E a Catalunha diz não às Touradas

Foto: El Mundo /Afp

A Espanha enfrenta uma cisão histórica. Atrevo-me a dizer que anos de separatismo Basco não foram capazes de dividir tanto a sociedade espanhola como a decisão do Parlamento da Catalunha em proibir, a partir do início de 2012, as corridas de touros no seu território. No vídeo disponível no site do jornal El Mundo podemos ver como a notícia foi recebida na galeria do parlamento catalão: aplausos efusivos de um lado, choro desconsolado no outro. Os comentários a esta notícia ultrapassam já os 2250 e o ano e meio que falta para a lei entrar em vigor promete ser quente com apelos dos pro-taurinos ao Tribunal Constitucional e ao Congresso. Aliás, a contra-reforma já começou, com a putativa iniciativa do PP de fazer das toradas Património Cultural da Humanidade.

Bartoon, Luis Afonso, Jornal Público, 30-07-2010

A decisão catalã não apanha ninguém de surpresa: há muito que se debatia a questão taurina. Mas ela pode ser o início de um ciclo, tal como tem acontecido em Portugal com o crescente número de autarquias a suprimir os espectáculos tauromáquicos nas suas praças. Entretanto, a corrida vai continuar a ser perseguida e acossada porque a sua defesa, em termos de ética animal, é frágil e ninguém parece disposto em reformá-la. Como defendi recentemente num artigo de opinião: “a festa brava encontra-se numa encruzilhada: ou continua surda aos gritos de revolta e assiste imóvel ao crescente mediatismo dos argumentos das organizações zoófilas (…) ou oferece o dorso ao ferro e promove a reformulação de algumas das práticas que constituem a lide.

Não me afirmo aficionado mas também não partilho da opinião dos paladinos dos direitos dos animais de que a tourada representa a barbárie e a tortura. Sei que a abolição catalã vai ser agora usada pelos grupos activistas como um exemplo a seguir por uma sociedade evoluída e humanista. No entanto, considero-me mais um reformista do que um abolucionista e gostava de ver a questão taurina a ser debatida mais ao nível dos consensos do que das imposições legais.

Salvem os "gatinhos-do-mar"!

A propósito do post do Manuel Sant`Ana sobre o site que promove a pesca sustentada, deixo-vos aqui a visão de um grupo activista(-extremista?) sobejamente conhecido e mediático sobre a questão das pescas.

Do lado deles, devo admitir que vejo muita gente ter mais problemas éticos com o consumo de carne que de peixe, ainda que estes sofram provavelmente mais e por mais tempo ao ser pescados (pelo stress, asfixia, desidratação, insolação e/ou descompressão sentidos) que um porco com o abate por exemplo, se feito humana e devidamente.

A PETA-People for the Ethical Treatment of Animals argumenta que a razão pela qual isto acontece se relaciona com a nossa apreciação estética do peixe como um animal. Vai daí, sugerem que deixemos de pensar neles como peixes, mas antes gatinhos-do-mar. E ninguém atravessaria um anzol pela boca de um gatinho, pois não?

Ainda não decidi completamente se isto é um golpe publicitário de génio, ou simplesmente absurdo. Provavelmente, está simultaneamente no limiar de cada uma destas duas visões.

Os “gatinhos do mar” (banner do site http://features.peta.org/PETASeaKittens/

Será o melhor o leitor julgar por si mesmo, acedendo ao site da PETA dedicado a esta causa. A primeira coisa que irá notar, certamente, é o facto de ser deliberadamente orientada para um público jovem, pela grafia, os textos e as histórias sobre estes “gatinhos-do-mar” que disponibilizam.

People don’t seem to like fish. They’re slithery and slimy, and they have eyes on either side of their pointy little heads—which is weird, to say the least. Plus, the small ones nibble at your feet when you’re swimming, and the big ones—well, the big ones will bite your face off if Jaws is anything to go by.

Of course, if you look at it another way, what all this really means is that fish need to fire their PR guy—stat. Whoever was in charge of creating a positive image for fish needs to go right back to working on the Britney Spears account and leave our scaly little friends alone. You’ve done enough damage, buddy. We’ve got it from here. And we’re going to start by retiring the old name for good. When your name can also be used as a verb that means driving a hook through your head, it’s time for a serious image makeover. And who could possibly want to put a hook through a sea kitten?

Darwin e a experimentação em animais – Parte II

Passou já muito tempo desde a minha primeira introdução a este tema.
Retomo agora o mesmo, começando por traçar um retrato de Charles Darwin, muito concretamente no que diz respeito à sua aversão à visão do sofrimento, de seres humanos ou de qualquer outro animal. A terceira parte dirá respeito ao papel de Darwin no debate sobre a vivissecção como partidário dos fisiologistas, algo que alguns movimentos activistas optam por ignorar, quando o citam como sendo anti-vivisseccionista.
Darwin nutria afecto por muitas espécies animais – e muito em particular pelos seus cães – o que não raras vezes levou a que perdesse as estribeiras sempre que via alguém maltratar qualquer criatura. Francis Darwin, seu terceiro filho, relatou vários episódios em que seu pai teria reagido vigorosa e violentamente contra tratamento indevido dado a cavalos, tendo mesmo chegado a saltar da sua carruagem para o fazer. Aliás, Francis falava também sobre o dia em que um cocheiro disse a alguém queixoso pelo atraso de Darwin que se tivesse chicoteado ainda que minimamente o cavalo, o eminente cientista teria saltado da carruagem para lhe dar igual tratamento.
Segundo a sua auto-biografia, Darwin teria já em criança manifestado compaixão pelas minhocas perfuradas por um anzol, um gesto que não repetiria sem antes as matar humanamente, ainda que com prejuízo na eficácia da pescaria (nada nos diz sobre a compaixão pelo peixe). Recorda ainda nos seus escritos ter também em criança voluntariamente maltratado um pequeno cão, pela breve sensação de poder que isso lhe dava, mas não sem que se arrependesse amargamente e para o resto da vida desse episódio. Referia-se frequentemente aos seus cães nas cartas à família, como se de familiares se tratassem, e sobre esta espécie afirmou: “Besides love and sympathy, animals exhibit other qualities connected with the social instincts, which in us would be called moral; and I agree with Agassiz that dogs possess something very like a conscience”
Publicamente reconhecido como um defensor dos animais, tinha ainda uma relação cordial com a conhecida activista anti-vivissecção Frances Power Cobbe, com a qual não só vizinhava durante o Verão, como partilhava interesses comuns, nomeadamente o amor pelos cães. Assim sendo, e tendo rebentado em 1875 a contestação contra o uso de cães em estudos científicos, não tardaria a que esta lhe propusesse assinar a sua petição para intensa regulamentação (e, preferencialmente, a abolição) desta prática. Curiosamente, não só Darwin recusou, como incaracteristicamente tomou parte activa na questão, nomeadamente numa proposta alternativa de legislação para a regulamentação da vivissecção (termo que aliás não gostava, pois englobava quer experiências dolorosas, quer aquelas conduzidas com animais anestesiados).
Que conclusões tirar desta atitude, aparentemente contraditória à sua natureza? As suas cartas dão-nos alguma informação a esse respeito.
Em carta a Ray Lankester (22 de Março de 1871), Darwin afirmou que:
“You ask about my opinion on vivisection. I quite agree that it is justifiable for real investigations on physiology; but not for mere damnable and detestable curiosity. It is a subject which makes me sick with horror, so I will not say another word about it, else I shall not sleep to-night.”

Outro extracto das notas de Sir Thomas Farrer evidenciam como Darwin expressava vivamente essa posição também nas suas conversas:



“The last time I had any conversation with him was at my house in Bryanston Square, just before one of his last seizures. He was then deeply interested in the vivisection question; and what he said made a deep impression on me. He was a man eminently fond of animals and tender to them; he would not knowingly have inflicted pain on a living creature; but he entertained the strongest opinion that to prohibit experiments on living animals, would be to put a stop to the knowledge of and the remedies for pain and disease.”

Daqui se depreende que, tal como muitos de nós, Darwin achava a experimentação animal justificável, dependendo do propósito. Quando este era o avanço do conhecimento da fisiologia, com o intuito de aliviar a dor e sofrimento humanos, Darwin admitia que a experimentação animal era da maior importância, ainda que as experiências muitas vezes conduzidas, em concreto, o fizessem empalidecer.
Ainda sobre as ideias de Darwin, transcrevo aqui algumas frases-chave de uma carta (de 4 de Janeiro de 1875) que enviou à sua filha, a propósito da vivissecção, e na qual me parecem estar alguns pontos essenciais que permitem rebater sem sombra de dúvida a alegação de alguns movimentos activistas pró-animal de que Charles Darwin seria anti-vivissectionista.
I have long thought physiology one of the greatest of sciences, sure sooner, or more probably later, greatly to benefit mankind; but, judging from all other sciences, the benefits will accrue only indirectly in the search for abstract truth.”
Esta é uma verdade ainda nos dias de hoje. Contudo, ainda que os benefícios que advém do conhecimento adquirido pela experimentação animal nem sempre sejam imediatos (ou mesmo os esperados inicialmente), Darwin não via este ponto como essencial ao debate.
It is certain that physiology can progress only by experiments on living animals.”
(Isto já não é tão verdadeiro nos dias de hoje – e o desenvolvimento de alternativas ao uso de animais tem vindo a aumentar – mas era-o, sem dúvida, naquele tempo)
Therefore the proposal to limit research to points of which we can now see the bearings in regard to health, etc., I look at as puerile.”
E aqui temos a razão pela qual Darwin se opôs a assinar a petição de Ms. Cobbe.
I would gladly punish severely any one who operated on an animal not rendered insensible, if the experiment made this possible; but here again I do not see that a magistrate or jury could possibly determine such a point.”
Uma vez mais surge uma questão ainda hoje pertinente. Como demonstrar que há ou não alternativas, ou lugar para a aplicação dos 3Rs, num dado protocolo experimental que contemple o uso de animais?
Therefore I conclude, if (as is likely) some experiments have been tried

too often, or anaesthetics have not been used when they could have been,

the cure must be in the improvement of humanitarian feelings.”
É surpreendente que Darwin tenha feito esta afirmação 84 anos antes da publicação do famoso Principles of Humane Experimental Technique, de Russel e Burch.
Em jeito de remate, a propósito da referida petição:
I cannot at present see my way to sign any petition, without hearing what physiologists thought would be its effect, and then judging for myself. I certainly could not sign the paper sent me by Miss Cobbe, with its monstrous (as it seems to me) attack on Virchow for experimenting on the Trichinae. I am tired and so no more.”

As novas práticas (criminosas) dos movimentos extremistas anti-vivissecção

Recentemente, activistas pró-direitos dos animais nos Estados Unidos têm usado leis como o Freedom of Information Act (FOIA), bem como leis estatais – que determinam que dados sobre as experiências em animais conduzidas nas universidades e outros organismos públicos deverão ser fornecidas por estas a quem as solicitar – como base de fundamentação a ataques dirigidos a cientistas que conduzem experimentação animal no ramo da biomedicina. Estas leis, que promovem livre acesso à informação sobre investigação científica, trazem, em princípio, algo de bastante positivo, mas levantam algumas questões (não relativas a patentes e propriedade intelectual, cujos interesses salvaguarda), como por exemplo o facto de informação não revista no sistema de peer-review possa ser acedida, escrutinada e descontextuadamente tornada pública, por público não-cientista. A falta de formação específica na área e das convicções individuais (ou colectivas, de grupos extremistas) resultem em má interpretação ou uso deliberadamente abusivo dessa informação.

Uma das consequências mais preocupantes deste uso abusivo tem sido a mudança de alvo destes grupos terroristas, que passaram de atacar biotérios e instituições a concentrar os seus ataques a cientistas, e mesmo às suas famílias.

Em resposta a este problema, foi criada uma lista de linhas de acção a tomar por cientistas dos Estados Unidos sempre que requisitados a fornecer informação ao abrigo do FOIA, mas temo que, para a maior parte desses cientistas que trabalham com animais, a vontade de comunicar ao público informação relativa ao seu trabalho seja mínima, por medo dessas interpretações enviesadas e/ou de reacções injustificáveis.

Ainda na semana passada tive a oportunidade de falar num debate com cientistas que trabalham com animais no IGC sobre o facto das posições “anti” e “pró” experimentação animal se terem extremado a um ponto que tornava o diálogo muito difícil, e que deveria partir de nós fazer o que estivesse ao nosso alcance para, com assertividade, clareza, verdade e isenção, informar o público não científico do nosso trabalho e suas implicações. Mas se calhar assumo essa postura porque tenho a sorte de não trabalhar num país onde há grupos onde a ignorância, arrogância, irracionalidade e a violência são os principais factores de identidade e acção, como acontece nos EUA.