Pós-graduação em Comportamento e Bem-Estar Animal


Bem-estar animal está no centro do curso de pós-graduação que agora abre na sua 4ª edição no ISPA – Instituto Universitário de Ciências Psicológicas, Sociais e da Vida. É o único curso no seu género em Portugal, não só no seu enfase temático mas também na sua capacidade de juntar alunos de background muito diferente. Treinador@ de golfinhos, tratador@ de animais de laboratório, enfermeir@ veterinária, funcionári@ de Direção Geral/Regional de Agricultura/Veterinária e agente de GNR são apenas algumas das profissões representadas entre os alunos nas edições anteriores. Como docente neste curso deste o seu inïcio, tenho confirmado que esta diversidade contribui tambëm para criar uma interessante dinamica dentro de cada turma.

Este curso da duração de 2 semestres (60 ECTS) tem como objetivo:
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  • Contribuir para a compreensão das bases biológicas, psicológicas e filosóficas do bem-estar animal;
  • Aplicar os fundamentos teóricos à avaliação e gestão do bem-estar animal em diferentes contextos;
  • Dotar os participantes de formação adicional em bem-estar animal a qual poderá ser utilizada posteriormente em actividades de formação, educação em escolas e noutros ambientes, terapias usando animais, inspecção e aplicação de legislação, maneio de animais, gestão de estabelecimentos envolvendo a manutenção de animais, entre outros.
O curso está agora aberto a inscrições através do site do ISPA.

Esperamos vir a encontrar leitores de animalogos nesta edição do curso! 

Estudar personalidade em peixes – entrevista a Catarina Martins

Manuel Sant’Ana: Olá Catarina Martins. O teu percurso académico tem sido bastante multidisciplinar incluindo temas sobre sustentabilidade em aquacultura, sistemas de recirculação e bem-estar em peixes. Uma parte importante da tua investigação diz respeito à personalidade nos peixes. Tu e a tua equipa do projecto Copewell publicaram recentemente um artigo científico na PLOS ONE em que oferecem evidências fortes de que as Douradas (Sparus aurata) exibem características temperamentais constantes ao longo do tempo e em diferentes contextos. De que forma é que as vossas conclusões podem ser importantes?
Catarina Martins: O estudo que publicamos é particularmente interessante por ter sido feito com a dourada que é uma espécie comercialmente importante no sul da Europa. Ao demonstrarmos que certas diferenças comportamentais são consistentes ao longo do tempo e também previsíveis com base noutros comportamentos podemos concluir que essas diferenças individuais não ocorrem por acaso. Pelo contrário fazem parte daquilo a que chamamos de “sindroma comportamental” ou seja um conjunto de comportamento que variam em conjunto. Isto poderá ter implicações relevantes em aquacultura já que a selecção de certos comportamentos pode conduzir à co-selecção de outros que fazem parte do mesmo sindroma. Torna-se também importante compreender que tipo de associação existe entre comportamentos e certas respostas fisiológicas ao stress. Por exemplo sabe-se que em certas espécies (também demonstramos isso na dourada num artigo recente no Applied Animal Behaviour Science) um peixe que demonstra níveis de cortisol mais baixos quando exposto a situações de stress é um peixe mais agressivo.
MS: O termo personalidade (que remete para o conceito de pessoa) é propenso a antropomorfismos. Curiosamente, há dois anos atrás foi publicado na mesma revista um estudo sobre a evidência de personalidade em anémonas, e do qual demos conta aqui no animalogos. Estaremos a falar da mesma coisa? Será esta característica transversal ao reino animal?

CM: Actualmente na literatura cientifica existem vários termos que são usados de forma indiscriminada como personalidade, sindroma comportamental, temperamento e estilos de adaptação (do inglês coping styles). A escolha de um termo específico tem essencialmente a ver com a área de investigação. Por exemplo em ecologia o termo “sindroma comportamental” é mais frequente enquanto em áreas mais aplicadas como em aquacultura é mais frequente usar-se o termo “coping styles”. Todos estes termos partilham de aspectos comuns: 1) todos reconhecem a importância da variação individual em comportamentos, 2) reconhecem que essa variação individual é consistente ao longo do tempo e 3) que alguns comportamentos podem ser usados para prever outros comportamentos medidos em contextos diferentes (exemplo: ha uma grande probabilidade de um peixe mais agressivo ser um peixe mais explorador em ambientes novos). Quanto ao termo personalidade em particular concordo que por definição está associado “a pessoas” pelo facto de incluir aspectos emocionais. Penso que nos últimos anos os investigadores se têm sentido mais confortáveis com o uso deste termo em peixes devido a vários trabalhos recentes que apontam na direcção de que os peixes também podem demonstrar emoções equivalentes ao medo e à dor. Se aceitarmos a componente emocional na definição de personalidade então penso que neste momento ainda não existem evidências de que a variação individual nas respostas a estímulos ambientais observadas nas anémonas se possa denominar “personalidade”.

MS: Na produção pecuária terrestre (vacas, galinhas, porcos) a ciência do bem-estar animal tem estado cada vez mais preocupada na promoção de experiências positivas e não apenas na minimização de experiências negativas. Em relação aos peixes de aquacultura, essa tendência também se verifica?

CM: O foco em aquacultura continua a ser o minimizar as experiências negativas. No entanto começamos a assistir a vários estudos no âmbito do enriquecimento ambiental que apontam na promoção de experiências positivas.

MS: Por fim, uma pergunta prática: na hora de escolher peixe (para consumo), que recomendações darias ao consumidor?

CM: Penso que é importante desmistificar a ideia de que o peixe de aquacultura é mau. A aquacultura é actualmente uma indústria muito regulamentada em que, na sua generalidade, a qualidade do peixe, quer em termos nutricionais quer em termos de segurança alimentar, é garantida. Considerando os benefícios para a saúde de consumir peixe aconselharia o consumidor a não se limitar a escolher apenas peixe provenientes da pesca.

O cão é o melhor amigo do homem…mas desde quando?

A comunidade científica ainda não resolveu definitivamente a questão de quando, onde e como foram domesticados os primeiros cães a partir do lobo cinzento, o Canis lupus

Têm sido encontrados esqueletos de lobos junto a vestígios humanos com até cerca de 500.000 anos, o que significa que estes co-existiram com várias espécies do Género Homo, incluindo o Homo Erectus, e muito provavelmente foram caçados pela sua carne e pelagens.

Estudos do ADN canino e do lobo sugerem que a divergência genética entre estes terá surgido há mais 100.000 anos, ou seja,  várias dezenas de milhares de anos antes dos primeiros humanos modernos chegarem à Europa e terem extinguido animais como o tigre-dentes-de-sabre ou o mamute. Esta data ultrapassa largamente a idade dos mais antigos registos arqueológicos de proto-cães, que remontam até -36.000 anos. Uma possível explicação é que poderá ser impossível distinguir entre vestígios de lobos e dos primeiros cães, cujas diferenças poderão não ter sido ao nível da morfologia, mas sobretudo ao nível do comportamento, que tem uma base biológica e, consequentemente, genética. 

É provável que crias órfãs de lobo tenham frequentemente sido adoptadas e criadas por humanos como um costume cultural no Paleolítico. Tal não significava contudo verdadeira domesticação, mas antes adestramento de animais selvagens, que assim que começassem a manifestar maior agressividade (o que é previsível num animal selvagem), seriam afastados ou mortos. Apesar de haver quem considere que foi este hábito que levou ao surgimento do cão, é mais consensual a teoria que o processo inicial de domesticação se tenha dado por “auto-domesticação”, ou seja, por força da vantagem reprodutiva daqueles melhor adaptados – por serem mais tolerantes à presença humana e/ou terem uma menor distância de fuga, por exemplo – para viver de restos de comida deixados  pelas primeiras aldeias. A ser verdade, não deixa de ser curioso que tenha sido o cão, e não o homem, o primeiro a “inventar” a domesticação. 

Foto de Robert Clark para a National Geographic 
(é evidente aqui a Neotenia resultante do processo de domesticação, 
tendo o cão características físicas marcadamente infanto-juvenis)

A domesticação propriamente dita resulta de um processo de modificações genéticas, morfológicas e comportamentais de uma determinada espécie por acção do homem. Assim, para conseguir as respostas, deveremos estudar no seu conjunto os indícios genéticos, paleoarqueológicos e biogeográficos. 

A revista Nature de 18 de Junho revela que, não obstante ser consensual entre os geneticistas em que aspectos genéticos os cães e os lobos diferem, há grandes divergências relativamente a quando e como se deu o processo de domesticação, e qual a relação temporal entre essas alterações genéticas e o processo de domesticação. Isto é, se foram um efeito da domesticação, ou a sua causa inicial (a tal “auto-domesticação”), ou se tal variou consoante os traços genéticos e as circunstâncias históricas e geográficas em questão.

Indo ao encontro da hipótese que o advento da agricultura no Neolítico serviu de catalisador para o processo de domesticação propriamente dito, Erik Axelsson e Kerstin Lindblad-Toh propuseram este ano num artigo que o aparecimento há 10.000 anos de genes para a digestão do amido – que terá permitido viver comensalmente de restos de alimento e colheitas dos seres humanos – terá ditado a separação destes canídeos dos seus antecessores exclusivamente carnívoros, dado subsequentemente origem  à sua domesticação. 

Greger Larson, arqueogeneticista da Universidade de Durham contesta veemente esta conclusão, dados os registos arqueológicos de ossos similares aos de cães modernos que precedem em vários milhares de anos a data proposta por Axelsson e Lindblad-Toh (distinguir ossos de cão e de lobo é no entanto tão mais difícil quanto mais recuarmos no tempo), situando assim o momento da domesticação no Paleolítico Superior. Larson argumenta – e tendo a concordar com ele – que não há razão para pensar que a domesticação do cão não possa ter precedido o aparecimento destes genes em particular, pelo que seria infundado apontar este acontecimento, ainda que importante, como equivalente ao início da domesticação.

Atendendo às provas arqueológicas, a gradual aproximação dos lobos ao homem deu-se provavelmente em acampamentos semi-sedentários de caçadores-recolectores, e portanto num período pré-agrícola. O advento da agricultura poderá ter tido, não obstante, um importante papel na diversificação das diferentes linhagens de cães, uma especialização para tarefas como guardar rebanhos, ajudar na caça ou proteger a comunidade.

Diferentes raças caninas, fotografadas por Robert Clark para a NatGeo (fonte)

Mas há quanto tempo se iniciou o processo de domesticação, afinal? 

Dados recentes publicados por cientistas chineses (Wang et al, 2013) fazem recuar a domesticação do cão até há -32.000 anos na China, região onde actualmente não existem lobos selvagens, mas que tinha já sido proposta como provável origem para o cão. Creio, no entanto, que a existência de um momento e local exacto para a domesticação de lobos em cães seja algo difícil de aceitar para a generalidade da comunidade científica, no seio da qual é mais ou menos consensual que este processo foi bastante complexo, tendo ocorrido mais do que uma vez ao longo da história, em mais de que um local e a partir de mais que uma população de lobos. Ademais, desde os anos 90 que estudos genéticos apontam  para a possibilidade de um frequente cruzamento de cães com diversas populações locais de lobos (e, portanto, de diferentes sub-espécies) ao longo dos tempos, o que poderá ter sido uma das causas para a enorme variedade genética encontrada nestes últimos. Isto é corroborado por um artigo recente (ainda em fase de pré-publicação, mas disponível em versão preliminar no arXiv), e que propõe o início da divergência genética entre lobos e cães para um período situado entre – 11.000 a -16.000 anos. 
Face a esta controvérsia, assiste-se agora a uma autêntica corrida entre equipas de investigadores para  serem os primeiros a apresentar dados que compararem material genético extraído de fósseis antigos de cães e lobos paleolíticos. A competição será aguerrida, uma vez que espécimes de fósseis deste tipo são muito raros, mas é consensual que esta abordagem trará uma nova luz a esta complexa questão.  

QBA – Qualitative Behaviour Assessment


Não são muitos dos cientistas que podem se gabar de terem estabelecido um método próprio para a sua área de estudo. Uma destas, da área da etologia aplicada e bem-estar animal, vai estar em Lisboa dia 18 de Julho para uma workshop sobre avaliação qualitativa de comportamento – Qualitative Behaviour Assessment ou QBA como se tem tornado mais conhecido o método desenvolvido por Françoise Wemelsfelder. 

Françoise Wemelsfelder doutorou-se em etologia na Universidade de Groningen em 1993, num estudo sobre tédio em animais. A escolha de tema foi corajosa e pouco convencional, características que têm marcado todo o trabalho da etóloga. Investigadora do Scottish Rural College desde há mais do que 10 anos, tem dedicado a maior parte da sua carreira até data ao desenvolvimento de um método para avaliar o estado emocional de animais.
O método QBA baseia-se na ideia da Françoise Wemelsfelder que o animal expressa o seu estado emocional ou disposição através da sua maneira de se movimentar, e que precisamos de observar o animal como um todo e não apenas quantificar por quanto tempo que ele executa um comportamento ou outro. QBA difere dos habituais testes de comportamento em que o investigador recorre a um painel de observadores para recolher dados sobre o comportamento do animal em estudo. Portanto, o observador não quantifica o comportamento do animal diretamente mas antes a interpretação dos observadores. Estes podem observar o animal diretamente ou através de gravações de vídeo, e dar uma pontuação às diferentes características do animal. A pontuação pode ser numérica e seguindo uma escala pré-estabelecida, ou em alternativa os observadores podem atribuir as suas próprias descrições. Trata-se de descrever os animais em termos de características como ‘nervoso’, ‘curioso’, ‘ansioso’, ‘agitado’, ‘relaxado’, ‘irritado’ etc.

A ideia é que esta é uma abordagem integrativa que permite reunir mais informação do que simples quantificações de comportamento. Nas palavras da investigadora:

The qualitative assessment of behaviour is based upon the integration by the observer of many pieces of information that in conventional quantitative approaches are recorded separately, or are not recorded at all. This may include incidental ehavioural events, subtle details of movement and posture, and aspects of the context in which behaviour occurs. In summarizing such details (…) qualitative behavioural assessment specifies not so much what an animal does, but how it does it. (Wemelsfelder et al 2001 Animal Behaviour 62, 209-220.)

O método foi inicialmente visto com muito ceticismo por parte de investigadores habituados a usar métodos quantitativos e que não envolvem uma componente subjetiva. Françoise Wemelsfelder e os seus colaboradores têm investido muito trabalho em demonstrar a capacidade do método de gerar resultados que podem ser repetidos, e mais recentemente em valida-los versus outros indicadores de bem-estar animal.
Françoise Wemelsfelder vem a Portugal no âmbito do projeto AWIN – Animal Welfare Indicators. A workshop tem lugar dia 18 na Faculdade de Medicina Veterinária em Lisboa, com inscrição gratuita mas obrigatória, para psianimal.geral@gmail.com.

Jane Goodall em Lisboa

É já na próxima semana que a primatóloga Jane participará em dois eventos em Lisboa.

Jane Goodall (Fonte)

O primeiro será a 24 de Junho pelas 18 horas no Auditório da CPLP, no Palácio Conde de Penafiel, onde haverá projecção do filme documental Jane’s Journey, de Lorenz Knauer, seguido de uma conversa com a primatóloga e Mensageira para a Paz das Nações Unidas. A entrada é livre mas carece de inscrição.

O segundo evento tomará lugar no dia 26 na Rotary International Convention, numa sessão das 10:00 ás 12:00. A inscrição está também aberta a não-rotarianos.

Trailer do filme Jane’s Journey

Sociedade Portuguesa de Etologia


Após um período de atividade reduzida, a Sociedade Portuguesa de Etologia anuncia agora –  atraves do seu novo presidente Paulo Gama Mota –  a reanimação desta organização científica fundada em 1987. 

Com uma nova composição dos órgãos sociais desde Janeiro este ano, a direção da SPE passa a integrar cientistas de norte ao sul do Portugal, com o presidente Paulo Gama Mota da Universidade de Coimbra e do CIBIO-UP, Gonçalo Cardoso e Rita Covas do CIBIO-UP, Eduardo Barata da Universidade do Algarve, Joana Jordão da Universidade de Lisboa, Clara Amorim do ISPA e Susana Lima da Fundação Champalimaud.

O próximo congresso, o 10º Congresso Nacional de Etologia, terá lugar dias 24-25 de Outubro na Fundação Champalimaud.

Mais notícias no Newsletter da SPE, onde também há informação sobre como fazer para (como eu preciso) re-ativar a sua presença da SPE ou fazer-se novo sócio.