Estudar personalidade em peixes – entrevista a Catarina Martins

Manuel Sant’Ana: Olá Catarina Martins. O teu percurso académico tem sido bastante multidisciplinar incluindo temas sobre sustentabilidade em aquacultura, sistemas de recirculação e bem-estar em peixes. Uma parte importante da tua investigação diz respeito à personalidade nos peixes. Tu e a tua equipa do projecto Copewell publicaram recentemente um artigo científico na PLOS ONE em que oferecem evidências fortes de que as Douradas (Sparus aurata) exibem características temperamentais constantes ao longo do tempo e em diferentes contextos. De que forma é que as vossas conclusões podem ser importantes?
Catarina Martins: O estudo que publicamos é particularmente interessante por ter sido feito com a dourada que é uma espécie comercialmente importante no sul da Europa. Ao demonstrarmos que certas diferenças comportamentais são consistentes ao longo do tempo e também previsíveis com base noutros comportamentos podemos concluir que essas diferenças individuais não ocorrem por acaso. Pelo contrário fazem parte daquilo a que chamamos de “sindroma comportamental” ou seja um conjunto de comportamento que variam em conjunto. Isto poderá ter implicações relevantes em aquacultura já que a selecção de certos comportamentos pode conduzir à co-selecção de outros que fazem parte do mesmo sindroma. Torna-se também importante compreender que tipo de associação existe entre comportamentos e certas respostas fisiológicas ao stress. Por exemplo sabe-se que em certas espécies (também demonstramos isso na dourada num artigo recente no Applied Animal Behaviour Science) um peixe que demonstra níveis de cortisol mais baixos quando exposto a situações de stress é um peixe mais agressivo.
MS: O termo personalidade (que remete para o conceito de pessoa) é propenso a antropomorfismos. Curiosamente, há dois anos atrás foi publicado na mesma revista um estudo sobre a evidência de personalidade em anémonas, e do qual demos conta aqui no animalogos. Estaremos a falar da mesma coisa? Será esta característica transversal ao reino animal?

CM: Actualmente na literatura cientifica existem vários termos que são usados de forma indiscriminada como personalidade, sindroma comportamental, temperamento e estilos de adaptação (do inglês coping styles). A escolha de um termo específico tem essencialmente a ver com a área de investigação. Por exemplo em ecologia o termo “sindroma comportamental” é mais frequente enquanto em áreas mais aplicadas como em aquacultura é mais frequente usar-se o termo “coping styles”. Todos estes termos partilham de aspectos comuns: 1) todos reconhecem a importância da variação individual em comportamentos, 2) reconhecem que essa variação individual é consistente ao longo do tempo e 3) que alguns comportamentos podem ser usados para prever outros comportamentos medidos em contextos diferentes (exemplo: ha uma grande probabilidade de um peixe mais agressivo ser um peixe mais explorador em ambientes novos). Quanto ao termo personalidade em particular concordo que por definição está associado “a pessoas” pelo facto de incluir aspectos emocionais. Penso que nos últimos anos os investigadores se têm sentido mais confortáveis com o uso deste termo em peixes devido a vários trabalhos recentes que apontam na direcção de que os peixes também podem demonstrar emoções equivalentes ao medo e à dor. Se aceitarmos a componente emocional na definição de personalidade então penso que neste momento ainda não existem evidências de que a variação individual nas respostas a estímulos ambientais observadas nas anémonas se possa denominar “personalidade”.

MS: Na produção pecuária terrestre (vacas, galinhas, porcos) a ciência do bem-estar animal tem estado cada vez mais preocupada na promoção de experiências positivas e não apenas na minimização de experiências negativas. Em relação aos peixes de aquacultura, essa tendência também se verifica?

CM: O foco em aquacultura continua a ser o minimizar as experiências negativas. No entanto começamos a assistir a vários estudos no âmbito do enriquecimento ambiental que apontam na promoção de experiências positivas.

MS: Por fim, uma pergunta prática: na hora de escolher peixe (para consumo), que recomendações darias ao consumidor?

CM: Penso que é importante desmistificar a ideia de que o peixe de aquacultura é mau. A aquacultura é actualmente uma indústria muito regulamentada em que, na sua generalidade, a qualidade do peixe, quer em termos nutricionais quer em termos de segurança alimentar, é garantida. Considerando os benefícios para a saúde de consumir peixe aconselharia o consumidor a não se limitar a escolher apenas peixe provenientes da pesca.

Provedoria dos Animais em Lisboa

Foi com entusiasmo que soube da criação, no passado dia 18 de Junho, da Provedoria dos Animais da Câmara Municipal de Lisboa. Esta medida vem acompanhada da mudança de designação do Canil/Gatil de Lisboa para Casa dos Animais (com uma nova estrutura orgânica) e da criação do Grupo de Trabalho para a Casa dos Animais, que integra a recém-empossada provedora Marta Rebelo, o Director Municipal de Ambiente Urbano da autarquia, Ângelo Mesquita e a Bastonária da Ordem dos Médicos Veterinários, Laurentina Pedroso (que preside ao grupo).

Não penso que esta decisão do município de António Costa se trate de uma estravagância de uma tal esquerda progressista (embora isso caia bem ao seu eleitorado). O tema é sério e já aqui demos conta do interesse crescente na área jurídica do direito animal  (que não deve ser confundida com a área filosófica dos direitos dos animais), assim como de alguns dos seus conceitos fundamentais.
A provedora não apresentou ainda um plano de trabalho, estando a decorrer um período de consulta com as associações zoófilas a operar no terreno. Existe também um apelo para se formar o Grupo de Voluntários da Casa dos Animais de Lisboa, assim como para o Grupo de Juristas dos Animais de Lisboa. Quem estiver interessado pode contactar a provedora Drª Marta Rebelo pelo e-mail provedora.animaislisboa@gmail.com.
O meu entusiasmo é, ainda assim, limitado. Em primeiro lugar porque o papel da provedora parece cingir-se aos animais de companhia (vulgo cães e gatos); bem sei que o município de Lisboa é essencialmente urbano mas estou certo de que no maior município do país haverá mais do que cães e gatos para proteger ou gerir (recorde-se a polémica na Câmara Municipal do Porto sobre o controlo de animais errantes). Em segundo lugar, basta percorrer a página do Facebook da provedora para se perceber de que pouco valem as boas intenções na ausência de um enquadramento legal rigoroso. E por isso a provedora se vê muitas vezes limitada a um papel meramente consultivo. Por fim, um comentário pessoal. É bem visível que a Drª Marta Rebelo procura fazer o seu papel com brio e profissionalismo. Mas procurar responder pessoalmente por escrito a todas as solicitações de um município com quase 550 mil habitantes parece-me irrealista e quiçá ingénuo. Até porque muitas das perguntas feitas à provedora nada têm de ingénuo e parecem mais visar apontar-lhe o dedo do que procurar esclarecimentos genuínos (veja-se, p.e., a forma  defensiva – quase expiatória – como a provedora justifica a suas opções alimentares – 20 de Junho). São, por isso, imensos os desafios em termos de comunicação e transparência aqueles que a Provedora dos Animais enfrenta e que já lhe levaram a um desabafo após uma semana em funções (26 de Junho). Fora os demais desafios… Um bem haja!

Parabéns Nuno (e Peter) !

Nuno Franco (à esquerda) na companhia de John Webster (ao centro) e Peter Sandoe (à direita).

O ANIMALOGOS associa-se a outras manifestações de reconhecimento público e dá os parabéns ao Nuno Franco pelo prémio de Jovem Investigador da UFAW (Universities Federation for Animal Welfare), recebido no passado dia 4 de Julho em Barcelona. Uma descrição mais pormenorizada do trabalho desenvolvido pelo Nuno no bem-estar em animais de laboratório pode ser encontrada nos recortes feitos pela comunicação social mais especializada (ver aqui, aqui e aqui).

Do programa de doutoramento do Nuno – realizado sob a orientação da Anna Olsson no IBMC –  resultaram diversas publicações em revistas científicas de renome, tais como a PLOS Pathogens e a PLOS One. De destacar também a revisão histórica sobre o uso de animais em experiências biomédicas, que tem granjeado grandes elogios não só por parte da comunidade científica mas também de organizações internacionais de protecção animal (algo raro e que muito contribui para a elevação do diálogo sobre as questões éticas em experimentação animal).
O Professor Peter Sandoe, filósofo dinamarquês e também ele colaborador regular do Animalogos, foi agraciado com o prémio de carreira (UFAW Medal for Outstanding Contributions to Animal Welfare Science) que partilhou com o Professor John Webster, médico veterinário britânico tido como o pai do conceito das cinco liberdades.

 

Casa Andresen no Porto invadida por animais selvagens

Desde o passado sábado, dia 18 de maio, que perigosos predadores andam à solta na Casa Andresen (no Jardim Botânico do Porto), em mais uma original exposição organizada pela Universidade do Porto. Desde leopardos que caçam impalas a rinocerontes, a exposição “Animais de Museu” junta mais de 100 exemplares taxidermizados vindos de todos os continentes, colocados em poses naturais e equilíbrios impossíveis.
Numa Casa Andresen completamente às escuras, os visitantes são convidados a fazer parte da performance, usando lanternas de cabeça para explorar o espaço e descobrir os animais que se escondem no seu interior, deliciando-se com os pormenores realistas que esta técnica de preservação permite conservar. Com os animais parados no tempo e no espaço, os visitantes embrenham-se nesta experiência, sendo acompanhados pelos sons produzidos por Manuel Cruz, músico portuense conhecido pela sua ligação a bandas como Ornatos Violeta, Pluto ou Supernada.
Ao chegarem ao piso superior da Casa, os visitantes ficam a “salvo”, numa espécie de “sala de gestão de crise”, onde são disponibilizados mapas e todo material necessário para que os visitantes aprofundem os seus conhecimentos sobre os animais em exposição. A taxidermia, arte de montar ou reproduzir animais para exibição ou estudo, é também explicada nesta sala.
Esta “invasão” vai durar cerca de seis meses e será acompanhada por um programa que prevê várias intervenções culturais de cantores, bailarinos, atores ou ilustradores. A exposição estará patente todos os dias, podendo ser visitada das 10 às 22 horas. Os ingressos custam entre os 1.50€ (para crianças e idosos) e 2.50€ (bilhete normal).
A Casa Andresen é antiga casa de família de Sophia de Mello Breyner e Ruben A. Para sempre imortalizada na obra literária de ambos, a Casa foi renovada em 2011 e já recebeu exposições como a “Evolução de Darwin” ou “Reservas” de Armanda Passos.
Fonte original aqui.

CAROCAT – Novo site

O CAROCAT (Companion Animal Responsible Ownership – Cat) é a nova plataforma virtual  que pretende fornecer e difundir conhecimento fidedígno sobre gatos na Europa, com especial enfoque na gestão da sobre-população felina e nas suas consequências em termos de bem-estar animal.
À semelhança do CARODOG,  este website oferece ferramentas científicas, legais e logísticas capazes de promover estratégias políticas capazes e programas concretos de controlo e gestão das populações felinas a nível europeu.

Cães de apoio ao ensino propedêutico no ICBAS: um apelo do Inácio

Helpmyfriends from Inácio on Vimeo.
Um grupo de alunos e ex-alunos do ICBAS escreveu uma carta aberta ao Presidente do Conselho Directivo daquela instituição a alertar para as condições de alojamento e maneio dos cães de apoio ao ensino propedêutico em medicina veterinária.

O abaixo-assinado pode ser encontrado aqui.
Como antigo aluno de Medicina Veterinária e actual aluno de doutoramento em Ciências Veterinárias do ICBAS sinto uma enorme simpatia pelo Inácio e também por esta iniciativa. Quando fiz uma visita às instalações do novo ICBAS não deixei de ficar impressionado com a sua dimensão colossal, com as condições dos seus laboratórios e o planeamento do seu Hospital Veterinário. Mas uma coisa me deixou preocupado; o canil ocupava o último andar do edifício e não tive autorização para o visitar. Na altura questionei-me como era possível passear os cães e foi-me dito que uma área do terraço lhes estava destinada. Não deixa de ser sintomático que o vídeo que acompanha o abaixo-assinado também não exiba imagens dos animais (será que também não tiveram autorização para os filmar?) e ficamos a imaginar o que será olhar para os azulejos da parede durante todo o dia enquando ouvimos o ressoar de latidos vizinhos.
Os cães utilizados para ensino veterinário (não invasivo) não devem ser motivo de embaraço para a instituição nem armas de arremesso por parte de movimentos de libertação animal. Eles desempenham, a meu ver, um papel determinante na formação de médicos veterinários. Mas se me fosse permitida uma alteração ao abaixo-assinado, eu chamaria a atenção para a participação dos próprios alunos na melhoria das condições de vida destes animais. A responsabilidade pelo seu bem-estar não cai só na Direcção da escola nem nos dois funcionários do canil. Mas talvez isso já esteja a ser equacionado.

O consumo excessivo – Samsara


La surconsommation (o consumo excessivo), assim se chama o pungente vídeo que circula na internet. Trata-se de um excerto do documentário Samsara de 2011 (realizado por Ron Fricke), uma experiência visual  absolutamente assombrosa sobre as assimetrias do nosso maravilhoso, e ao mesmo tempo aterrador, planeta Terra. O filme percorre os cinco continentes e demorou quase cinco anos a ser filmado.

O excerto em causa parece passar-se na China e retrata o superlativo da massificação da pecuária industrial, fazendo depois a ligação para o consumismo e a obesidade. O realizador tem o cuidado de descrever (através da imagem já que o filme não tem comentários) aspectos de três das mais importantes formas de produção pecuária: a apanha mecânica de frangos de engorda (broilers), as celas de amamentação de porcas e a ordenha mecânica em bovinos leiteiros. Um quarto aspecto, o do trabalhador humano, também não é esquecido. O traveling lento da câmara de alta definição permite-nos deter sobre pequenos pormenores e qualquer um deles merecia um comentário demorado. As imagens muitas vezes aceleradas transmitem uma sensação de urgência que, aliada à escala quase sobre-humana dos espaços, nos impele a reflectir sobre os nossos hábitos de consumo e sobre as suas consequências. Mal posso esperar por ver o filme completo.