É menos ético usar animais para estudar obesidade?

O uso de animais na investigação é controverso. Segundo alguns filósofos, nuncaouquase nunca  é eticamente justificado realizar experimentação animal para o benefício de outros. Do outro lado defende-se o valor científico de experiências com animais.

Além do (frequentemente aceso) debate, existe uma posição de compromisso, em que a nossa legislação se baseia. Podemos ver isto claramente nos recitais (o texto que precede os parágrafos num texto legal da União Europeia e que explica o fundamento das normas estabelecidas) da Diretiva 2010/63/UE que regula investigação com animais na Europa: 

“Embora seja desejável substituir a utilização de animais vivos em procedimentos por outros métodos que não impliquem a sua utilização, o recurso a animais vivos continua a ser necessário para proteger a saúde humana e animal, assim como o ambiente.” (recital 10)
“os animais deverão ser sempre tratados como criaturas sencientes e a sua utilização em procedimentos deverá ser limitada a domínios que, em ultima análise, tragam benefícios para a saúde humana ou animal, ou para o ambiente” (recital 12)
“A escolha dos métodos e das espécies a utilizar tem impacto directo tanto no número de animais utilizados como no seu bem-estar. Por conseguinte, a escolha dos métodos deverá assegurar a selecção do método susceptível de proporcionar resultados mais satisfatórios e provocar o mínimo de dor, sofrimento e angustia.” (recital 13)
Ou seja, investigação com animais é legalmente (e portanto segundo a visão em que a legislação se baseia, também eticamente)  aceitável quando não existir outro método, quando o sofrimento animal é minimizado e quando produz benefícios para a saúde ou ambiente. E – o que na Diretiva tem que ser lido nas entrelinhas – quando o beneficio ultrapassa o custo.
E é com referência ao último aspeto que académicose ONGstêm argumentado que investigação sobre obesidade não justifica o uso de animais. Nas palavras do Marc Bekoff:
“A good deal of obesity can be easily prevented so these monkeys are being used to study a condition that many people can we can avoid simply by choosing healthier lifestyles. The monkeys shouldn’t have to pay for our indiscretions and poor choices.”  
Num primeiro olhar, parece coerente. Baniu-se (na Europa) o uso de animais para testar cosméticos e há uma visão quase unânime que os animais não devem pagar pela a vaidade humana. Mas aguentará um argumento semelhante contra estudos de obesidade uma análise mais aprofundada?

Neste artigo analisamos os dois principais argumentos contra o uso de animais na investigação em obesidade: o argumento da responsabilidade pessoale o argumento da distração.
Central no argumento de responsabilidade pessoal é a afirmação que as pessoas são responsáveis pela sua obesidade. Comida a mais e exercício a menos resultam em peso a mais, e os problemas de saúde relacionados poderiam ser resolvidos ou prevenidos com uma mudança de hábitos. Isto parece ser um facto, mas implica isto que o estilo de vida de uma pessoa é a sua responsabilidade moral? No que diz respeito a hábitos alimentares, estes são em grande medida adquiridos na infância, não se tratando assim de algo que escolhemos conscientemente, como quando escolhemos investir o nosso dinheiro num videojogo ou numa mensalidade no ginásio. E tão pouco como podemos escolher os nossos pais, podemos escolher os hábitos com que somos criados. Isto não implica que não possamos alterar os nossos hábitos (quanto a pais, creio que continua impossível…), mas implica que é muito mais difícil e que o sucesso não é garantido – como muita gente confirma repetidamente. Mas, para além disto, os hábitos alimentares na infância não afetam só os hábitos alimentares do adulto, havendo evidência clara de que se traduzem em alterações biológicas. Por exemplo, a amamentação parece reduzir o risco de obesidade em crianças
O argumento de distração toma como ponto de partida a observação que hábitos pouco saudáveis, e sobretudo os associados com obesidade, podem ser prevenidos. Assim sendo, argumenta que se a ênfase deve ser dada às medidas de prevenção. Novamente, é um facto que hábitos pouco saudáveis podem ser alterados e que isto reduz os problemas de saúde que deles derivam. Mas não é óbvio que isto seja um argumento contra a investigação com animais na área. A conclusão de que é errado investir em investigação com animais sobre obesidade necessita que duas condições sejam cumpridas:
a) investigação com o objetivo de desenvolver terapias para obesidade (e outras doenças relacionadas com estilo de vida) retira atenção e recursos das medidas de prevenção
b) todos os problemas com obesidade podem ser resolvidos através de estratégias de prevenção
Não existe evidência que sugere que a primeira condição seja verdade. Na área de investigação sobre obesidade, o nº de artigos científicos sobre estratégias de prevenção e controlo aumentou quase 10 vezes num período de 12 anos (1995/98-2007/10), e este tipo de investigação tem crescido mais do que qualquer outro tipo na área.
É também altamente questionável que seja possível resolver o problema de obesidade apenas através de prevenção. Esta poderá ser uma ferramenta eficiente para controlar fatores que tenham a ver com a conduta individual. E com mais pais com hábitos saudáveis, menos crianças serão criadas com hábitos pouco saudáveis. Mas mesmo se esta abordagem viesse a ter sucesso completo (o que em si é muito pouco provável), antes de os seus efeitos terem penetrado toda a população, muita gente virá desenvolver problemas de saúde relacionados com obesidade.
Face ao que é sabido da patobiologia e epidemiologia de obesidade humana, não se pode argumentar que experimentação animal seja menos aceitável para estudos desta doença do que para outras doenças humanas. Claro que isto não implica carta-branca para cada experiência animal com objetivo de estudar obesidade. Há ainda espaço amplo para uma discussão critica sobre que aspectos desta doença que são adequados a estudar em animais.

Sociedade Portuguesa de Etologia


Após um período de atividade reduzida, a Sociedade Portuguesa de Etologia anuncia agora –  atraves do seu novo presidente Paulo Gama Mota –  a reanimação desta organização científica fundada em 1987. 

Com uma nova composição dos órgãos sociais desde Janeiro este ano, a direção da SPE passa a integrar cientistas de norte ao sul do Portugal, com o presidente Paulo Gama Mota da Universidade de Coimbra e do CIBIO-UP, Gonçalo Cardoso e Rita Covas do CIBIO-UP, Eduardo Barata da Universidade do Algarve, Joana Jordão da Universidade de Lisboa, Clara Amorim do ISPA e Susana Lima da Fundação Champalimaud.

O próximo congresso, o 10º Congresso Nacional de Etologia, terá lugar dias 24-25 de Outubro na Fundação Champalimaud.

Mais notícias no Newsletter da SPE, onde também há informação sobre como fazer para (como eu preciso) re-ativar a sua presença da SPE ou fazer-se novo sócio.

O uso de animais em investigação biomédica: uma perspectiva histórica

“O uso de animais não-humanos na pesquisa biomédica tem dado importantes contribuições para o progresso da medicina alcançado em nossos dias, tendo também sido motivo de acesa discussão pública, científica e filosófica.” 
Frases como esta são frequentemente derramadas na secção introdutória ou no resumo de artigos subordinados à ética ou bem-estar de animais usados em ciência. Recentemente, decidi assumir o compromisso de ir mais longe e aprofundar a história por detrás de afirmações genéricas como esta, e fazer uma revisão do uso de animais em ciência, que identificasse os seus principais protagonistas e que avaliasse como esta prática afectou ou foi influenciada pela sociedade, desde a Antiguidade até os dias de hoje. Sendo o mote para este estudo sido dado pela necessidade de escrever uma introdução para a minha tese de doutoramento, a mesma acabou contudo por ganhar “vida própria”. 
“Uma demonstração fisiológica através da vivisecção de um cão” 
 Émile-Édouard Mouchy (1832)
Assim, após análise de mais de duas centenas de referências, meses de escrita (e reescrita), dos imprescindíveis comentários da parte da Anna e do Manuel, e das valiosas críticas de quatro revisores anónimos, chega este estudo à sua forma final pela mão da Animals, uma recente revista científica em open-access, e com a qual posso dizer que tive uma excelente experiência, como autor. 
Espero que este artigo possa ajudar estudantes e académicos que necessitem de uma introdução aos aspectos historicamente relevantes da ciência, filosofia e sociologia da experimentação animal, bem como a todos aqueles com interesse pelo tema.
Ah, e não se admirem que comece a usar esta referência amiúde, no blog…

Genetica molecular e bem-estar animal – entrevista com Per Jensen

Olá Per Jensen, professor de Etologia e coordenador do grupo de investigação AVIAN na Universidade de Linköping, na Suécia. Parabéns pela atribuição do European Research Council Advanced Grant para o projecto Genetics and Epigenetics of Animal Welfare (GENEWELL)! Podias por favor explicar aos nossos leitores um pouco mais sobre este projecto? 

O plano é estender a nossa actual linha de investigação em genética e epigenética do comportamento em galinhas, mas também abrir uma nova linha de investigação deste tipo em cães. Estou particularmente interessado em aprofundar o conhecimento em bem-estar animal, nomeadamente como é que os animais são afectados por experiências stressantes, como lidam com estes desafios e como a habilidade para o fazer é afectada por factores genéticos e epigenéticos. Tradicionalmente, tem-se focado a pesquisa em bem-estar nas interacções entre animais e o seu ambiente, como por exemplo no que diz respeito às necessidades comportamentais de cada espécie. Estou interessado em perceber como isto é afectado pelos genes do animal, e também como é afectado pela intensa selecção de que os animais são alvo face às condições de produção modernas. Investimos vários anos no mapeamento de genes relacionados com o comportamento, stress e bem-estar em galinhas e queremos agora fazer estudos semelhantes em cães. O melhor amigo do homem tem sido criado para manifestar diferentes comportamentos há centenas de anos, e isto abre uma oportunidade de ouro para encontrar genes relacionados com as diferenças entre as raças. Por exemplo, que mecanismos genéticos fazem com que algumas raças sejam capazes de lidar melhor com situações stressantes, ou para colaborar com humanos? Esta é uma abordagem relativamente nova na investigação do bem-estar animal, e penso que dará uma contribuição fundamental para o nosso entendimento da biologia animal, no seu todo. 

A genética molecular tem sido vista como uma revolução, num certo sentido, em muitas áreas de investigação em ciências da vida. Em muita da investigação biomédica, por exemplo, tem permitido aos cientistas identificar mutações determinantes para certas doenças, bem como criar modelos melhorados destas doenças. Estas ferramentas demoraram mais a entrar na ciência de bem-estar animal. Que importantes descobertas podemos esperar do uso da genética molecular nesta área?

A visão tradicional em Biologia tem sido que os animais nascem com um determinado conjunto de genes estáveis que só se alteram gradualmente e ao longo de muitas gerações pela acção da selecção de mutações aleatórias. No entanto, tem sido cada vez mais evidente que o modo como os genes são expressos e interagem pode mudar ao longo da vida. Ao conjunto de mecanismos que regulam este fenómeno – mudando o modo como os genes funcionam sem contudo alterar a sequência de DNA –chamamos “epigenética”. Penso que podemos ter subestimado até que ponto esta orquestração do genoma é afectada por situações stressantes ao longo da vida, e como isto por sua vez altera a habilidade de um animal de se adaptar a vários desafios. Têm sido demonstrados inclusive efeitos epigenéticos transgeracionais, de modo que o stress numa geração pode afectar descendentes que ainda não nasceram ou eclodiram
 
Espero vir a compreender como mutações, por exemplo aquelas acumuladas durante a domesticação, afectam o sistema de controlo do stress e como os mecanismos epigenéticos podem calibrar e modificar todo este sistema. A relação entre os genes e as interacções ambientais são bem conhecidas em ciência: o modo como um gene em particular afecta o fenótipo depende do ambiente em que o animal vive. Agora queremos acrescentar ao epigenoma e estudar interacções entre três factores: alguns genes podem causar variação epigenética, que por sua vez afectam a expressão génica e tudo isto modela o fenótipo, que depende ainda do ambiente. A maior parte deste trabalho será realizado em galinhas mas, usando cães e a imensa variação entre as diversas raças, esperamos poder encontrar genes e mutações que possam explicar variações no modo como os animais se adaptam a diferentes circunstâncias.

Perguntei acima acerca de importantes descobertas futuras. Podemos no entanto já ter algumas descobertas importantes? 

Sim, sem dúvida. Por exemplo, localizámos nas galinhas dois importantes genes, onde mutações têm vindo a ser seleccionadas pelo processo de domesticação. Ao estudar galinhas portadoras dessas mutações e comparando com o seu antecessor (o galo selvagem) continuaremos a tentar entender todos os seus efeitos fenotípicos. O primeiro gene (TSHR) codifica para o receptor da hormona estimulante da tiróide. Este gene está aparentemente envolvido no desenvolvimento e maturação sexual e poderá afectar o comportamento e a resposta ao stress. O outro gene no qual já estamos a trabalhar codifica para o alfa-adrenoreceptor 2c (ADRA2c). Este é um auto-receptor que calibra a resposta ao stress pelo sistema nervoso autónomo e é possível que desempenhe uma função fundamental na regulação do modo como o stress é experienciado pelas aves. Encontrámos grandes diferenças numa das mais importantes variantes epigenéticas (chamada metilação do DNA), entre galos selvagens (Red Junglefowl) e domesticados da variante White Leghorn. Queremos agora descobrir qual a diferença fenotípica entre estas duas aves. Parece claro que a domesticação levou a enormes mudanças na regulação do genoma, mesmo que as diferenças na cadeia de DNA em si sejam pequenas.

Conferência Internacional em Alternativas à Experimentação em Animais – Dia Dois

O segundo dia seria dedicado inteiramente à temática das alternativas, tendo Horst Spielmann –  uma das pessoas mais respeitadas ao nível mundial na área do  desenvolvimento e validação de alternativas aos testes em animais – ficado encarregue de dar início às “hostilidades”.
Horst Spielman
Spielman fez uma apresentação esclarecedora do caminho até agora percorrido no desenvolvimento de alternativas aos testes toxicológicos em animais, alertando para os mais importantes desafios. De destacar a sua constatação que a harmonização dos testes toxicológicos desde os anos 80 e o resultante fim da repetição dos mesmos salvaram muitos mais animais que todas as alternativas até hoje desenvolvidas.

Enumerou os diversos centros para os 3Rs na Europa, e salientou a importância de desenvolver e validar alternativas para a os testes toxicológicos obrigatórios, cuja esmagadora maioria ainda requer o uso de animais (as alternativas até hoje desenvolvidas correspondem apenas a 3% do uso de animais em toxicologia). A iniciativa REACH, que pretende identificar e caracterizar cerca 30.000 compostos, torna o desenvolvimento destas alternativas ainda mais urgente, abrindo uma oportunidade que é largamente ignorada em Portugal.  Descreveu ainda diversos métodos alternativos, indo desde os testes em culturas de células aos modelos matemáticos para prever a toxicidade (ou a ausência dela, como no Halle’s RC model). Spielman não tem o carisma de Marc Bekoff, ou mesmo de Andew Knight. Contudo, deu à conferência uma contribuição lúcida, científica, pragmática e verdadeiramente informativa, dando-lhe assim credibilidade.  O seu  optimismo é algo contido, mas é, não obstante, optimismo.

De seguida, João Barroso do SeCAM (Services & Consulattion on Alternative Methods, sediado na Suiça) deu uma perspectiva do actual panorama político na UE, relativamente ao uso de animais em testes toxicológicos, e que para os cosméticos estará definitivamente banido a partir do próximo mês de Março deste ano. Foi algo penalizado pela abrangência da apresentação anterior, cujo conteúdo se sobrepôs um pouco à sua apresentação, mas apresentou não obstante vários testes alternativos e o objectivo futuro de integrar estes métodos para um maior valor preditivo.

Paulo J. Pereira (CNC-Coimbra) de seguida  abordou o potencial do uso de modelos in vitro em investigação básica (que representa mais de 60% do total de animais utilizados) e Ana Paula Pêgo (IBMC.INEB) mostrou como as conquistas da engenharia de tecidos na sua aplicação em medicina podem também ser usadas aproveitadas na forma de métodos não-animais em investigação biomédica.

A sessão da tarde focou-se sobretudo no uso de modelos in silico (isto é, modelos informáticos) em biomedicina. A abrir, Vanessa Diaz apresentou a iniciativa Virtual Physiological Human, um ambicioso projecto que pretende avançar o desenvolvimento e integração de modelos virtuais de processos fisiológicos de modo obter uma simulação que permita descrever e prever fenómenos fisiológicos de interesse. Seguidamente, Paulo Paixão centrou-se no uso de modelos informáticos com aplicação em farmacocinética.

Uma associação beneficente que
investe na ciência

Dando aos participantes algum descanso da  complexidade técnica das apresentações anteriores, Andrew Bennett (por troca com Mark Cunningham, que apresentou no 1º dia) apresentou o FRAME’s Alternatives Laboratory que dirige e o trabalho que este vindo a desenvolver nas últimas duas décadas, bem como os seus actuais projectos.  A particularidade deste laboratório, sediado  na Universidade de Nottingham, é ser directamente financiado e gerido por uma associação beneficente, uma abordagem que muitas associações deste tipo poderiam seguir, pondo o dinheiro onde ele é realmente necessário: na ciência e na inovação, sendo assim agentes activos de mudança.

O uso de alternativas ao uso de animais no ensino foi o tema de Nick Jukes, da Interniche e Luísa Bastos (INEB).

Longe de afirmar que um ensino de qualidade de Biologia ou Medicina Veterinária pode ser conseguido sem o contacto com animais, Jukes salientou antes que este deve ser conduzido num contexto natural. Assim, aspirantes a biólogos devem tomar contacto com os animais no seu habitat e os estudantes de Veterinária devem ter tanto contacto quanto possível com o tratamento de animais em contexto clínico, mas não na artificialidade de um
laboratório.

Poster apresentado sobre o Projecto Rodentia

Na sessão de posters apresentei um projecto que se situa um pouco entre estas duas situações, e que colocou em salas de aula de 1º ciclo animais de laboratório em espaçosos e enriquecidos habitats artificiais. Os benefícios didáticos foram diversos e os animais apresentaram-se sempre de boa saúde e bem-estar, o que abre lugar à possibilidade de ceder roedores de laboratório (algo já aqui abordado)  a escolas, desde que não seja necessário eutanasiá-los por razões humanas ou científicas e que sejam devidamente acompanhados.

Confesso que, de todas as apresentações, a de Jukes foi provavelmente a que mais me convenceu, pelo enorme número de argumentos válidos com que reforçou a sua apresentação. No referente ao tema central, mostrou algumas simulações interactivas da dissecação de animais, mas a abordagem com maior potencial que apresentou foi sem dúvida o do uso da realidade virtual no treino de cirurgias, que permite de modo muito realista treinar veterinários nas mais diversas situações, bem como a repetição de  procedimentos sem nunca sacrificar animais.

Luísa Bastos, de seguida, tomou como ponto de partida a crescente utilização de simuladores em ensino Medicina, não só de estudantes, mas também de profissionais. Os dados que apresentou mostraram de modo muito convincente que estes métodos podem ser uma grande mais-valia na formação de médicos veterinários, melhorando o nível de  preparação destes profissionais.

No final destes dois dias, fica desta conferência uma boa impressão do trabalho realizado ao nível nacional e internacional no sentido de diminuir o uso de animais em ciência e no ensino. O que contudo mais sobressai são as actuais limitações neste domínio e o longo caminho ainda por percorrer. Este tipo de eventos dão  um contributo positivo para uma maior consciencialização destes factores e para a colaboração entre as diversas partes interessadas, pelo que espero que as próximas edições sejam mais participadas, de preferência com cientistas das mais variadas áreas, ao invés das mesmas caras do costume. 

Conferência Internacional em Alternativas à Experimentação em Animais – Dia um

Como já anunciado aqui, a Sociedade Portuguesa para Educação Humanitária (SPEdH) organizou em Almada a 26 e 27 de Janeiro  a International Conference of Alternatives to Animal Experimentation. Esta associação que é recente e dependente do trabalho de voluntários, montou uma conferência bem organizada que contou com interessantes apresentações por oradores nacionais e estrangeiros com trabalho relevante.

Marc Bekoff
A conferência abriu com Marc Bekoff, um conhecido etólogo e crítico da experimentação em animais. A sua apresentação, contudo, não se focou muito no uso de animais em ciência, mas antes nas suas emoções, uma vez que “minding animals implies taking care of other animals and attributing minds to them”. Um ponto recorrente na sua apresentação foi insistir que reconhecer vidas emocionais aos animais nada tem de antropocêntrico, uma vez que não estaremos a atribuir características que os humanos têm e os animais não. Deu como exemplos estudos que sugerem que várias espécies animais são capazes de sentimentos como empatia, ou “aversão à inequidade” (um sentido de justiça/injustiça?). Argumenta assim que sabemos o suficiente sobre as características cognitivas, emocionais e (possivelmente) morais dos animais para que os deixemos de tratar como “whats”, mas sim como “whos”.

Sensivelmente metade da sua apresentação centrou-se num tema recorrente da sua investigação, nomeadamente o “brincar” e a importância que esta actividade tem para o desenvolvimento cognitivo, emocional e mental dos animais, bem como a cimentação das relações sociais.

Ao nível da experimentação animal, pintou um cenário que, podendo ser verdadeiro nalguns contextos não considero de todo representativo da actividade científica com animais. Bekoff não é contudo um radical, e aceita que o progresso no desenvolvimento de alternativas – que considera terem uma maior validade científica – seja um processo gradual, e que não vale a pena ditar opiniões “from an ivory tower when there is a real world out there”.   

Andrew Knight apresentando
o seu recente livro
Foi seguido por Andrew Knight, que na sua apresentação resumiu o seu livro “The costs and benefits of Animal Experiments“. Neste defende que a maior parte da investigação com base em animais não se traduz em benefício para os seres humanos, algo que fundamenta nalgumas revisões sistemáticas feitas nos últimos anos. Deu ainda exemplos de algumas drogas testadas em animais e depois comercializadas, mas que tiveram de ser retiradas do mercado pela sua perigosidade para os humanos. Neste lote incluiu a Talidomida, uma droga receitada a grávidas para combater o enjoo mas que causava malformações nos fetos. 

Na generalidade, os dados que apresentou correspondem de facto à informação de que hoje dispomos do valor preditivo dos testes de eficácia de drogas em animais para os seres humanos. Omitiu, no entanto, que estes dados não constituem prova da falta de validade dos modelos animais, mas que são antes   reveladores de experiências mal desenhadas e mal conduzidas, sobrestimação da eficácia das drogas e um enviesamento resultante da publicação de dados positivos pelas revistas científicas, em detrimento de resultados contraditórios por outros laboratórios. Eu não pude deixar de ressalvar isso na sessão de comentários e questões, acrescentando que é  revelador o facto de, das drogas de facto eficazes e seguras no mercado, cerca de metade serem também usadas noutras espécies em medicina veterinária. Comentei ainda que a Talidomida é um caso paradigmático de falta de testes em animais, uma vez que não se tinha verificado a sua perigosidade em fêmeas prenhas. Aliás, e como Horst Spielmann depois acrescentou, foi este caso que levou à obrigatoriedade de extensos testes com animais para aferir da segurança de medicamentos. 

Seguir-se-ia Andrew Bennet, que por problemas com o vôo foi adiado para o segundo dia,  tendo por isso trocado com Mark Cunningham, que mostrou novas e interessantes abordagens in vitro e in silico para a compreensão da epilepsia, provenientes respectivamente de  tecidos e dados retirados de humanos. 

Na segunda sessão – “The new paths of Europe, for Citizenship and Ethics” – Marcelle Holloway, em representação da Comissão Europeia, fez uma resenha da nova directiva 62/2010/EU, e da importância central dos 3Rs na mesma. De seguida, Ana Paula Martins, da DGAV, traçou o passado e actual cenário legislativo e regulador em Portugal, admitindo os atrasos e as várias falhas da autoridade competente na regulação da experimentação animal, fruto de uma crónica falta de recursos e de pessoal. No entanto, e como já o tinha mostrado nas várias apresentações que tenho assistido recentemente, mostra-se optimista quanto ao impacto positivo que as novas regras terão na melhoria das condições de bem-estar animal em Portugal. Não revelou muito sobre o modo como a directiva deverá ser transposta para a legislação nacional (algo que já deveria estar feito em Novembro, mas cujo atraso não é exclusivo para o nosso país), tendo referido contudo que a anterior directiva de 1986 tinha sido transposta sem alterações para a lei nacional. 

O Animalogos representado no ICAEE

Seguidamente, temas como a validação de alternativas pela ECVAM, a disseminação de informação sobre os 3Rs por centros nacionais (algo que Portugal carece) e o Projecto Toxoma Humano foram abordados por, respectivamente, Claudius Griesinger, Daniel Butzke e Mounir Bouhifd.

O dia terminou com as sessões de posters científicos, um deles sendo da autoria dos contribuidores do Animalogos e que, precisamente, fazia referência ao blog como plataforma de debate sobre a questão animal, e o seu uso como recurso didáctico e de avaliação no ensino.

Em conclusão, um dia preenchido e promissor, de um evento que reflecte a crescente preocupação pelo (bem-estar do)s animais usados em ciência. 

Oportunidades de doutoramento em cognição animal

Consequências cognitivas e emocionais de obesidade em ratos   


Universidade de Copenhaga, Dinamarca

Uma vaga para doutoramento orientado por Dr. Dorte Bratbo-Sørensen em conjunto com uma equipa interdisciplinar e no âmbito de um projeto de colaboração universidade-industria. Mais informações aqui e através de e-mail para brat@sund.ku.dk. Concurso aberto até 11 de fevereiro de 2013.

 

Cognição comparativa em canídeos
Universidade de Medicina Veterinária, Vienna, Austria

4 vagas para doutoramento no âmbito do projeto “Understanding the proximate mechanisms for canine cooperation

1. Conspecific and interspecific social tendencies in dogs
2. Prosocial attitudes in dogs and wolves
3. Inequity aversion in dogs and wolves
4. The underlying mechanisms of inequity aversion in dogs

Os trabalhos terão lugar no Clever Dog Lab e/ou www.wolfscience.at e serão orientados por Dr. Friederike Range que também é a pessoa a contactar para obter mais informações e para submeter candidaturas (friederike.range@vetmeduni.ac.at). Concurso aberto até 1 de fevereiro de 2013.

"Quem quer adoptar um ratinho?"

O suplemento P3 do Público noticiou esta semana uma iniciativa do Núcleo de Estudantes de Bioquímica da Universidade do Porto, que pretendem dar para adopção murganhos (ratinhos) e ratos saudáveis usados em aulas.

Uma iniciativa do Núcleo de Estudantes
de Bioquímica da Universidade do Porto

Ainda que sejam apenas anestesiados sem qualquer outra intervenção, não podem no entanto regressar ao Biotério do ICBAS por razões de segurança. Assim, a solução habitualmente utilizada é eutanasiar os animais findo o seu propósito. Esta medida, embora comum, este ano chocou vários alunos, que empreenderam esforços no sentido de serem autorizados pela universidade a procurarem lares de acolhimento para dez destes animais – que os alunos garantem terem sido tratados com o maior respeito pelo seu bem-estar –  como alternativa à eutanásia.

Recentemente, no decorrer da nossa actividade académica, eu e a Anna Olsson temo-nos debruçado sobre a perspectivação da morte dos animais usados em ciência e no ensino como uma inevitabilidade, e se haverá alternativas eticamente preferíveis, como a adopção. 
Murganhos
No página de Facebook desta iniciativa, surge um grande número de candidatos a disponibilizar-se para adoptar apenas um animal, o que revela que conhecem mal o comportamento e biologia destas espécies. Tantos os ratinhos (Mus musculus) como os ratos (Rattus norvegicus, vulgo ratazanas) são  animais marcadamente sociais e que sofrem consideravelmente com o isolamento. Querendo esclarecer esta questão, enviei uma mensagem para o Núcleo, tendo-me sido agradecido o esclarecimento, e informado que quem adoptar os animais receberá aconselhamento de veterinários. 
Os alunos recusaram, contudo, responder a mais questões para este blog, muitas delas importantes para aferir se este tipo de iniciativa resultará de facto num ganho para os animais. Fica assim por esclarecer:
– Quais os critérios de selecção dos candidatos à adopção (serão os “primeiros a chegar”? Os que já tiverem habitats para este tipo de animal? Quem demonstrar conhecimento das reais necessidades destes animais? Quem já tiver experiência no cuidado de roedores?) 
– Como garantir que os animais serão bem tratados? 
– Haverá um acompanhamento da situação dos animais? Por quem? 
– Como garantir que estes animais não se irão reproduzir (desconheço se os animais são todos do mesmo sexo, ou se os alunos sabem distinguir machos de fêmeas para prevenir alojar casais)?
Estas são questões a que urge dar resposta, uma vez que uma acção potencialmente benemérita poderá resultar no comprometimento da imagem da Universidade do Porto relativamente às suas obrigações no campo da bioética e  higiene pública. 

Veterinária e Animais: longe da vista, longe da profissão ?

Texto da autoria de Ana Santos, Bruno Lopes e Leonor Valente
Alunos da Pós-graduação em Bem-estar Animal, ISPA

A utilização de animais – resultando muitas vezes em sofrimento ou morte dos mesmos – continua a ser comum na educação veterinária em disciplinas como cirurgia, fisiologia, bioquímica, anatomia, farmacologia e parasitologia. Nos dias de hoje, em que se sabe que os animais sentem dor e stress (o conceito de senciência animal está, aliás, consagrado na lei da União Europeia desde 1997), parece assim pouco ética a utilização e manutenção de animais para uso exclusivo no ensino, e sua perpetuação, pode estar ligada a uma falta de planeamento e aproveitamento dos recursos já existentes nas faculdades. Este tipo de abordagem tem implicações na formação dos próprios alunos, ao promover uma desvalorização da própria vida dos animais. Tem também um impacto negativo no bem-estar dos animais implicados e nos custos que a manutenção e uso de animais representa para cada faculdade. Substituir este tipo de prática por outras alternativas mais éticas e com resultados de aprendizagem igualmente satisfatórios trará novas oportunidades para professores, beneficiará os alunos, as faculdades, o mercado (explorações pecuárias, clínicas e hospitais veterinários, associações zoófilas) e, não menos importante, os animais.
Tradicionalmente, a profissão veterinária não tem sido a mais activa no avanço do ensino e divulgação das questões de bem-estar animal (Nota do Editor: um papel muitas vezes deixado a organizações como a WSPA). Isto é atribuído em parte à educação inadequada para esta temática durante o curso já que parece haver uma inibição do desenvolvimento da capacidade de raciocínio moral ao longo dos cinco anos de formação. Esta inibição pode ter duas explicações: pode, por um lado, ser devida aos exemplos dados pelos docentes, que em muitos casos não terão tido formação específica em questões de natureza ética e de bem-estar animal, e, por outro, pode também representar uma adaptação que permite aos alunos suportar o stress psicológico resultante do sofrimento causado em seres sencientes e na ausência de motivo aparente.
Algumas das alternativas realistas e que podem ser utilizadas para eliminar a utilização de animais no ensino incluem o recurso a modelos cirúrgicos e programas multimédia. No entanto, e apesar de existirem já várias alternativas que promovem igual ou mesmo maior aprendizagem por parte dos alunos (Nota do Editor: é o caso do simulador de palpação transrectal), continua a existir a necessidade de trabalhar com animais vivos em determinadas matérias. Esta prática não tem de ser eliminada, mas é necessário certificarmo-nos da proveniência, manutenção e destino desses animais. A título de exemplo podemos pensar nas faculdades de medicina veterinária em Portugal, as quais têm um hospital associado à instituição. Se os animais que procuram estes hospitais realmente necessitam de uma intervenção médica poderão ser aproveitados como objeto de estudo para os alunos, sem que se levantem questões éticas adicionais e permitindo que os alunos beneficiem exatamente do mesmo tipo de prática. Isto traz também a vantagem de permitir ao aluno uma noção mais real da prática clinica. Outro exemplo são as associações zoófilas que frequentemente se deparam com a sobrepopulação de animais e a escassez de cuidados médicos dos mesmos. Estes animais poderão também servir os alunos como objeto de estudo suprindo as necessidades das associações.
Na nossa opinião, estes são apenas alguns exemplos que demonstram como a utilização e manutenção de animais com fins exclusivamente educativos se pode tornar obsoleta e desnecessária existindo, no entanto, alternativas para a formação melhorada dos profissionais mais profundamente consciencializados para temas éticos e de bem-estar animal.