académico internacional, com a possibilidade de vir a passar temporadas nas instalações de um dos nossos colaboradores internacionais, tais como:

Huber et al (2011). Available here.

Para mais informação sobre o grupo e os nossos trabalhos em curso, visite a nossa página institucional. Para exemplos recentes de trabalhos publicados, clicar sobre a respectiva imagem.

Alunos interessados devem contactar Anna Olsson por e-mail (olsson@ibmc.up.pt), enviando o CV e uma carta de motivação.

* Mestres e Licenciados com formação igual ou superior a 240 créditos, com média final igual ou superior a 14 valores.

É o bem-estar da galinha poedeira compatível com a avicultura industrial ?

A notícia de que a União Europeia iria multar Portugal e outros países europeus por não aplicarem a legislação europeia sobre a abolição das gaiolas convencionais para galinhas poedeiras foi amplamente noticiada no nosso país e tema de análise por parte de vários comentadores políticos, indignados por tão aviltante medida. Quem assistiu ao habitual espaço do Prof. Marcelo Rebelo de Sousa (MRS) na TVI, no passado dia 29 de Janeiro, não terá deixado de reparar que os seus comentários finais foram dedicados a este tema. Vale a pena reproduzir aqui essas palavras na totalidade:

A Europa, que demora tanto tempo a resolver as vidas das pessoas, e que está neste momento a cortar direitos às pessoas, está preocupadíssima com o direito das galinhas. E as gaiolas têm que ter espaço para respirar, têm que ter novas condições, o que implica, entre outras coisas, um investimento tal numa boa indústria exportadora, como é a nossa de ovo, que pode ser fatal para essa indústria. Em homenagem aos direitos da galinha.” E continua: “e portanto, aos responsáveis europeus eu peço o seguinte: que olhem um bocadinho mais para os direitos humanos e depois, se possível, para os direitos das galinhas e não mais para os direitos das galinhas e menos para os direitos dos seres humanos.

Não fosse a projecção das palavras ditas por esta figura pública, e eu não usaria o meu tempo a desconstrui-las. Mas o tom levemente sobranceiro como o tema foi apresentado, assim como os erros argumentativos que ele encerra, não devem ficar sem resposta.

MRS começou por confessar que só recentemente tomou conhecimento do assunto. O que MRS não parece saber é que este processo tem mais do que algumas semanas. Ele tem, aliás, mais de 12 anos e remonta à Directiva 1999/74/CE, de 19 de Julho, que estabelece as normas mínimas relativas à protecção das galinhas poedeiras. Esta directiva já previa (no artigo 5, ponto 2) a futura abolição das baterias convencionais, concedendo um período de transição superior a 12 anos para o efeito. Mais tarde, em 2008, a Comissão Europeia publicou uma comunicação sobre os diversos sistemas de criação de galinhas poedeiras, confirmando a anterior decisão. O que quer dizer que a indústria do ovo teve, pelo menos, nove anos para se preparar face ao anúncio de novas normas e outros três para poder aplicá-las. Que nestes 12 anos nada tenha sido feito por alguns, dificilmente poderá ser imputado aos tecnocratas de Bruxelas, que vêm agora, usando de um zelo ao qual não parecemos estar (ainda) habituados, multar Portugal pela inércia da indústria nacional (não toda, atente-se) em adoptar as famigeradas medidas. O que me faz ver outro erro conceptual no raciocínio de MRS: se a indústria nacional a que se refere é de facto tão boa, porque é que não efectuou as medidas há muito anunciadas?

Que o limite para a implementação desta medida surja num período conturbado da economia nacional e europeia não é decerto culpa das galinhas. O argumento de que o investimento é enorme e pode significar a ruína da indústria do ovo é igualmente frágil já que o que está aqui em causa não é mudar o paradigma da produção industrial de ovos. A resolução que entrou em vigor a 1 de Janeiro de 2012 não visa abolir o sistema de produção de ovos em gaiolas e substituí-lo por métodos free-range. Pretende apenas eliminar as gaiolas convencionais, mais pequenas e desprovidas de enriquecimento ambiental, por gaiolas melhoradas com pelo menos 750 cm² de superfície da gaiola para cada galinha (menos do que a área desta revista), um ninho, uma cama e poleiros, que permitam às galinhas satisfazer as suas necessidades biológicas e comportamentais.

Segundo uma Proposta de Resolução Comum do Parlamento Europeu (14 de Dezembro de 2010) e assinada, entre outros, pelo eurodeputado e ex-Ministro da Agricultura português Capoulas Santos, estima-se que os custos de produção de ovos em gaiolas melhoradas sejam 8 a 13% superiores aos custos em gaiolas convencionais. Capoulas Santos, um defensor da conciliação do bem-estar animal com a competitividade das empresas, defende ainda que “não podemos permitir que as empresas que investiram e fizeram grandes esforços para estar em condições de cumprir esta Directiva na data de 1 de Janeiro de 2012 possam ser penalizadas ou sejam alvo de concorrência desleal”. Daqui se depreende que MRS está do lado dos que nada fizeram e que, à revelia da lei, vendem ovos a um preço mais competitivo do que aqueles que investiram num sector vital para o tecido agro-pecuário português.

Gostava ainda de abordar a referência um pouco exagerada aos direitos das galinhas. Quando aplicado a animais, o termo direitos é ambíguo e requer cuidado na sua utilização, mesmo por um Professor Catedrático da FDUL. E embora vise directamente a galinha, esta legislação baseia-se em bem mais do que direitos animais. Esta lei visa, por um lado, proteger o bem-estar da galinha sem colocar em risco a segurança alimentar e, por outro, ir ao encontro das exigências do consumidor europeu nesta matéria que, segundo o Eurobarómetro, considera o bem-estar das aves de capoeira como uma área de acção prioritária. O que quer dizer que esta lei tem tanto de defesa de direitos humanos como de direitos animais. Se estivéssemos a falar de direitos da galinha tout court, nem sequer existiriam galinhas poedeiras.

Mas se este é um sinal da ignorância de MRS sobre toda esta matéria, já o argumento final parece fazer supor que existe uma relação causa-efeito entre cortar direitos às pessoas e conceder “direitos” às galinhas e, quiçá, aos animais em geral. Nada mais falso; um animal que se sente bem é um animal que produz melhor e tanto seres humanos como animais têm a ganhar com a introdução de medidas de bem-estar guiadas pela ciência. Hoje foi a galinha poedeira e espero que um dia mais tarde seja a vez da vaca leiteira. A bem da clareza, aqui deixo a minha contribuição para a discussão deste tema. Em homenagem à galinha poedeira.

Este texto foi publicado originalmente como:

M. Magalhães-Sant’Ana (2012) “O bem-estar da galinha poedeira não representa a ruína da indústria do ovo – uma resposta a Marcelo Rebelo de Sousa”. Veterinária Atual – Revista Profissional de Medicina Veterinária, 48: 42.

Num ponto sem retorno?

Por Claudia Valente, Inês Bergmann e Inês Orfão, alunas do Pós-graduação em Comportamento e Bem-Estar Animal, ISPA.

Segundo Darwin, ao longo dos anos a selecção natural encarregou-se de escolher os reprodutores mais adaptados ao habitat, preservando algumas características em detrimento de outras. Contudo, o ser humano começou por intervir neste processo, escolhendo as características que lhe eram mais convenientes. Isto pode ter começado com uma escolha inconsciente, que se foi tornando numa selecção activa: “Que características queremos apurar para que este animal produza mais/seja mais manso/seja mais bonito?”.

Talvez uma das áreas onde os animais tenham sido mais manipulados ao nível de selecção artificial, é a de produção animal. Não teríamos o nível de produção, nem a quantidade de raças que temos hoje em dia, se os animais tivessem simplesmente continuado a reproduzir-se sem intervenção humana, como discutem Temple Grandin e Mark Deesing. Para além da óbvia perda das características naturais, provocou o sobre-desenvolvimento de determinadas características em detrimento da saúde e bem-estar de muitos animais. Um desses exemplos é o da raça de bovinos de carne, Belgian Blue que possui uma mutação no gene que controla o crescimento muscular, causando uma hipertrofia muscular, ou seja um crescimento muscular maior do que o normal. Acoplado a este crescimento muscular exagerado vem a incapacidade das fêmeas parirem naturalmente e frequentemente ainda a inaptidão dos vitelos mamarem por sofrerem de macroglossia (sobrecrescimento da língua).


Outro caso semelhante é o dos frangos de carne, broilers. Nestes animais, a selecção artificial para conseguir animais que crescem rapidamente fez com que o crescimento do esqueleto não consiga acompanhar o aumento de peso, e como consequência os animais sofrem de dolorosos problemas de locomoção.
No caso dos animais de companhia, o cão é uma das espécies (ou subespécies) que apresentam maior variabilidade, quer seja morfológica, fisiológica ou comportamental. Quando satisfazemos a vontade de ter um cão de raça, sabemos realmente as consequências da nossa escolha?




Dois exemplos do documentário Pedigree Dogs Exposed que originou uma polémica enorme após a primeira transmissão no BBC em 2008:

  • O O Cavalier King Charles Spaniel, muitas vezes escolhido por ser um dócil animal de estimação, traz com ele uma reduzida capacidade craniana, levando ao desenvolvimento de siringomiélia, que é caracterizada por um dor aguda
  • O Leão da Rodésia tipicamente caracterizado pela crista que apresenta dorsalmente, sendo a ausência da mesma um factor que coloca em causa a “pureza da raça”. Apesar de a crista representar uma malformação, o código de ética do Rhodesian Ridgeback Club of Great Britain aconselha a que se eutanasiem as crias que nasçam sem a mesma.
Ao nível dos animais selvagens, a escolha de animais para reprodução em programas de conservação é feita sobretudo com o objectivo de manter a variabilidade genética (evitar consanguinidade) de uma população, da qual podem sair animais para reintrodução nos habitats de origem.


Recentemente, a revista National Geographic (edição de Outubro de 2011) chamou a atenção a um exemplo de selecção artifícial dirigida em animais selvagens com um objectivo diferente: como de ferramenta para estudos científicos. O artigo sobre The Fox Farm Experiment refere estudos em que animais – em alguns casos selvagens – perdem o seu comportamento natural com o objectivo de “servirem” para esclarecer processos de evolução, como a domesticação e as origens dos nossos comportamentos sociais. Este artigo destaca um estudo que se iniciou há mais de 50 anos onde têm sido seleccionadas raposas de carácter “dócil”.


Sendo o Homem parte integrante da Natureza é natural que também a influencie. Porém, a nossa visão antropocêntrica do mundo por vezes ultrapassa a linha do éticamente aceitável. Fica a questão: Qual é o limite?

Qual o lugar dos animais de companhia numa sociedade empobrecida?

Por Leonor Valente, Ana Margarida dos Santos e Bruno Lopes, alunos do Pós-graduação em Comportamento e Bem-Estar Animal, ISPA.

Com a crise económica instalada na realidade nacional, o nosso relacionamento com os animais de companhia confronta-nós com questões diferentes daqueles de outrora, em que se faziam menos contas à vida.

O principal aspecto que as pessoas definem quando interrogadas sobre o seu motivo para adquirir um animal de companhia é social, ou por outras palavras, companhia. O número de animais de estimação que co-habitam com humanos depende de diversos factores, tais como: nível de urbanização, tradições históricas ou estado económico de um país. Desta forma, um animal de companhia será visto de diferentes prismas consoante diferentes culturas e o que num país é aceitável pode não o ser noutro. No entanto, qualquer que seja a abordagem, um animal de companhia implica sempre um investimento financeiro por mais pequeno que este seja. No limite, a alimentação será o custo mínimo a ter para manter um animal.

Em Portugal, é comum cuidar (melhor ou pior) dos animais de companhia providenciando, pelo menos, os cuidados básicos de saúde. Apesar de tudo, o cidadão de hoje depara-se com uma realidade em que os meios económicos são cada vez mais escassos.

Os médicos veterinários queixam-se das dívidas dos clientes e da falta de dinheiro para prosseguir com os tratamentos. Cada vez é mais frequente recorrer a este tipo de serviço apenas quando o animal já se encontra num estado de saúde pouco recomendável. Assiste-se, portanto, a uma sociedade obrigada a alterar a sua lista de prioridades devido às limitações económicas, a uma sociedade na qual a relação humano-animal sofre alterações e, consequentemente,o bem-estar dos animais de companhia é afectadocom riscos de negligência dos cuidados básicos de saúde. Há já relatos, por parte de quem vive a realidade clínica, de perguntas do tipo “o Dr. quer que o abandone ou que o mate?”.
Poderá ser esta a explicação para o aumento das taxas de abandono a que temos assistido nos últimos tempos. No limite, quando tudo se perde e a sobrevivência se torna a palavra de ordem, os animais de companhia podem mesmo passar a ser encarados como fonte de alimento, tal como aconteceu na Argentina num passado relativamente recente. A análise do impacto da crise económica na forma como uma sociedade encara o papel do animal de companhia é complexa. É difícil entender se a falta de princípios éticos e morais, expressa por exemplo sob a forma de abandono, se manifesta perante condições económicas adversas ou se realmente os mesmos não existiriam em primeiro lugar. No final fica a pergunta: mesmo com princípios éticos e morais bem enraizados, de que estamos dispostos a abdicar antes de nós vermos obrigados de prescindir de um animal de companhia?

Os animais não são palhaços

De Ana Isabel Campos, Ana Diamantina Barbosa e Liliana Silva, alunas do Pós-graduação em Comportamento e Bem-Estar Animal, ISPA.

No decurso da última actualização da legislação para animais de circo em Portugal, achamos pertinente lançar um olhar sobre este assunto em prol do bem-estar dos animais de circo. Esta legislação limita a utilização dos animais de circo, uma vez que os detentores destes animais terão que os registar às autoridades competentes. Fica também proibida a aquisição denovos exemplares e a reprodução dos que já têm.

Como seria expectável, foi umaquestão que gerou muita polémica, não havendo consenso. Por um lado, os directores de circos com animais argumentam ” (…) temos circo com e sem animais e o primeiro tem sempre mais público” e, apelando ao público infantil, o circo “(…) mostra os animais a muitas crianças que nunca viram um elefante ou uma zebra” (Filomena Cardinali).Por outro lado, temos as associações de protecção animal a apoiar a legislação,apesar de defenderem que esta é “bastante moderada”, já que a lei “não tem uma implicação directa para os animais que já estão nos circos…”, até porque muitos deles ainda viverão muitos anos.

Campanha contra circos com animais
Serão os argumentos dados pelos detentores destes puramente económicos, tradicionalistas e a sua preocupação com o bem-estar dosanimais baseia-se apenas se afectar os lucros? Ou, como afirma Filomena Cardinali “Os nossos animais são muito bem tratados, fazem parte da família docirco”. Por muito boas que sejam as intenções dos detentores destes animais, consideramos que continua a ser uma violação das liberdades dos animais: nenhum animal teve o livre arbítrio para escolher estar num circo, são mantidos em condições necessárias de espaço mínimas e apesar de alguns circos usarem técnicas de reforço positivo para treinarem os animais, chega-nós mais frequentemente imagens de um chicote, espigão ou bastão nas mãos dos tratadores do que um saco com guloseimas.


Mesmo com as novas restrições, há espécies ainda permitidas pela legislação, nomeadamente animaisdomésticos. Não é lógico, argumenta Miguel Chen: “Porque sofre mais um tigre (…) que um cavalo?”. Tem razão? São comparáveis as condições necessárias para manter um cão ou para um leão? Há de se lembrar que os animais domésticos têm milhares de anos de contacto com o Homem enquanto os animais de circo, de especies selvagens mesmo criados e nascidos em cativeiro, não passam a ser domesticos. No entanto, a utilização de animais domésticos não é ausente de problemas: os problemas de espaços escassos de alojamento, viagens longas e frequentes e metodos de treino baseados aplicam-se também a estes animais. Não esquecendo o sofrimento dos animais, na base da criação desta legislação está também a segurança pública.Há indícios de abandono de animais selvagens na via pública e de ataques quer a tratadores,quer ao público.

Pessoalmente, concordamos com a implementação da nova legislação como primeiro passo para a protecção dos direitos destes animais. E já existem iníciativas mais radicais. Em certos municípios de Portugal, como em Sintra e Cascais, circos com animais são proibidos, e o mesmo já aconteceu ao nível nacional em por exemplo Inglaterraa e Bolívia. 

Como alternativa, queremos chamar a atenção aos circos sem animais que são um exemplo de valores positivos, em que a criatividade fala mais alto do que a dignidade perdidados animais, como é o caso do Cirque du Soleil. Embora a directora criativa deste circo não seja contra a exibição de animais em circos, esta encontra-se preocupada com o bem-estar destes animais tendo em conta que “Ao contrário do ser humano, um animal não toma a decisão de ser artista de circo porque não tem essa capacidade de escolha” e ainda afirma que “Se não puder haver animais no espectáculo, então o ser humano vai ter que desenvolver muito mais a sua criatividade. E isso é óptimo!”.


Bem-estar animal área de investigação em Portugal

Com uma mudança de governo vem sempre alguma reorganização nas entidades estatais, e como profissional aguardo com atenção as mudanças naqueles que tocam mais diretamente na minha atividade. Ontem a Fundação para a Ciência e a Tecnologia abriu o primeiro concurso deste ano a financiamento de projetos de investigação, e com isso tivemos acesso a nova organização de temas de investigação.

Pela primeira vez, na área científica Ciência Animal e Ciências Veterinárias consta a sub-área Produção e Bem-Estar Animal. Enquanto isso é um claro sinal positivo, ao olhar para a lista de sub-áreas interrogo-me onde ficam os classicos temas de medicina veterinária: caberá tudo sob Sanidade Animal e Epidemiologia?

Animal actors

Por Íris Pereira, Rita Mouraz e Vanda Marnoto, alunas do Pós-graduação em Comportamento e Bem-Estar Animal, ISPA.


Desde a infância que a publicidade nos cativa. Vem com cores vivas e sons apelativos e molda-nos o desejo. Pelo menos foi com esse objectivo que foi criada. À medida que vamos crescendo vamo-nos tornando resistentes a essa arte que realça as qualidades de um produto, de um serviço, ou até mesmo de uma causa política ou social.

Mas há um ponto sensível em todos nós. A nossa empatia generalizada com os animais gera uma abordagem emocional bastante eficaz. Captam mais a atenção do visualizador do que qualquer figura pública. Como tal, é usual vermos animais de várias espécies serem usados em anúncios publicitários. Por vezes por razões óbvias, como a tentativa de persuasão na compra de produtos para animais, outras vezes sem qualquer ligação directa ao objecto de promoção.


Surpreendentemente, ou não, é possível encontrar publicidade direcionada para os animais de companhia, que estimula os sentidos como a audição, em campanhas de publicidade televisiva, e o olfato, como complemento em campanhas de rua.
Mas o que está por trás deste processo de chamariz sentimental? Será esta utilização de animais o meio mais eficiente e, como tal, justificável? Serão estes “actores” tratados com respeito e mantidos em condições mínimas de Bem-estar, on e off set? Há, no nosso país, quem se dedique ao treino de várias espécies para publicidade, tendo uma vasta experiência nesta área. 
No entanto, para os autores deste post, o usufruto de animais para entretenimento compromete a nossa visão pessoal de Ética Animal, pelo que não concordamos com esta prática. Aliás, com base em exemplos existentes, sabe-se que não é essencial a presença de um animal vivo e real para uma publicidade ter êxito, especialmente em produtos sem qualquer ligação aos mesmos, sendo o papel dos criativos mais significativo para o sucesso da ação. Vejam o seguinte clip como exemplo disto.
Por outro lado, se de facto os animais são utilizados em publicidade, as espécies menos lesadas serão as domésticas (pecuárias incluidas), em oposto às espécies exóticas que não têm condições habitacionais adequadas, argumento que apresentamos com base em experiência própria. Contudo, deve ter-se atenção às ações promocionais, onde até os animais domésticos normalmente se encontram em espaços confinados durante um período de tempo, expostos directamente ao público-alvo. Em Portugal, a legislação já demonstra preocupação com o Bem-estar animal, mas ainda tem espaço para especificar mais as normas, aprofundando os artigos legais que incluem a publicidade, não esquecendo as especificidades relativas às espécies exóticas e selvagens.
E se invertêssemos os papéis? Se colocarmos a publicidade ao serviço dos direitos dos animais, o que muda? Como fazê-lo da melhor forma? A dura realidade é uma arma? Será condenável utilizá-los em contextos desadequados mas compreensível na promoção dos seus direitos? 
A publicidade é um meio eficaz para divulgar os direitos dos animais, denunciar casos de violência, promover campanhas de adopção e de esterilização, alertar para determinadas doenças, como ainda fomentar a preocupação para a preservação de espécies em perigo de extinção e dos seus habitats. 
Consideramos aceitável a utilização de imagens de animais em ambientes naturais, recorrendo de forma sensata à manipulação destas. É extremamente importante ter sempre em consideração que os fins não justificam os meios e transparecer, para a generalidade da população, que os animais não são meros objectos e que o Bem-estar é um direito fundamental. 
Em conclusão, o que é razoável? Até onde podemos “eriçar o pêlo”?

Animalogar em Brasília

No sítio do Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV) pode-se ouvir um resumo de uma palestra que fiz em setembro de 2011, no contexto do simpósio Animais na Ciência organizado pelo CFMV em conjunto com o IX Congresso Brasileiro de Bioética.

É um grande privilégio receber um convite profissional para ir a uma cidade que é um fenómeno em si, mas que provavelmente poucas pessoas (fora dos aficionados pela arquitectura e os brasileiros em missão pessoal de cultura geral) escolhem visitar como turistas.

Outro enorme privilégio é a possibilidade de comunicar além fronteiras e de ficar a conhecer um pouco como no Brasil se organiza profissionalmente e quais são as preocupações num contexto animal muito diferente. O próprio CFMV é aqui uma entidade interessante, um pouco diferente do que conheço do Portugal. Penso que o que mais se aproxima são as Ordens profissionais em Portugal, mas com a diferença que no Brasil são muito mais as profissões que têm um Conselho Federal.

Concretamente, o CFMV organiza não só os médicos veterinários mas também os zootécnicos. Com a grande proximidade e complementaridade que estas duas profissões devem ter, junta-las na mesma entidade profissional parece-me uma decisão muito sensata. Em conjunto formam uma entidade com algum peso e com recursos financeiros para desenvolver actividades relevantes, alguns ao nível central mas muitos (como tem que ser num país da dimensão do Brasil) regionais.

Do sítio do CFMV que é bem organizado e contém muita informação, destaco a Comissão de Ética, Bioética e Bem-Estar Animal e a Revista CFMV que pode ser descarregada em formato pdf tanto da edição mais recente como edições anteriores.

Nota: A autora não tem português como língua materna e baralha ortografias novas e antigas aleatoriamente apesar de, em principio, concordar com o Acordo Ortográfico em vigor. 

Foie-Gras – adaptação ou violação ?

A revista The Economist da semana passada trazia uma crónica sobre “um dos mais controversos pratos do planeta”, o foie-gras, dando conta de um recente estudo científico que pode ter implicações na forma como olhamos para esta iguaria. Para quem não é forte no francês, ou apenas para aqueles que nunca se deram ao trabalho de traduzir a palavra, foie-gras significa figado gordo e não é sinónimo de pâté.

Para produzir foie-gras, é necessário forçar a alimentação de patos e gansos, de forma a provocar uma alteração hepática caracterizada por acumulação de matéria gorda com aumento de tamanho (hepatomegália – ver figura), e que pode levar à diminuição de função (insuficiência hepática) e mesmo à falência total.

Três quartos do foie-gras a nível mundial são produzidos em França. Aliás, os franceses têm uma palavra para descrever o processo de alimentação forçada, gavage, que eu penso não ter correspondência directa noutras línguas.

O artigo científico, da autoria de investigadores da Universidade de Toulouse, vem dizer que o foie gras só é bom se for proveniente de figados “saudáveis”, isto é, plenamente funcionais. Embora o artigo vise apenas as características organolépticas do produto final, podemos tecer considerações mais abrangentes sobre o bem-estar animal. A primeira implicação desta conclusão é a possibilidade de obter foie-gras de animais clinicamente saudáveis, o que me parece fazer sentido, já que o figado gordo é uma característica adaptativa de aves de espécies migratórias de forma a suportarem longas jornadas de jejum. A segunda, que deriva da primeira, é que esta conclusão abre uma janela de oportunidade para se estabelecerem guidelines que caracterizem o que é um figado gordo saudável, com óbvios benefícios para os animais.

Lembro-me do Professor Ian Duncan, um dos pioneiros da ciência do bem-estar animal, me ter dito uma vez que tinha sentimentos ambíguos em relação ao foie-gras, já que, da sua experiência, não via qualquer sinal de stress nos animais ao serem alimentados dessa forma e que os próprios procuravam o alimentador, ao invés de fugirem dele. Mas isso não impede que a indústria do foie-gras seja alvo de grande contestação por movimentos activistas como a Stop Gavage, a Stop Force Feeding e a No Foie Gras.

Caros animalogantes, termino com a pergunta deixada no artigo do The Economist: “Ambos os lados do debate estão certos. A produção de foie-gras pode ser uma forma de abuso, mas não é necessariamente assim, pois um aumento do fígado pode ainda ser saudável. A questão é, onde estabelecer a fronteira (do aceitável)?”

ACTUALIZAÇÃO: O Jornal Público informa que na Califórnia entrou em vigor uma lei que proíbe a produção e venda de foie gras (01-07-2012).