Zebradas

Na visão moderna de biologia não há lugar para instintos – qualquer comportamento é visto como o resultado de factores geneticos e ambientais em combinação com a experiência própria de um indivíduo. 

Uma belissima ilustração disto é a foto abaixo que mostra o primeiro contacto que uma égua primípara tem com a sua cria rescem-nascida. Para esta situação em que não há experiência e em que há pouco espaço para tentativas e erros, sob a influência hormonal a égua responde ao novo ser e estabelece o contacto necessário com ele. Pouco tempo depois a poldra levantara-se para mamar e passado uma hora estará pronta para acompanhar a mãe.

A egua Henja Kry com a sua rescem-nascida primogenita Grånosa Kry. Foto Helena Kättström.
Em todas as raças de cavalo os poldros têm esta capacidade precoce de se movimentar com destreza e rapidez de um adulto. Faz parte do pacote de sobrevivência destes animais – é a sua natureza. Mas são poucos os cavalos em que podemos ver traços físicos tão fortes da sua origem como nestes da raça cavalo-de-fjord-norueguês.
Foto: Helena Kättström
As zebradas (as riscas por cima do joelho dianteiro), a lista de mulo (a risca escura na crina, dorso e cauda) e a cor parda são caracteristicas partilhadas com os cavalos portuguêses de raça sorraia e os przewalski. Quanto aos zebras propriamente ditos, pertencem à mesma família, os equídeos, mas constituem um ramo diferente.

Quando caçar é um jogo de crianças

Muito se tem falado na sociedade e nos meios de comunicação sobre a violência nos videojogos como um factor que pode dessensibilizar ou mesmo incitar nos jogadores – e principalmente nos mais novos – para a violência no mundo real. Há inclusive variadíssimos estudos a este respeito. Mas que pensar no caso de actividades hoje tidas como perfeitamente lícitas e aceitáveis por uma grande parte da população, como é o caso da caça?
Um dos muitos jogos que permitem caçar veados virtuais
Encontrei numa grande loja de electrodomésticos e outros equipamentos electrónicos no Porto um jogo para consola que pretende mimetizar com elevado grau de fidelidade à realidade a caça de animais de grande porte, com réplica de arma de caça incluída. Uma rápida pesquisa no Google revelou que, só para uma das consolas mais populares, existem dezenas destes jogos, podendo os consumidores escolher entre uma grande variedade de armas e animais para caçar. Evidentemente, todas as outras plataformas têm também à disponibilidade dos gamers jogos do mesmo tipo.
 
Poder-se-á argumentar que a maior parte dos jogadores que matam zombies, terroristas, soldados, polícias ou outros quaisquer inimigos virtuais não tem a mínima intenção de reproduzir esse comportamento no mundo real. Ademais, pode-se mesmo advogar que estes jogos podem constituir uma substituição efectiva da caça, uma prática generalizada e com muitos adeptos e que tem efeitos negativos no bem-estar animal e na conservação das espécies. Afinal, abater animais virtuais não tem qualquer efeito directo na vida e no bem-estar de um só animal real. 
Mas há a possibilidade deste tipo de jogos contribuir para popularizar ainda mais a prática da caça, principalmente nos mais jovens. Não se pode também descartar que este jogos possam dessensibilizar os jogadores para o sofrimento dos animais caçados (que não se resume de maneira alguma ao momento do abate, como ilustra um conhecido estudo de P. Bateson e E. Bradshaw) e/ou que leve os jogadores a entenderem a prática da caça real como um jogo, em que a pontuação depende do número de animais abatidos.
“Snapshots” ilustrativas das imagens que surgem no ecrã  durante um jogo
Colocam-se assim, no plano ético, várias questões, as quais beneficiariam de estudos especialmente dirigidos a este novo segmento de videojogos e jogadores. Digno de registo é o facto de alguns controladores desenhados para serem usados nestes jogos mimetizarem na perfeição armas reais, algo que foi já proposto como amplificador do efeito negativo dos jogos violentos no comportamento violento.

Um exemplo de um comando que reproduz fielmente uma arma e caça  
Numa secção de um site dedicada a pais e educadores, pode-se ler que Hunting games for kids safely introduces your kids to the world of hunting. In fact, online hunting games and similar software may totally satisfy your kids’ need to become a hunter. Vá-se lá saber porquê, nunca imaginei que as crianças tivessem necessidades dessas…
Sem comentários…

Trabalhar com Bem-Estar Animal em Portugal: George Stilwell, FMV

George Stilwell, professor auxiliar Faculdade de Medicina Veterinäria


Olá George, tens um novo projecto de investigação em curso. Podes nós contar um pouco mais sobre
Animal Welfare Indicators?

O Animal Welfare Indicators (AWIN) é um grande projecto europeu que vem na sequência de um outro chamado Welfare Quality. O AWIN irá estudar os indicadores de bem-estar nas espécies que não foram abordadas pelo projecto anterior, ou seja, os ovinos, caprinos, equídeos (cavalos e burros) e ainda perus. Será ainda um dos principais objectivos do AWIN criar uma plataforma online de ensino e divulgação de temas de bem-estar animal.

O AWIN é coordenado pelo Scottish Agriculture College, e envolve 11 parceiros em 10 países (9 na Europa e Brasil).

Em Portugal a instituição envolvida é a Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade Técnica de Lisboa. Durante os próximos 4 anos irei orientar as actividades de dois estudantes de doutoramento, para além de uma estudante de doutoramento em parceria com a Universidade de Milão.

A área de estudo em Portugal será a de bem-estar de pequenos ruminantes e principalmente de cabras leiteiras em regime intensivo.

Que resultados esperam deste projecto?

Os estudos a serem conduzidos em Portugal irão dividir-se em duas áreas principais: a) criação de um modelo de certificação de bem-estar nas explorações de pequenos ruminantes através de indicadores validados; b) avaliar o impacto de certas doenças sobre o bem-estar, nomeadamente através da dor.

No primeiro grupo de estudos pretendemos identificar os sinais que permitirão a produtores, investigadores e avaliadores reconhecer, de forma rápida e prática, problemas de bem-estar a nível das explorações. A validade, repetibilidade e exequibilidade destes indicadores de bem-estar serão testadas em diversas explorações com sistemas de produção e raças diferentes. De seguida o modelo será testado a nível dos outros países europeus. Com este estudo será possível criar as ferramentas necessárias para distinguir as explorações onde o bem-estar animal está garantido, podendo assim comunicar ao consumidor que um determinado produto respeita as normas mais exigentes de respeito pelos animais.

O segundo grupo de trabalho estudará a dor em doenças e práticas de rotina como a peeira, laminite, mastites, artrites, descorna etc… Pretende-se com estes estudos perceber se a dor é uma vertente importante na patogenese das doenças e se a analgesia deverá ser considerada como parte essencial do tratamento facilitando a recuperação do animal.

Penso que é a primeira vez que uma universidade portuguesa participa num projecto europeu desta dimensão sobre bem-estar animal na pecuária. É importante haver esta participação de investigadores nacionais em projectos internacionais?

Também julgo que se trata da primeira colaboração desta dimensão na área do bem-estar animal. Com esta parceria Portugal deverá demonstrar à comunidade internacional duas coisas: que o estudo e a preocupação com o bem-estar animal não é um exclusivo dos países do norte da Europa, que geralmente lideram nestas áreas; e que existe em Portugal conhecimentos, experiência e vontade suficiente para investigar em temas complexos como o da área do bem-estar em explorações de pecuária.

Olhando a questão pelo outro lado, podemos dizer que estes projectos vêm mostrar aos produtores, empresas do sector da pecuária e políticos de Portugal, que esta é uma área com eles se devem preocupar e que podem contar com os cientistas das instituições nacionais para responder às suas questões e apresentar soluções que protejam o bem-estar animal sem inviabilizar actividade pecuária. Aquela ideia de que as regras de bem-estar são criadas para que os países do norte acabem com a produção dos países do sul, tem de ser combatida com urgência.

George, já trabalhas com bem-estar animal há muito tempo na Faculdade de Medicina Veterinária em Lisboa e também em colaborações internacionais de diferentes tipos. Como estão os animais em Portugal – bem ou mal? Melhor ou pior do que há 15 anos?

Vou falar essencialmente do bem-estar de animais de pecuária já que são aqueles com os quais trabalho diariamente. Não tenho a menor dúvida de que o bem-estar destes animais está melhor do que há 15 anos. Isto não quer dizer que esteja perfeito ou mesmo bom para todos eles. Muito ainda há a fazer!

Quando consideramos o bem-estar de animais de produção temos de perceber que nunca será possível garantir que os animais viverão sem ameaças ao seu bem-estar. Pensemos em ovelhas em pastagem – aparentemente uma situação óptima em termos de bem-estar – e nas importantes ameaças que surgem com o clima, intempéries, parasitas e doenças, que serão sempre mais graves do que em sistemas intensivos.

Dito isto, acho que podemos afirmar que avançámos muito em termos de bem-estar por via de regras impostas pela legislação (infelizmente quase sempre imposta pela UE e raramente por nossa iniciativa), mas também porque os próprios produtores perceberam que as performances dos animais são muito superiores quando o conforto e bem-estar dos seus animais estão garantidos. Outro factor importante e relativamente recente é a pressão dos consumidores que, pelas razões certas ou erradas, associaram a segurança e qualidade dos produtos a certos sistemas e práticas que são mais amigas dos animais. Também a evolução económica e financeira permitiu que o consumidor passasse a integrar outros requisitos nas suas exigências, sendo a ética uma das que mais influenciou a forma como passamos a lidar com os animais. Ou seja, a produção teve de alterar certas práticas ou arriscar-se a não conseguir escoar os seus produtos. Características do abate, do transporte, da alimentação, das instalações e do maneio são hoje em dia (também) baseadas nos seus efeitos sobre o bem-estar dos animais.

Bem-estar animal não é apenas ciência, tem também uma clara conotação política. Temos uma nova ministra de Agricultura, Mar, Ambiente e Ordenamento. Que assuntos consideras mais urgentes para esta nova responsável máxima pelo bem-estar animal em Portugal?

Como já referi o bem-estar animal não é apenas uma preocupação para os animais, produtores e certas pequenos grupos, mas é um assunto que desassossega cada vez mais a sociedade em geral e os consumidores em particular. Sendo assim é uma obrigação de qualquer governante dar resposta a estas inquietações. O maior desafio que se põe neste momento de crise (afectando consumidores e produtores) é não deixar subjugar as preocupações com o bem-estar animal pelas questões económicas. Esta será uma tentação para quem tiver uma visão muito limitada já que a médio prazo as perdas previsíveis em qualidade, quantidade e segurança dos produtos de origem animal conduzirão a menores consumos ou procura de alternativas. Será preferível ajudar as explorações a superar estes momentos difíceis exigindo em troca a manutenção (aumento) das acções em prole do bem-estar, ambiente e sustentabilidade da produção.

As maiores prioridades serão de aplicar as regras e recomendações de bem-estar que a UE propõe – e.g. eliminação das celas para porcas e introdução de gaiolas melhoradas para galinhas poedeiras. Igualmente importante será a formação de produtores, tratadores e transportadores de animais na área do comportamento e bem-estar animal. É óbvio que a simples transcrição das directivas sem a fiscalização subsequente é como chover no molhado. É aqui que o Ministério deve apostar nos próximos tempos.

Bem-estar animal no abate

Mas que raio de conceito é esse – criar e abater os animais em massa, pretender que se preocupa com o bem-estar deles e ainda ter a lata de declarar que até podemos ganhar mais dinheiro com isso. Tenho toda a compreensão pelo leitor que reage assim – foi consigo em mente que escrevi o post anterior, porque acho que é preciso ver o contexto em que se encontra a ciência de bem-estar animal para perceber o que se investiga.

Criação de porcos para abate é na Dinamarca uma actividade economica com peso considerável no produto nacional bruto. Enquanto o país tem pouco mais do que 5 milhões de habitantes, produz (e exporta) carne de porco suficiente para alimentar 15 milhões. Que há preocupação com a eficiencia neste sector não é de surprender. Mas o público dinamarquês preocupa-se também com o bem-estar animal.

Até que ponto consegue esta preocupação competir com a preocupação economica? Bem, esta pergunta não tem uma resposta, depende da situação.


Existem circunstâncias em que ambos ganham. As imagens deste post vem de um poster apresentado no UFAW International Symposium Making animal welfare improvements: Economic and other incentives and constraints. Apresenta numeros capazes de convencer mesmo quem se preocupa mais com centimos do que com porcos que um sistema de abate que causa menor stress aos animais não é um custo. 

A mudança que se introduziu foi de manter os mesmos grupos de animais desde a saida da exploração (quinta) até o abate. Os animais passam por todos os passos incluindo o atordoamento sempre junto com o mesmo grupo de individuos, nunca estão sozinhos e não são misturados com animais que não conhecem. A qualidade da carne melhora, a quantidade de carcaça que tem que ser removida por ter lesões diminui e (como é mais facil manobrar porcos que estão menos stressados) é preciso menos mão de obra para lidar com o mesmo número de animais.
Não sei qual foi o motivo de introduzir estas mudanças. Mas é um bom exemplo como é possível colaborar com o comportamento natural dos animais e fazer melhor para todos. 




O que é bem-estar animal?

Ao regressar de um congresso em que estive a ouvir os últimos resultados de investigação neste campo (e recolhendo material para o blog), ocorreu-me que nunca realmente esclarecemos esse tópico no animalogos. Na série de entrevistas que acabamos de iniciar perguntamos às pessoas sobre o estado de bem-estar animal em Portugal, e bem-estar animal e ética animal aparecem junto com os animais na sociedade como os tópicos predominantes abordados aqui – são claramente questões fundamentais para o blog.

A minha motivação para iniciar este blog foi o de estabelecer um lugar onde se poderia discutir questões que têm a ver com a forma como nós, seres humanos, convivem com os animais não-humanos, especialmente daqueles perante os quais temos uma responsabilidade direta por controlarmos a suas vidas. Era também importante que essa discussão fosse baseada em factos relevantes. Há espaço para opinião aqui, mas esta opinião deve resultar de conhecimento dos factos e a reflexão sobre suas consequências.

Em grande medida, é o mesmo raciocínio que está por trás do desenvolvimento da ciência do bem-estar animal. Costumamos traçar a sua história para trás quase 50 anos, à publicação em 1964 do livro Animal Machines, escrito pela jornalista britânica Ruth Harrison.

O livro é uma peça de jornalismo investigativo sobre aquela produção intensiva, que estava prestes a se tornar o tipo de pecuária predominante nos países industrializados da época. As palavras de abertura do livro reflete o que Ruth Harrison pensava desta forma de manter os animais.

“I am going to discuss a new type of farming, of production line methods applied to the rearing of animals, of animals living out their lives in darkness and immobility without a sight of the sun, of a generation of men who see in the animal they rear only its conversion factor in to human food”

Em resposta à preocupação publica que o livro causou, o governo britânico formou um comité científico para analisar a questão do bem-estar animal, a comissão de Brambell em 1965. Este foi a primeira abordagem sistemática usando conhecimento científico para compreender o bem-estar animal. Se houver um momento na história em que a ciência do bem-estar animal foi realmente estabelecida, é neste.

Desde então um número crescente de cientistas num número crescente de países utiliza métodos de pesquisa científica para entender como os animais estão em diferentes situações. Com formação diversificada e usando uma variedade de métodos, os cientistas partilham terreno comum para o seu trabalho, um terreno que consta nos seguintes pressupostos

  • Os animals têm um bem-estar que lhes importa, e o bem-estar desses animais é uma questão importante para a sociedade
  • Como seres humanos que utilizam outros animais somos obrigados a fazer um esforço para melhorar o bem-estar animal (mas não necessariamente obrigados a deixar de usar animais)
  • A investigação científica é necessária para melhorar a nossa compreensão de como medir e melhorar o bem-estar animal
Tradicionalmente a investigação científica baseava-se em fisiologia de stress, etologia e medicina veterinária. Agora olha-se cada vez mais para as ciências sociais e economia – o que vemos claramente na escolha do tema do congresso: Making animal welfare improvements: Economic and other incentives and constraints.

Trabalhar com Bem-Estar Animal em Portugal: Leonor Galhardo, ISPA


Na primeira entrevista desta serie, falamos com a etologa Leonor Galhardo sobre o curso que ela dirige e ainda sobre o cenário atual de bem-estar animal em Portugal.

Bom dia Leonor, estás a planear a Sessão de Encerramento da primeira edição da Pós-Graduação em Comportamento e Bem-Estar Animal no ISPA em Lisboa, não é?
Sim, será no dia 2 de Julho, no ISPA.
Podes contar um pouco mais sobre este curso?
Trata-se de um curso geral em Comportamento e Bem-Estar Animal que pretende dar formação em aspectos biológicos, sociais e éticos relacionados com o conceito de bem-estar animal, ao mesmo tempo que aborda aspectos particulares de áreas bem definidas como a pecuária, incluindo a aquacultura, os animais de companhia, os animais selvagens e o uso de animais para fins experimentais. O curso tem uma acentuada componente prática com várias visitas de estudo e trabalho efectuado pelos alunos. Destaco em particular o Projecto em Bem-Estar Animal que é uma unidade curricular onde os alunos realizam um projecto na sua área de interesse. Este projecto é desenvolvido ao longo de 10 meses sob a nossa orientação e constitui uma oportunidade para aprofundar conhecimentos ou resolver problemas decorrentes de actividades profissionais ligadas a animais. A segunda edição deste curso irá também incluir um módulo em didáctica do bem-estar animal e outro em interacções humanos-animais.

Quais são os alunos e as suas motivações par a procurar formação especializada nesta área?

Temos alunos de formação diferente, mas em particular médicos-veterinários. Na primeira edição do curso tivémos também biólogos, zootécnicos e enfermeiros veterinários. Pensamos que este curso pode também ser de grande interesse para professores, bem como para psicólogos interessados nas relações entre humanos e animais. As motivações dos nossos alunos são a necessidade de aprofundar conhecimentos científicos e técnicos em comportamento e bem-estar animal e poderem adquirir formalmente competências para trabalhar nesta área, dando formação ou de alguma forma esteja ou venha a trabalhar com animais na área da inspecção, maneio, aplicação de legislação, etc.

Haverá uma nova edição do curso no ano lectivo de 2011/12?
Sim, já temos várias pessoas interessadas no curso e portanto pensamos que existe grande probabilidade de o re-editar no próximo ano lectivo.
Que papel têm, na tua opinião, eventos de formação profissional para promover e melhorar o bem-estar animal em Porugal?

Tem um papel fundamental. Na minha opinião, em qualquer área em que os animais sejam utilizados por humanos, são as decisões que tomamos acerca da sua manutenção, a forma como os manuseamos, a competência com que os compreendemos e manipulamos o seu comportamento que ditam as principais directrizes daquilo que pode ou não constituir o bem-estar dos animais em causa. Por isso é imprescíndivel que haja formação profissional e conhecimentos nesta área em qualquer sector do uso de animais. Para além disso é já uma exigência das entidades competentes que as pessoas tenham formação teórica e prática para manipular animais por exemplo na pecuária e na e investigação.


Leonor, foste provavelmente a primeira portuguesa a concluir formação superior em bem-estar animal e trabalha com esta questão em Portugal há mais do que uma década. Como estão os animais em Portugal – bem ou mal? Melhor ou pior do que há 15 anos?

Embora eu ache que os animais em Portugal precisam da nossa intensa preocupação e cuidados, a sua situação melhorou em alguns aspectos quando comparando com há 15 anos atrás. Antes de dar exemplos de mudanças positivas e situações em que penso que não houve evolução nenhuma, gostaria de começar por referir que a protecção dos animais é uma atitude social de carácter civilizacional e como tal exige tempo; é lenta; atravessa gerações… Uma das áreas em que pouco ou nada mudou nos últimos 15 anos, apesar do carácter estruturante que tem para a protecção dos animais em Portugal, foi o conteúdo e a aplicabilidade da Lei de Protecção dos Animais (92/95). Precisamos de um formato legal que permita uma protecção real dos nossos animais – maus-tratos, negligências, abusos, e outras agressões que causam grande sofrimento praticamente não são ainda penalizadas em Portugal. Na área da pecuária, em função da evolução da legislação houve vários como progressos, embora muita fiscalização e formação técnica seja necessária para atingir níveis aceitáveis de bem-estar animal. Exemplos de requisitos que melhoraram na pecuária: alteração das baterias de galinhas poedeiras para sistemas melhorados; proibição das celas individuais para porcas reprodutoras e melhoramento dos sistemas intensivos para suínos; identificação, controlo e fiscalização do transporte dos animais para o matadouro; maior preocupação com o atordoamento no abate. Na investigação, há um lento progresso no sentido do registo e pedido de autorização para levar a cabo experiências feitas em animais. Actualmente, muitas centenas de investigadores fizeram cursos para se tornarem competentes no manuseamento e redução do sofrimento de animais em experiências. Há 15 anos atrás não havia qualquer espécie de controlo nesta matéria. Na área dos animais de companhia continua a não haver dados oficiais que nos permitam conhecer taxas de abandono e suas causas. Mas aparecem agora pessoas interessadas no assunto (no nosso curso, foi feito um trabalho neste sentido) e, de qualquer forma, o sistema de identificação obrigatório e a base de dados que foi criada permitem um controlo muito diferente do que existia há 15 anos, que era nulo. Não obstante, muito há para fazer para tornar os donos dos animais mais responsáveis e a base de dados de identificação mais operacional. Na área dos animais selvagens, também julgo ter havido uma evolução, com os parques zoológicos hoje muito mais preocupados do que antes com aspectos relacionados com o enriquecimento ambiental e com o passar para o público mensagens de conservação. Há 15 anos atrás os animais saíam destas instituições para circos, colecções privadas, etc. e hoje um grande número de parques nem por sombras o considera fazer, até porque se tornou proíbido. Acerca de todos estes exemplos quero reforçar a ideia de que há indicadores de claras melhorias embora ainda haja muito por fazer. Para concluir, gostaria de lembrar que há 15 anos atrás falar de bem-estar animal em certos círculos provocava risos ou atitudes de desmerecimento do assunto. Hoje, as pessoas estão em geral mais conscientes de que os animais são seres que sentem, capazes de pensar, raciocinar, fazer as suas escolhas, alimentar desejos, sofrer e ter prazer. Essa consciência humana muda tudo em relação à nossa atitude de base.

Bem-estar animal é uma questão com uma clara conotação política – na resposta anterior falaste de leis, fiscalização e controlo, todos assuntos que têm a ver com política. Assunção Cristas acabou de tomar posse como a nova ministra de Agricultura, Mar, Ambiente e Ordenamento. Que
assuntos consideras mais urgentes para esta nova responsável máxima pelo bem-estar animal em Portugal?

Os assuntos mais urgentes são sem dúvida a operacionalização de uma Lei de Protecção dos Animais, a formação técnica adequada de todas as partes envolvidas (pessoas que trabalham directamente com animais; gestores e inspectores de actividades envolvendo animais) e a operacionalização de bases de dados oficiais para melhorar os sistemas de controlo. Em relação à formação técnica, podemos ter a ideia de que um sistema extensivo de animais de produção é melhor do ponto de vista de bem-estar animal do que um sistema extensivo. Em larga medida, é verdade. Mas, na prática, qualquer dos dois pode ter enormes problemas dependendo da forma como o maneio dos animais é feito. E isso exige formação, conhecimentos adequados e especializados. Quanto às bases de dados oficiais, penso que é necessário operacionalizá-las melhor para que elas possam ser usadas de forma mais eficiente no controlo e na caracterização do perfil das várias áreas em causa. Precisamos com urgência de uma história, de indicadores de bem-estar animal, de uma forma consubstanciada de sabermos como estamos, de onde viemos, e para onde conduzimos os destinos do bem-estar animal em Portugal.

Bem-Estar Animal em Portugal – nova serie de entrevistas

Iniciaremos no Animalogos esta semana uma serie de entrevistas com personalidades portuguesas ligadas ao trabalho de bem-estar animal. A propósito da conclusão da primeira edição do curso de Pósgraduação em Comportamento e Bem-Estar Animal do ISPA – Instituto Superior de Psicologia Aplicada falaremos com a coordenadora do curso a etologa Leonor Galhardo, sobre o curso e ainda sobre o cenário atual de bem-estar animal em Portugal. 

The meat that we eat

(M)eat production depends upon a system of protein-components-in and far-less-protein-out. As well as protein that is not absorbed but is excreted, livestock animals need a substantial bone-structure, hoof, horn and all the body parts that we don’t eat. This is where a good deal of the nutritional contents of grains and soy ends up when it is fed to livestock. Some of this can be recycled in various ways but much of it is straightforwardly lost. Feeds also have to sustain animal movement and that involves energy loss of a more straightforwardly unrecovarable sort.

We may then wonder why humans ever farmed animals at all but the answer to this is simple. Some nutrients are difficult to access or to process (such as the acorns that pigs love to eat). But more fundamentally, we lacked any other way to access the nutrients in certain kinds of grasses. Cattle can eat what we find indigestible. (..)

Vaca e vitelos da raça Maronesa na serra; terreno inacessível para cultivo. Imagem de http://autoctones.ruralbit.com/

 The simple model of cattle eating grass and humans then eating cattle is an efficient solution to tap into the available natural resources. But once cattle are fed on grains and pulses instead of grass or difficult-to-access nutrients, that is on foods that humans can without any great difficulty eat (and enjoy and be creative with), meat production becomes grossly inefficient. (…) The only merit of meat produced in this way is that it continues to supply us with complete proteins and relieves us of the daily burden of having a more varied diet. Contemporary meat-eating may not be a dietary formula for gluttony but it is a formula for a certain kind of dietary laziness that has little in common with the meat-eating of our ancestors.