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Ouvir o Prof. Alexandre Quintanilha no Parlamento fez-me querer que houvesse mais deputados cientistas. |
Tag: grupos activistas
Uma semana em Bruxelas dedicada à experimentação animal e suas alternativas
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Reyk Horland e o Human-on-a-chip, uma fascinante e promissora tecnologia para testes toxicológicos sem animais, mas que ainda carece de validação científica e aprovação regulatória (Fonte) |
A organização procurou um debate equilibrado, convidando cientistas, políticos e representantes de associações de doentes para fazer uma análise crítica dos actuais modelos, da qualidade e transparência da ciência baseada nestes modelos, e do potencial e limitações quer dos métodos com animais quer dos métodos alternativos hoje disponíveis.
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Eu estou algures lá atrás… (Fonte) |
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Peter Sandøe, colaboador ocasional do Animalogos: “How is current EU regulation perceived by bench scientists?“ (Foto de Nuno Franco) |
Foi uma semana importante e da qual se esperam efeitos visíveis futuros no modo como entendemos, reportamos, regulamos e reflectimos sobre o uso de animais em investigação biomédica.
Criada a Comissão Nacional para a Protecção dos Animais Utilizados para Fins Científicos
Foi hoje publicada a Portaria 260/2016, que finalmente cria a Comissão Nacional para a Protecção dos Animais Utilizados para Fins Científicos, passados três anos da publicação do Decreto-lei 113/2013 (e seis anos após a publicação da Directiva 2010/63/EU que este transpôs), que instituiu a obrigatoriedade da existência deste órgão.
- Aconselhar as autoridades competentes e os órgãos responsáveis pelo bem-estar dos animais (ORBEA) em assuntos relacionados com a aquisição, a criação, o alojamento, a prestação de cuidados e a utilização dos animais, assegurando a partilha de boas práticas.
- Facilitar a adopção de uma abordagem coerente à avaliação de projectos e ter um papel importante no intercâmbio de boas práticas sobre o funcionamento dos ORBEA e a avaliação de projectos ao nível da União.
PeTA leva TAP a recusar transportar animais para investigação biomédica.
Esta semana a TAP-Air Portugal retweetou este tweet da PeTA:
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Protesto em Vancouver, em 2012 (Fonte: Nature) |
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Protesto contra a United Airlines . |
Seja qual for a razão que levou a este acordo, o que isto significa é que se pode interpretar que a TAP considera a caça de animais ameaçados moralmente equivalente ao transporte de animais criados propositadamente para uso em investigação biomédica, isto é, para dar resposta a doenças que causam sofrimento e morte de milhões de humanos e outros animais.
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Falta de discernimento? |
Associar causas quase consensuais (como o combate ao tráfico ilegal de animais) à experimentação animal é uma estratégia recorrente da PeTA e de outros grupos animalistas, tentando com que o público considere ambas igualmente meritórias de censura. Outra estratégia comum aqui também presente é explorar o facto do público se opor mais fortemente ao uso de primatas e animais de companhia do que ao uso de roedores. Por essa razão, e ainda que nenhuma espécie de primata ou animal de companhia seja usada em Portugal em investigação (e em toda a Europa representem juntas uma percentagem ínfima do total de animais usados, com total proibição do uso de grandes primatas), são estas as espécies usadas em propaganda política contra o uso de animais, no nosso país.
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O bem-estar dos primatas usados em investigação é cada vez mais uma prioridade (Fotos do California National Primate Research Center) |
Apesar de serem usados em pequeno número, os primatas são fundamentais para a compreensão de doenças que afectam quer humanos, quer os próprios primatas na natureza, como o HIV (e vírus semelhantes) ou o Ébola, e para o desenvolvimento e teste de vacinas e terapias para as mesmas. E apesar das limitações ao transporte destes, ou de outros animais usados em ciência, poderem até certo ponto ser colmatadas por criação in situ, em muitas circunstâncias é logisticamente proibitivo, e em qualquer caso levará a um aumento considerável do número de animais em laboratórios e ao custo destes estudos. Em todo o caso, parece que o acordo a que a TAP anuiu inclui todas as espécies animais, desde que o seu destino seja o uso em ciência, alheios aos nível de cuidados prestados, que vai frequentemente além do que beneficiam os animais de companhia que transportam.
Em suma, sou o primeiro a admitir que o uso de animais em ciência é cientifica e eticamente complexo, mas considerá-lo equivalente ao tráfico de barbatanas de tubarão ou de presas de elefante é de uma profunda desonestidade intelectual. Nada a que não esteja habituado.
Gostaria de ser cozido vivo? O dilema moral de um prato de caracóis.
Campanha SOS Natureza
A epidemia de Ébola chegou ao nosso quintal – e aos nossos animais!
Embora o papel dos animais domésticos na propagação do Ébola seja desconhecido, sabe-se que cães podem ser portadores assintomáticos do vírus e representam potencial risco de contágio. No entanto, Eric Loy, um especialista na transmissão do Ébola, discorda com a solução encontrada pelas autoridades espanholas, já que cão representaria uma fonte importante de informação sobre o vírus e sobre a sua transmissão. Em vez do abate, o cão deveria ser isolado e usado como ferramenta estudo. Uma petição, propondo algo semelhante, foi entretanto criada.
Política Comum Das Pescas – Aprender a gerir o bem comum
Numa altura em que a nova Política Comum de Pescas (PCP) entrou em vigor e quando se finaliza o futuro Fundo Europeu dos Assuntos Marítimos e das Pescas (FEAMP), a PONG-Pesca convida a todos a participar num debate público sobre os desafios e as oportunidades que a fase de implementação da nova PCP apresenta. O debate decorre no dia 23 de Abril na sede da FLAD em Lisboa. Este evento também irá marcar o final da atividade da coligação da OCEAN2012 em Portugal e o início de uma nova etapa do trabalho das Organizações Não Governamentais nacionais sobre os assuntos das pescas.
A entrada é livre mas sujeita a inscrição através do endereço pong.pesca@gmail.com
Beagles, o Instituto Royal, experimentação e activismo animal: a polémica no Brasil
O uso de cães em investigação biomédica tem sido causa de forte comoção social desde o advento da medicina científica no séc. XIX até aos dias de hoje (para uma revisão histórica deste tema, recomendo este meu artigo). Assim, enquanto o uso de animais em ciência é aceite pela generalidade do público – desde que justificado e em respeito pelo bem-estar animal – o uso de cães é habitualmente alvo de maior contestação, quer na Europa (como atesta o último relatório do Eurobarómetro) quer no Brasil, país onde no passado dia 18 de Outubro um instituto científico em São Paulo, o Instituto Royal, foi invadido por mais de uma centena de activistas que levaram consigo 178 cães das instalações, da raça Beagle.
Os activistas, sob o pretexto que os animais estariam em perigo eminente (algo que a confirmar-se os ilibaria de qualquer sanção penal) entraram à força, retiraram os animais e vandalizaram o edifício, o que em circunstância alguma seria justificável. A polícia esteve presente, mas não fizeram detenções. Alguns dos cães levados nessa noite (presumivelmente) foram nos dias seguintes encontrados na rua. No dia seguinte, os activistas envolveram-se em confrontos com a polícia, tendo destruído propriedade das forças de segurança. Ainda que não fosse possível prever este nível de violência, nesse mesmo mês um grupo identificado com o movimento terrorista Animal Liberation Front já se acorrentara às grades do instituto para protestar pelo uso de cães para fins experimentais.
Confrontados com a acusação de especismo por terem deixado centenas de coelhos, ratos e murganhos para trás, alguns activistas voltaram algumas semanas depois, armados, para levarem algumas caixas com roedores. Mas não sem antes agredirem, prenderem e até roubarem os vigilantes. Não obstante, milhares de pessoas apoiaram a iniciativa na página de Facebook do grupo.
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Imagem dos confrontos de dia 19 de Outubro. |
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Cães alojados no Instituto Royal (Fonte) |
A consideração moral diferenciada dada aos animais de companhia reflecte como as relações que estabelecemos com as diferentes espécies definem as atitudes que temos para com os indivíduos pertencentes às mesmas, o que em ética animal habitualmente é designada como perspectiva relacional. Segundo esta perspectiva, as nossas obrigações para com os animais irão depender do lugar na Escala Sociozoológica (proposta por A. Arluke) que estabelecemos para eles. Assim, os animais serão mais ou menos importantes e, consequentemente, mais ou menos merecedores de consideração moral, segundo o seu ranking sociozoológico, que é atribuído com base em factores como utilidade, proximidade ou “fofura” do animal e, por outro lado, pelo quão um animal pode ser percebido como perigoso, prejudicial ou repugnante.
A maior preocupação do público pelo uso de cães ou primatas em ciência é frequentemente usada para, por proxy, promover a contestação à experimentação animal como um todo a um público que é largamente indiferente ou consentâneo, mesmo em países europeus com grande tradição de protecção aos animais. Já comentei aliás a tentativa de um partido político português de tentar manipular a opinião pública através dessa estratégia, usando imagens de cães e chimpanzés, apesar de em Portugal não serem usados nem primatas não-humanos nem animais de companhia em investigação biomédica.
Acontece ainda que os argumentos esgrimidos pelos activistas brasileiros para justificar uma acção desta natureza resultam de informação falsa, descontextualizada e/ou enviesada (alguma da qual já desmistificada aqui) e que o Instituto Royal já veio refutar veemente, mas que continua a ser alimentada, inclusive por alguma imprensa. Face a isto, convém considerar que:
3. Um dos argumentos esgrimidos para justificar a invasão dos instituto foi que os animais estavam a ser usados para testar cosméticos e produtos de limpeza. Pura fantasia, segundo o instituto, que confirmou testar cosméticos, mas apenas in vitro.
4. Segundo o instituto, quase todos os animais estavam aptos e eram dados para adopção após a sua “vida útil” no laboratório.
5. O cenário dantesco descrito pelos activistas não reflecte, de todo, aquilo que a generalidade dos investigadores – eu incluído – conhecem do ambiente em que os animais usados em experimentação são tipicamente alojados. Relatos de salas cheias de excrementos, luzes permanentemente acesas (tortura do sono, quiçá?) com animais assustados, doentes, mutilados e, pasme-se, até mortos por congelamento são leituras profundamente ignorantes e descontextualizadas de um local onde o controlo da higiene, o ambiente e a saúde animais são da maior importância científica.
Pelo que me foi dado a entender, o ciclo de luz estava meramente invertido, o cenário caótico apresentado nada mais foi que fruto do vandalismo e os animais estavam assustados com toda a comoção causada por dezenas de estranhos, o que explica também porque havia tantas fezes no chão, reacção fisiológica típica a eventos agudos de stress. Evidentemente, o cão congelado tinha-o sido post mortem para averiguar a causa de morte. Ademais, e não obstante toda a comoção causada, nas imagens da invasão, apenas vejo animais dóceis e aparentemente saudáveis.
6. Menos de um mês depois do ataque, o Instituto Royal encerrou definitivamente as suas portas em São Paulo. “Arregaram“, segundo Luisa Mell. O terror e a ignorância ganharam, na minha opinião.
Compreendo que um discurso moderado não tenha o impacto pretendido e não arrebata as pessoas para apoiar energicamente uma causa. Mas o nível de manipulação e fabricação de informação a que se recorreu para justificar esta acção deveria envergonhar qualquer ONG séria.
Este caso tem ainda sido capitalizado por alguma da comunicação social e até políticos, sendo que a própria se filiara no PMDB, o maior partido brasileiro, três semanas antes da invasão ao Instituto Royal. A mesma, surpreendentemente, depois de ter violado a lei em frente das câmaras e da polícia, veio não obstante pedir uma investigação ao instituto sob alegação de maus-tratos aos animais. Entretanto, continua a sua campanha de desinformação no seu blog no seu blog e onde quer que possa.
“Nós colocamos o problema. Discordamos da vivissecção e queremos que ela pare. Agora, não temos que dar a resposta, os cientistas é que devem encontrar alternativas viáveis para os testes“.
Mas o instituto tem também a sua quota parte de culpa. Em 2012 foram alvo de uma denúncia de maus tratos, não tendo feito os possíveis para a dissipar. Percebo que qualquer informação, ainda que dada de boa-fé, pode ser descontextualizada e manipulada. Ademais, a culpa é quase inteiramente de quem faz estas campanhas difamatórias, mas a verdade é que o secretismo só gera desconfiança e torna-se um campo fértil para a fabricação e desinformação e que pode culminar no que aconteceu em São Paulo.
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Cães usados em testes pela companhia farmacêutica Novo Nordisk. Este cães tem acesso ao exterior e são passeados regularmente (fonte) |
Ainda que a comunicação tenha sido ineficiente, o instituto abriu em 2012 as portas à comunicação social. As imagens divulgadas mostram que os animais eram alojados em grupos e em perfeitas condições higiénicas, num ambiente controlado e dispondo de água e comida à vontade. Não vi qualquer enriquecimento ambiental, de acordo com o que seria de esperar (ver aqui ou aqui) de um instituto com os mais elevados padrões, mas o Instituto afirma que tinham actividades recreativas para os animais.
Dito tudo isto, é de salientar que o alvo principal das minhas críticas é o recurso à desinformação, manipulação e incitamento à violência como forma de agir num estado de direito, pois não escondo o meu descontentamento com o modo como frequentemente fazemos investigação em animais, quer ao nível da qualidade da ciência conduzida em si, quer no que diz respeito ao respeito pelo seu bem-estar.
A justificação ética do uso de animais em investigação baseia-se num equilíbrio entre custo (para os animais) e benefício para a ciência e para a saúde e segurança humanas (e de outros animais). A parte do benefício é difícil de aferir neste caso porque uma busca no Google Scholar sobre estudos do Instituto Royal devolve pouquíssimos resultados, algo que não contudo de estranhar se se dedicavam a testes padronizados e não a investigação básica. Já relativamente à questão do custo, parece-me que havia margem para refinar as condições de alojamento, mas as mesmas não eram completamente desadequadas, e não há dúvidas que as condições em que estavam alojados ultrapassavam largamente as dos milhares de animais alojados hoje em canis, muitos dos quais nunca terão a sorte de conhecer um novo lar.
Se o uso de animais em ciência nos coloca um dilema (por definição algo que não tem solução fácil ou imediata), urge estabelecer um compromisso entre a necessidade de fazer avançar a ciência e a de respeitar o bem-estar dos animais usados. O princípio dos 3Rs – Replacement, Redution e Refinement – não se afigura como uma solução mágica, mas antes como uma abordagem de compromisso e em constante evolução, que poderá um dia dar uma resposta mais satisfatória ao problema ético levantado pela experimentação animal. Muito foi já conseguido nesse sentido, mas há ainda um longo caminho a percorrer.
Provedoria dos Animais em Lisboa
Foi com entusiasmo que soube da criação, no passado dia 18 de Junho, da Provedoria dos Animais da Câmara Municipal de Lisboa. Esta medida vem acompanhada da mudança de designação do Canil/Gatil de Lisboa para Casa dos Animais (com uma nova estrutura orgânica) e da criação do Grupo de Trabalho para a Casa dos Animais, que integra a recém-empossada provedora Marta Rebelo, o Director Municipal de Ambiente Urbano da autarquia, Ângelo Mesquita e a Bastonária da Ordem dos Médicos Veterinários, Laurentina Pedroso (que preside ao grupo).