
Por ocasião da fundação da primeira faculdade de medicina veterinária em 1761 em Lyon, França, comemora-se este ano o Ano Mundial da Medicina Veterinária. São 250 anos de história de uma profissão que significa muito mais do que apenas ser médico de animais. A OIE (World Organization for Animal Health) criou uma série de pequenos vídeos que evidenciam o importante papel que o Médico Veterinário desempenha na sociedade, em todas as suas áreas de intervenção, desde a Saúde e Bem-estar Animal à Saúde Pública e Segurança Alimentar.
Author: Manuel Sant'Ana
Curso Comportamento e Bem-estar em Ruminantes
Pig Business – O Filme

Os filmes em formato de documentário têm-se tornado cada vez mais um veículo previlegiado pelos grupos activistas para denunciar sistemas de produção animal intensivos e globalizantes. “Pig Business” (Director: Tracy Worcester, UK, 2009) é um produto desta estratégia que denuncia os investimentos feitos pela empresa norte-americana Smithfield na Polónia de forma a conquistar o mercado europeu de carne de porco. O filme – com legendagem de português do Brasil – está disponível na íntegra no You Tube.
Sem querer de forma alguma desvalorizar a relevância do tema, penso que a narrativa é por vezes demasiado linear e parece deixar de fora aspectos importantes na compreensão da dinâmica global de alimentos de origem animal. O filme recorre, em especial, à vox populi como forma de legitimar a demonização de todas as empresas de suinicultura que, de alguma forma, procuram o lucro, enjaulam animais, poluem o ambiente, propagam doenças, violam directivas europeias e esmagam os pequenos produtores. Da mesma forma, quando a realizadora quis mostrar um exemplo do pequeno produtor (30:05), não foi capaz de escapar ao esteriotipo da exploração familiar que vive em harmonia com a natureza a criar meia dúzia de animais e cuja triste condição se deve tão somente à incapacidade em competir com os preços praticados pelas grandes indústrias. Aí o filme parece atirar sobre todas as formas de globalização de forma indiscriminada, o que lhe rouba credibilidade sem acrescentar substância. A entrevista com um responsável da Smithfield (43:18) – que deveria ser um ponto alto da investigação da autora – cai no ridículo quando ela começa por comparar as fezes de 10 milhões de porcos com as de 100 milhões de pessoas.
Interessante foi a exibição de imagens de jaulas de reprodutoras numa suinicultura intensiva portuguesa (49:20) e que inaugura a questão do bem-estar animal, que ainda assim merece um tratamento superficial (qual a diferença das etiquetas “freedom food“, “free range“, “organic” ou “outdoor“? Podemos – ou devemos – colocá-las a todas dentro do mesmo saco?). Só no final (53:45), a autora procura contextualizar a política alimentar europeia mas limita-se a fazer uma entrevista de rua a um parlamentar anti-sistema sem a equilibrar com uma voz de dentro do sistema europeu que, mal ou bem, dita as regras.
Qual a sua opinião sobre este filme? E sobre a suinicultura intensiva?
A Evolução de Darwin no Porto
A Exposição “A Evolução de Darwin” está agora no Porto!
Desde o passado dia 1 de Fevereiro que a renovada Casa Andresen, situada no Jardim Botânico do Porto, acolhe a exposição criada para celebrar os 200 anos do nascimento de Darwin e os 150 anos da Teoria da Evolução das Espécies. A exposição vem também celebrar o centenário da Universidade do Porto e o Ano Internacional da Biodiversidade (2010) já que a Casa Andresen acolherá, a partir de 2012, a Galeria da Biodiversidade.
Decorrem também um sem número de actividades paralelas. Acompanhe as novidades na página do Facebook da exposição.
Passerelle – Joana Vasconcelos
Joana VasconcelosPasserelle (2005)
Cães em faiança, ferro metalizado e cromado, motor, quadro de comando e protecção, pedal e PVC
230 x 366 x 205 cm
Colecção da Artista
Exposição “Sem Rede”
Museu Berardo, 01/03 – 18/05/2010
Em Passerelle (2005), somos convidados – através de um pedal à nossa disposição – a desencadear um mecanismo giratório que suspende cães em faiança presos pelo pescoço por grossas coleiras de couro. Ao aceitar fazê-lo estamos a contribuir para o processo criativo – e ao mesmo tempo destrutivo – que justifica a própria obra. Quando, em Maio último, visitei a exposição “Sem Rede” no Museu Berardo eram já mais os cacos que jaziam no chão do que os animais suspensos na engrenagem. Só havia dois cães inteiros; todos os outros se apresentavam mais ou menos quebrados.
Passerelle abre-se a interpretações várias, nomeadamente no que diz respeito à nossa relação com os animais e ao uso que deles fazemos. A homologia existente entre o mecanismo giratório e a linha de abate de um matadouro é evidente. Não se tratam, no entanto, de galinhas mas de antes de imagens esteriotipadas de cães de raças populares como o Dálmata, o Collie ou o Boxer. São portanto ícones, que representam mais do que as suas raças e mais do que a espécie canina da mesma forma que uma modelo numa passerelle é a representação iconográfica da beleza feminina.
O facto de caber ao visitante a opção de fazer desencadear o mecanismo remete-nos para a responsabilidade inerente às decisões quotidianas que envolvem o uso de animais. Os cacos que se vão amontoando na base da peça impelem o público a confrontrar-se com as consequências das suas acções. Podemos não ter o hábito de comer cães, é certo, mas não deixamos de lhes produzir dano de inúmeras formas.
Talvez nada disto tenha motivado a artista. Mas a riqueza de uma obra de arte está na multiplicidade de interpretações que permite.
Uso de animais no ensino – Parte 4
(Ver Parte 1, Parte 2, Parte 3)
Na sequência da publicação de um artigo meu no número de Janeiro da revista profissional Veterinária Actual, retomo aqui o tema do uso de animais no ensino de Medicina Veterinária. Esta discussão teve origem na notícia sobre “Cães vivos usados como cobaias na Universidade de Évora” e que foi desenvolvida – e muito discutida – em comentários posteriores (as mensagens anteriores podem ser encontradas em Parte 1, Parte 2 e Parte 3).
Deixo então a última parte, referente ao enquadramento deontológico, tal como foi publicada:
Face à impossibilidade de haver ensino veterinário sem o manuseamento de animais vivos, como devemos pautar a nossa conduta profissional de modo a deslindar o nó górdio em que nos encontramos? A solução passa por recorrermo-nos de recursos e métodos alternativos, como sejam:
a) Gerar casos clínicos reais através do Hospital escolar, da clínica móvel e de protocolos com criadores/produtores privados.
b) Utilizar os animais dos próprios alunos, após mútuo acordo, nomeadamente para procedimentos semiológicos e diagnósticos.
c) Colaborar com associações zoófilas e organismos oficiais, especialmente em campanhas de esterilização e de profilaxia.
d) Investir em modelos artificiais (manequins e simuladores).
e) Fomentar o extramural active learning em CAMV privados.
f) Aproveitar cadáveres provenientes dos Centros de Recolha Oficiais.
g) Criar um código de boas práticas pelo qual os educadores se possam orientar.
Espero a contribuição de todos.
Temple Grandin – The woman who thinks like a cow
Recomendo a todos o filme do realizador Mick Jackson (2010) sobre Temple Grandin, autista e um dos maiores especialistas mundiais em bem-estar de animais de produção.
O filme ganhou 7 Grammys, incluindo o de melhor actriz para Claire Danes, pela sua convincente interpretação de Temple. A história de Temple tem o condão e nos emocionar e nos fazer pensar na forma como é importante olharmos os animais não através dos códigos humanos mas sim através da linguagem própria de cada espécie. É um desafio à abordagem antropomórfica, muitas vezes dominante, de lidar com os animais.
Vejam também o documentário da BBC: Temple Grandin – The Woman Who Thinks Like a Cow, que aborda a fundo o problema do autismo. Se só quiserem saber sobre o trabalho de Grandin com animais, passem directamente para a parte 4.
Vai uma sopa de barbatana de tubarão?
Exemplares de uma espécie de tubarão (pinta-roxa) à venda no mercado de Olhão.(Repare na ausência de barbatanas)
A Comissão Europeia (CE) tem aberta uma consulta pública sobre a revisão da lei que regula a remoção de barbatanas de tubarão (finning) em águas europeias. A consulta é aberta a todos e decorre até ao próximo dia 21 de Fevereiro.
Um dos aspectos mais interessantes desta consulta é que, ao contrário do que aconteceu em 2003, a CE está determinada a banir em definitivo a prática do finning e não apenas a limitá-la. Para esta reviravolta legislativa muito contribuiu o papel interventivo das ONGA’s, nomeadamente da Shark Alliance e da portuguesa APECE.
As barbatanas de tubarão atingem valores muito elevados, nomeadamente nos mercados asiáticos, por serem o ingrediente principal da famosa sopa. No entanto a carne de tubarão tem menor valor económico e por isso torna-se menos rentável descarregar as carcaças na doca. Em vez disso, as barbatanas são removidas a bordo e os tubarões, ainda vivos, são devolvidos ao mar para virem a morrer de asfixia, hemorragia ou como petisco para outros peixes.
A anterior lei visava regulamentar a prática de finning, impondo limites e obrigando os pesqueiros a descarregar a totalidade do peso vivo dos tubarões. Para contornar uma legislação já de si confusa e difícil de controlar, muitos pescadores – e aqui estamos a falar de frotas industriais e não de pesca artesanal – em vez de desistirem da pesca ao tubarão direccionaram-na para os exemplares mais pequenos (e portanto mais leves e com menos volume) e também por isso mais rentáveis. Em vez de diminuir, a lei de 2003 estava a contribuir para o aumento da pressão da pesca sobre as populações de tubarões.
Registe-se que em sintonia com a Europa, o Senado dos EUA aprovou no mês passado uma moção semelhante, a Shark Conservation Act of 2010 que obriga os pesqueiros a transportarem os tubarões inteiros para terra.
Como podem ler, a participação nesta consulta pública é simples e rápida. Contribuam!!
Meninos e galinhas
Numa das suas crónicas na VISÃO, o multi-premiado escritor Gonçalo M. Tavares (autor de obras como Jerusalém), aflorou um tema, no mínimo, arrojado: a evolução das galinhas. Não se compreende muito bem onde o escritor pretende chegar com a sua reflexão (aliás, eu já desisti de procurar significados nestas crónicas para além de serem livres exercícios de escrita) mas não consigo conter o incómodo provocado por aquelas últimas palavras: “Mas as galinhas não, ninguém consegue acreditar que elas aproveitem o mal que lhes fazem para evoluir – elas não são assim tão humanas, são animais que ainda percebem poucas coisas.” E aqui deixo a pergunta: estamos na presença de prosa digna de respeito ou de opinião infundada e disparatada?
Uso de animais de companhia no ensino – Parte 3
Pese embora a aparente ausência de ilícito penal, haverá indícios da existência de ilícito moral na utilização (única) de cães vadios para fins didácticos?
A Bastonária da OMV opõe-se à utilização de animais vivos excepto “quando o procedimento [como anestesias, cirurgias e exames] possa ser um bem para o próprio animal” (Jornal Público, 19-11). Recorrendo ao equilíbrio reflexivo, Laurentina Pedroso argumenta ainda que “Tudo deve ser feito com grande rigor e com respeito pelo animal“.
Por outro lado, o colega Joel Ferraz, em entrevista ao Canal UP a 18-11, utiliza uma análise custo-benefício para, dentro da tradição utilitarista, legitimar esta opção: “Em termos éticos, e no que diz respeito ao sofrimento e valor da vida animal, não reprovo, quando comparado com o considerado normal, que é criar animais especificamente para fins científicos ou pedagógicos. Pode considerar-se moralmente mais aceitável usar um animal que não tinha utilidade e cujo destino seria a eutanásia, do que um animal saudável criado e destinado à experimentação”.
E aqui reside o ponto fundamental: de que forma a instrumentalização de um cão vadio é moralmente mais condenável do que recorrer a um beagle classificado com a categoria D (cão para investigação científica)? Em nenhum deles o procedimento é utilizado para o bem do próprio. E este raciocínio pode ser alargado para incluir as palpações transrectais em vacas de refugo, venopunções em ovinos, intubações nasogástricas em asininos ou outros animais que não servem outro propósito que não o ensino. E portanto a questão ética basilar não se resume aos animais vadios mas sim à utilização de animais vivos no ensino práctico da medicina veterinária, sem benefício dos próprios. Se, como sociedade, não estamos preparados para recorrer a animais vadios para fins didácticos, pela mesma ordem de razão não devemos aceitar nenhuma das práticas anteriores. (continua)

