Animal actors

Por Íris Pereira, Rita Mouraz e Vanda Marnoto, alunas do Pós-graduação em Comportamento e Bem-Estar Animal, ISPA.


Desde a infância que a publicidade nos cativa. Vem com cores vivas e sons apelativos e molda-nos o desejo. Pelo menos foi com esse objectivo que foi criada. À medida que vamos crescendo vamo-nos tornando resistentes a essa arte que realça as qualidades de um produto, de um serviço, ou até mesmo de uma causa política ou social.

Mas há um ponto sensível em todos nós. A nossa empatia generalizada com os animais gera uma abordagem emocional bastante eficaz. Captam mais a atenção do visualizador do que qualquer figura pública. Como tal, é usual vermos animais de várias espécies serem usados em anúncios publicitários. Por vezes por razões óbvias, como a tentativa de persuasão na compra de produtos para animais, outras vezes sem qualquer ligação directa ao objecto de promoção.


Surpreendentemente, ou não, é possível encontrar publicidade direcionada para os animais de companhia, que estimula os sentidos como a audição, em campanhas de publicidade televisiva, e o olfato, como complemento em campanhas de rua.
Mas o que está por trás deste processo de chamariz sentimental? Será esta utilização de animais o meio mais eficiente e, como tal, justificável? Serão estes “actores” tratados com respeito e mantidos em condições mínimas de Bem-estar, on e off set? Há, no nosso país, quem se dedique ao treino de várias espécies para publicidade, tendo uma vasta experiência nesta área. 
No entanto, para os autores deste post, o usufruto de animais para entretenimento compromete a nossa visão pessoal de Ética Animal, pelo que não concordamos com esta prática. Aliás, com base em exemplos existentes, sabe-se que não é essencial a presença de um animal vivo e real para uma publicidade ter êxito, especialmente em produtos sem qualquer ligação aos mesmos, sendo o papel dos criativos mais significativo para o sucesso da ação. Vejam o seguinte clip como exemplo disto.
Por outro lado, se de facto os animais são utilizados em publicidade, as espécies menos lesadas serão as domésticas (pecuárias incluidas), em oposto às espécies exóticas que não têm condições habitacionais adequadas, argumento que apresentamos com base em experiência própria. Contudo, deve ter-se atenção às ações promocionais, onde até os animais domésticos normalmente se encontram em espaços confinados durante um período de tempo, expostos directamente ao público-alvo. Em Portugal, a legislação já demonstra preocupação com o Bem-estar animal, mas ainda tem espaço para especificar mais as normas, aprofundando os artigos legais que incluem a publicidade, não esquecendo as especificidades relativas às espécies exóticas e selvagens.
E se invertêssemos os papéis? Se colocarmos a publicidade ao serviço dos direitos dos animais, o que muda? Como fazê-lo da melhor forma? A dura realidade é uma arma? Será condenável utilizá-los em contextos desadequados mas compreensível na promoção dos seus direitos? 
A publicidade é um meio eficaz para divulgar os direitos dos animais, denunciar casos de violência, promover campanhas de adopção e de esterilização, alertar para determinadas doenças, como ainda fomentar a preocupação para a preservação de espécies em perigo de extinção e dos seus habitats. 
Consideramos aceitável a utilização de imagens de animais em ambientes naturais, recorrendo de forma sensata à manipulação destas. É extremamente importante ter sempre em consideração que os fins não justificam os meios e transparecer, para a generalidade da população, que os animais não são meros objectos e que o Bem-estar é um direito fundamental. 
Em conclusão, o que é razoável? Até onde podemos “eriçar o pêlo”?

Quem fala com os consumidores?

Aproveito para trazer para Animalogos uma pergunta que coloquei ao Mateus Paranhos da Costa (etologo e zootécnico de São Paulo, conhecido sobretudo pelo seu trabalho com gado bovino e com os produtores e tratadores deste gado) numa discussão no simpósio Animais na Ciência:

Há no mundo um crescente classe média, sobretudo nas economias emergentes como Brasil, India e China, que com condições económicas melhores desenvolve padrões de consumo diferentes. Concretamente, para o que interessa neste contexto, quer comer mais carne.

Face a esta procura crescente, cresce também a produção animal intensiva, ou intensifica-se a produção animal.

Sabemos todos que há problemas com a produção intensiva em termos de bem-estar animal e em termos ambientais.

Perante isto, é suficiente que nós – os profissionais na área de bem-estar animal – trabalhemos junto dos produtores para tentar melhorar as condições dos animais? Não precisamos também de trabalhar com, ou dirigir-nos a, os consumidores, dialogando, explicando que enquanto continuarmos a querer carne barata para todos os almoços e jantares, então será este tipo de produção que vamos ter?

Daquela maneira que muitas vezes acontece nas sessões de perguntas nos congressos, a questão acabou por não ser verdadeiramente discutida. E eu continuo a interrogar-me, como profissional.

O que acham?

O CNECV pronuncia-se sobre a Ética da Experimentação Animal

O Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida emitiu recentemente o parecer 62/CNECV/2011, relativo aos aspectos éticos da Experimentação Animal. Foi com surpresa que tomei conhecimento do mesmo, uma vez que constitui um desvio da habitual linha de intervenção deste organismo, habitualmente dedicado à avaliação dos desafios e riscos apresentados por novos desenvolvimentos médicos e biotecnológicos para a sobrevivência, segurança e dignidade humanas, uma abordagem na linha do conceito de Bioética proposto  por V.R. Potter (1970) (que mais tarde a ampliou), ainda enraizada na Ética Médica clássica.

Tendo a experimentação animal por objectivo o benefício da humanidade e estando os “custos éticos” deslocalizados para outras espécies – habitualmente fora da esfera de consideração do CNECV –  tem este parecer especial relevância, uma vez que, a par com o anterior parecer acerca da biologia sintética, vem alargar a esfera de intervenção do CNECV para outros domínios da “nova” bioética, que abarcam dilemas éticos noutros ramos das Ciências da Vida com consequências ambientais e sociais, como a Ética Animal.

Segundo o CNECV, este parecer foi suscitado pela “crescente consciencialização da generalidade dos cidadãos acerca do valor de que se revestem todas as suas formas de vida e especificamente a vida animal, bem como da responsabilidade que assiste à sociedade na sua protecção“. É ainda reconhecida a pertinência deste parecer, no contexto da publicação da Resolução da AR n.º 96/2010 para criação de uma rede nacional de biotérios e promoção dos 3Rs; e do actual momento, em que Portugal se prepara para transcrever para a legislação nacional a Directiva Europeia que regula o uso de animais para fins científicos.  

Parte assim este documento, à primeira vista, de uma motivação contratualista de obrigação para com os interesses da sociedade (humana!) no tema, mais do que por um sentido de obrigação moral para com os animais; algo perfeitamente legítimo, até considerando as habituais competências do CNECV. Contudo, a apreciação do problema ético deixa transparecer uma consideração pelos interesses dos próprios animais.

Murganho com um gene que afecta o crescimento do pêlo
suprimido (esq.) junto a um congénere  normal (Fonte)

A justificação da experimentação animal é desde logo reconhecida na nota introdutória, sendo este uso de animais referido como o “que suscita mais e melhores argumentos para manter inalterável um amplo e fácil acesso à utilização de animais”. No entanto, consideram ser também o que, “em termos gerais, pode causar mais elevados níveis de dor, sofrimento, desconforto, prejuízo e eliminação de animais”. 

Estas são, na minha opinião, concepções erróneas do actual uso de animais em biomedicina. Por um lado, não creio que a experimentação em animais seja sempre  justificável, nem considero que dar “amplo e fácil acesso” ao uso de animais seja uma política que conduza a uma eficaz implementação dos 3Rs. Por outro lado, muitas  outras actividades humanas obrigam a grande ou prolongado sofrimento dos animais – como a produção intensiva de animais para consumo, ou a lide taurina, entre outros – ao passo que muitos estudos em animais não implicam stress ou sofrimento relevante. Mesmo em  estudos em doenças severas, a implementação de boas práticas de bem-estar pode reduzir consideravelmente o sofrimento dos animais (por vezes ao ponto de não haver sofrimento) e proporcionar melhores condições de vida. Deve-se admitir, contudo, que falta conseguir que essas práticas sejam reconhecidas e implementadas universalmente. 
O documento faz uma breve (e, compreensivelmente, um pouco simplista) resenha histórica do uso de animais como fonte de conhecimento biomédico, da antiguidade até aos dias de hoje, fazendo referência aos movimentos de contestação ao uso de animais e aos primeiros esforços legislativos para a regulamentar. De salientar o facto da manipulação genética surgir como questão eticamente relevante, ainda que não seja assumida uma posição clara para esta questão. 
Mais interessante é a parte dedicada ao contexto socio-político da investigação em Portugal e ao “atraso” do país relativamente à regulamentação e ética da experimentação animal. Este atraso é apresentado como uma oportunidade para “experimentar vias de execução [da nova legislação] que assegurem o bem-estar dos animais que não terão necessariamente que ser rígidas e abrangerem todo o território nacional, mas que podem começar com experiências piloto com a participação, por exemplo, das universidades ou dos Laboratórios Associados” uma proposta que, confesso, não compreendi de todo. 
A problematização ética é de seguida apresentada com clareza, resumida como sendo um conflito entre “o bem-estar dos animais e os benefícios decorrentes da prossecução da investigação científica”. À clássica visão antropocêntrica que vê animais como meios através dos quais os humanos alcançam fins, e não como fins em si mesmos, é contraposta  a filosofia utilitarista de Jeremy Bentham (séc. XVIII), que coloca os animais como merecedores de consideração moral pela sua capacidade de poder sofrer e sentir prazer. É ainda perspectivada a visão (no parecer denominada como “zoocêntrica”, um termo que consideramos não ser apropriado) dos contemporâneos e influentes filósofos Tom Regan e Peter Singer que, não obstante as suas diferenças, apontam para um valor da vida animal que não depende da consideração humana, sendo-lhe intrínseca.  Perante este  conflito entre a necessidade da investigação científica e a protecção dos animais, “realidades distintas, mas ambas percepcionadas como um bem e um valor em si mesmo“, coloca o Conselho como questão prática a necessidade de encontrar um equilíbrio entre estes dois valores
Sem surpresas, os 3Rs de Bill Russell e Rex Burch são apresentados como um compromisso entre estes dois valores e um caminho para o progresso melhorar o bem-estar animal e diminuir o número de animais utilizados, realçando-se o papel preponderante destes princípios na idealização da recente Directiva Europeia (2010/63/UE), da qual descrevem os pontos mais relevantes e reformistas, principalmente para Portugal, consideravelmente atrasado na legislação, regulamentação e supervisão do uso de animais em ciência.

Uma representação do papel dos 3Rs na melhoria do paradigma da experimentação animal
(Fonte: FRAME)
Algo que diferencia documento de outros semelhantes é a análise de alguns pontos da Directiva 2010/63/EU à luz de questões relevantes na ética médica, a qual, sem dúvida, é a área de maior relevância para este organismo. Assim, é realçado o contraste entre a inclusão de animais no último terço do tempo da gestação no âmbito da regulamentação da directiva e a crescente liberalização do aborto, que constituiu uma menor protecção da vida embrionária humana*. Também a crescente restrição ao uso de  animais merece critica do CNECV, caso a procura por alternativas levar a um aumento do uso de células estaminais germinais embrionárias humanas, que levanta questões éticas específicas.

* A mais recente legislação portuguesa (de 2007) permite a interrupção voluntária da gravidez por escolha da mulher apenas até às 12 semanas, e em caso de malformação grave até às 24 semanas, estando a partir daí  (o que inclui o 3º trimestre) todos os fetos viáveis protegidos por lei. Ademais, a directiva não proíbe o uso de formas fetais, mas apenas inclui estas na sua regulamentação. O comentário exposto pela CNECV, assim, parece ser mais uma constatação, em abstracto, do existente contraste entre a crescente protecção da vida pré-natal animal, face à diminuição dessa protecção nos fetos humanos. 

Quanto ao parecer emitido propriamente dito, o mesmo aponta, na generalidade, para a necessidade de uma rápida e eficaz transposição da Directiva 2010/63/EU e dos princípios dos 3Rs consagrados na mesma, propondo algumas medidas que agilizem a sua efectiva aplicação na prática. Sugerem acções do tipo “hard power”, nomeadamente uma maior supervisão e fiscalização de todos os  intervenientes no uso de animais em ciência (prevendo sanções a quem não cumpra a regulamentação) e a recusa de financiamento a quem não der garantias de boas práticas. Como medidas de “soft power”, sugerem a promoção de melhores práticas através de formação para os 3Rs, informar os investigadores sobre a legislação mais recente e consciencializá-los para os aspectos éticos do seu trabalho. 
Estas propostas, em termos gerais, não trazem nada que não esteja já contemplado pela actual legislação europeia, ou que não seja já uma prática corrente nos centros de investigação europeus com melhores padrões de bem-estar animal e que em alguns institutos de excelência em Portugal se tem procurado seguir. Este documento, contudo, vem dar uma voz credível e influente à mudança que urge implementar no país a respeito do bem-estar de animais de laboratório e mais legitimidade aos membros da comunidade científica em Portugal que, através da sua actividade, têm procurado ser agentes activos dessa mesma mudança. 

Ação da PETA em Macau contra tráfico de animais exóticos

Hoje, a PETA (People for the Ethical Treatment of Animals, associação estadounidense com expansão internacional) manifesta-se no centro histórico de Macau para alertar turistas sobre a pegada ecológica e ética de produtos de pele de cobra e de outros animais.

Ver a notícia no Macau Daily Times e SIC Notícias.

Bem-estar animal na China

Os dois posts mais vistos do Animalogos abordam bem-estar e protecção animal na China. Mais sobre este tema num recente artigo, Policy and practice: The ongoing struggle to enforce animal welfare regulation and implement animal welfare law in China, escrito do ponto de vista de experimentação animal mas com relevância mais generalizada.

A fundação da Sociedade da Declaração de Basileia (Parte III)

Embaixada Suiça em Berlim

Ver Parte I e Parte II desta notícia.

O evento principal desta conferência foi a formação de grupos de trabalho para abordar questões específicas, de modo a redigir textos que servissem de referência a cientistas que pretendam adoptar os princípios da declaração de Basileia. Cada uma destas declarações foi levada a apreciação e votação em plenário, incluindo aquela em que participei (“Avaliação de Severidade”). Esta apreciação em plenário  levou à revisão de cada declaração de modo a torná-las mais claras, concisas, relevantes e de aplicação mais fácil e mais universal (a Declaração é de carácter global, não se restringindo ao espaço europeu).   Na manhã seguinte, cada um deles foi apresentado aos media em conferência de imprensa na Embaixada Suiça (onde, aliás, tinha decorrido o jantar da noite anterior, no qual fomos recebidos pelo embaixador). As declarações disseram respeito aos seguintes tópicos:

Transparência e Publicação –  Como parte integrante da sociedade, têm os cientistas a responsabilidade de divulgar os avanços científicos ao público, sendo o diálogo aberto entre as duas partes a base para a confiança na ciência. Todos os resultados (positivos, negativos e inconclusivos) obtidos de acordo com as boas práticas científicas são importantes e a sua publicação permite evitar duplicação não-intencional de experiências. Uma vez que cientistas publicam em revistas especializadas e em jargão técnico, devem comunicar também de modo acessível ao público, devendo esta ser uma política explícita em institutos de investigação e universidades. 

Os 3Rs – É ressalvada a importância dos 3Rs que são, aliás, parte integral da investigação feita em  ciências da vida. Este texto urge os cientistas a comprometerem-se no avanço do conhecimento, divulgação e implementação dos 3Rs, apresentando algumas medidas para a consecução desse objectivo. 

É cientificamente justificável classificar 
a priori a modificação genética como 

“severa”, se não resulta em mal-estar?

Classificação da Severidade –  A avaliação contínua dos animais é essencial para aferir o impacto dos procedimentos nos animais e para uma melhor definição e aplicação dos “humane endpoints”, razão pela qual é recomendada inclusive a cientistas a quem tal não é exigido nos seus países. São ainda avançadas  propostas para a classificação da severidade que não estão contempladas na directiva 2010/63 ou na legislação de outros países não-comunitários. 

Educação e formação – Para além do treino em manuseamento dos animais, a formação contínua em tópicos como desenho experimental, ética ou pesquisa em bases de dados – bem como a certificação dos cientistas nestes domínios – são também essenciais para a melhor  implementação dos 3Rs, devendo haver esforços no sentido de harmonizar quer as competências necessárias, quer os critérios que as definem. 

Comunicação com o público – Sendo este o ponto mais crucial na Declaração de Basileia, o tema foi de novo alvo de reflexão, tendo sido apresentadas novas propostas concretas para melhorar a comunicação entre comunidade científica e população, algo cuja responsabilidade deve recair não só nas instituições, mas também nos cientistas ao nível individual. Urge também a criação de organizações de âmbito nacional para o efeito. 

Face a esta Declaração, e aos desenvolvimentos decorrentes, levantam-se algumas questões: 

  • Devem os institutos/universidades portugueses subscrevê-la e seguir as suas recomendações? 
  • Quais os benefícios?
  • Quais as desvantagens? 
  • Que obstáculos tem as nossas instituições (políticos, económicos, culturais, de formação…) para a  consecução dos objectivos que propõem a Declaração de Basileia? 

A fundação da Sociedade da Declaração de Basileia (Parte II)

O tema da conferência Pathway to more Transparency in Animal Research reveste-se da maior importância para o público e legisladores, sendo também o ponto mais crucial da Declaração de Basileia. A escolha da Alemanha para esta conferência revestiu-se de especial significado, uma vez que foi o único país que se absteve de aprovar a nova directiva comunitária que regula o uso de animais em ciência, como faz questão de salientar a Nature deste mês. 
Sendo a Declaração uma iniciativa de (e para) cientistas, e dadas as circunstâncias que a incentivaram, não me estranharia que o tom desta conferência fosse o de um apelo à união da comunidade científica “contra” os seus “adversários”. Contudo, ao longo das sessões da manhã, no decorrer dos grupos de trabalho e no plenário final, era fácil de constatar que a preocupação pela elevação dos padrões de bem-estar animal e do aumento da transparência na comunicação do uso de animais é não só genuína como também encarada como o melhor caminho para a credibilização da comunidade científica. 

Prof. Stefan Treue
Isto ficou logo patente no discurso de boas-vindas do Prof. Stefan Treue, director do German Primate Centre e uma voz crítica do  clima de restrição ao uso de primatas que se viveu na Europa (mais por razões políticas que científicas) e do qual foram exemplos os primeiros esboços da proposta de directiva, altamente penalizadora da ciência (e entretanto refinada, graças aos esforços de investigadores na indústria e academia) e o chumbo de propostas de investigação em primatas na Alemanha Suiça (com base na “falta de aplicabilidade directa” dos estudos). Treue salientou a importância da formação dos cientistas para a consecução dos objectivos de Basileia e relembrou o risco inerente na divisão, sempre falaciosa, da investigação biomédica em “básica” e “aplicada”. Até porque há a percepção, da parte de políticos, entidades financiadoras e do público que esta divisão seja do tipo investigação “má/boa”, “desnecessária/útil”, “rentável/desperdício”. 

Prof. G. Heldmaier
De seguida, o Prof. Gerhard Heldmaier, na sua apresentação “Tranparency: Risk or opportunity” fez questão de destacar  a transparência como o principal pilar da Declaração de Basileia, sendo que a mesma se deveria reflectir quer na comunicação entre a comunidade científica, quer na comunicação com o público. 
Prof. Richard Bianco
Esta transparência, contudo, na perspectiva do Prof. Richard Bianco (University of Minnesota) ainda que algo  muito positivo, não deveria equivaler a ingenuidade. Bianco, que apresentou a sua “Transatlantic Perspective on the Basel Declaration – The 3Rs in experimental surgery”, ilustrou-o com o seu caso pessoal, já que a mesma apresentação nos EUA não seria possível sem a presença da  polícia no auditório, pois já tivera sido ameaçado de morte duas vezes. Acontece frequentemente que a informação fornecida por institutos e universidades – ao abrigo de políticas como o Freedom of Information Act do Reino Unido –  seja apresentada por activistas de modo descontextualizado e usada para atacar essas instituições. Isto poderá acontecer  porque uma parte considerável da população não estabelece imediatamente a ligação entre os avanços médicos dos quais beneficia e a investigação em animais que leva a esses avanços, sendo assim vulneráveis à manipulação por activistas da causa animal, sem perceber as consequências que o fim do uso de modelos animais acarretaria. Não obstante, os cientistas consideram as políticas de transparência benéficas, dado  o seu potencial para esclarecer o público das razões que motivam o uso de animais em biomedicina, algo que para a maioria da população legitima essa prática (ver dados do Eurobarómetro). 

Bianco apresentou o trabalho da sua universidade em modelos animais de procedimentos cirúrgicos em cardiologia – que deram origem a tecnologias e terapias com aplicação na medicina humana e veterinária –  salientando, contudo, a importância dos métodos não-animais como modo de preparar e reavaliar os testes em animais e humanos. Fez também um apelo à pro-actividade da comunidade científica, que frequentemente apenas age em reacção aos ataques de activistas, propondo ainda que se repensasse o uso do termo “experimentação animal”, já que “when the methodology becomes the focus, many research disciplines can be targeted as controversial“, proposta que teve eco  no trabalho desenvolvido nesse dia. 

Susanna Louhimies
De seguida, a Dr. Susanna Louhimies veio dar a perspectiva da União Europeia relativamente à Declaração de Basileia, face à nova legislação comunitária. Foi com surpresa que a ouvi dizer que o objectivo último da Directiva é a total substituição do uso de modelos animais, algo que reconheceu não se vislumbrar possível, neste momento. Louhimies alinhou os objectivos da declaração de Basileia com os da Directiva, nomeadamente a elevação dos padrões de bem-estar animal, do aumento da transparência e da promoção dos 3Rs. Deu ainda ênfase à necessidade da avaliação do impacto nos animais antes, durante e depois do decorrer dos estudos, bem como da obrigatoriedade de aplicação de refinamento não só nos procedimentos, mas também no alojamento e manutenção dos animais. No final, apelou a investigadores e activistas pelos direitos dos animais a verem a nova legislação como uma oportunidade para trabalharem em conjunto para melhorar o bem-estar animal. 

Prof. Michael Hengartner,
no encerramento da sessão da manhã
A apresentação oficial da Basel Declaration Society –  constituída legalmente três semanas antes do evento – ficou a cargo do Prof. Michael Hengartner. Hengartner fez um apanhado do progresso efectuado no último ano (constante no relatório anual), e deu a conhecer a publicação “Mice times”, uma publicação bianual gratuita que é publicada desde a Declaração de Basileia (primeirasegunda e terceira edições já disponíveis), sendo uma iniciativa conjunta desta organização e da associação Forschung für Leben. Esta publicação dedica-se a divulgar avanços terapêuticos e no conhecimento em medicina com base em investigação em modelos animais. No final,  constatou que “a year ago we were asked how a piece of paper was supposed to change practices but today we can show that the declaration is a living commitment“.


A fundação da Sociedade da Declaração de Basileia (Parte I)

Há quase um ano atrás, apresentei pela primeira vez neste blog a Declaração de Basileia, uma iniciativa de investigadores em biomedicina do mundo académico e da indústria. Esta declaração apela a uma maior confiança na comunidade científica empenhada no progresso biomédico e a um compromisso da parte dos seus signatários (e nos quais me incluo) por maior transparência e divulgação da investigação realizada com modelos animais, bem como pelo cumprimento escrupuloso do princípio dos 3Rs (Replacement, Reduction, Refinement).
Aquando da conferência que deu origem à Declaração – Research at a crossroads – os signatários apresentaram declarações de princípios, relativas a pontos sensíveis no uso de modelos animais em biomedicina:
Investigação mais humana, mais
relevante e mais transparente
Humans and Society” – A importância histórica e actual do uso de modelos animais para o progresso biomédico e em medicina veterinária.
Law and Ethics” – A necessidade de fundamentar a lei com o conhecimento científico e princípios éticos aplicáveis, bem como de não excluir a admissibilidade do uso de animais em investigação básica (não só pela dificuldade de estabelecer a fronteira com a investigação aplicada, mas sobretudo pela interdependência destas)
Primates” – Da importância e actual necessidade da investigação em primatas não-humanos, do compromisso necessário para a salvaguarda do seu bem-estar, da não restrição do seu uso a certas categorias de investigação (básica vs. aplicada) e da urgência em comunicar e debater estas questões com o público.
Transgenic Animal Models” – Dos benefícios que resultam da modificação genética na busca de melhores modelos animais, num momento em que existe ainda um enorme número de doenças para as quais as terapias existentes são insuficientes. É ainda salientado o papel que o uso de modelos mais refinados (e de animais GM não-mamilianos)  na persecução dos princípios dos 3Rs.
Communication” – É este um dos pontos fundamentais do compromisso da Declaração de Basileia. Face à crescente contestação da legitimidade e utilidade do uso de modelos animais em biomedicina – e em contraste com os benefícios que dela advém para os humanos – tem que haver um maior esforço da parte da comunidade científica no sentido de esclarecer o público, comunicar com os media e colaborar com os legisladores. É feito um retrato do problema e das iniciativas a tomar para o resolver.

Berlim recebeu a primeira conferência
da recente Basel Declaration Society

A Declaração de Basileia foi até agora subscrita por quase 1000 investigadores, um aumento muito significativo para apenas um ano desde a sua apresentação, mas ainda longe do objectivo de a tornar uma referência ao nível global. Esses e outros temas foram debatidos no dia 17 de Outubro de 2011, em Berlim, uma conferência que reuniu mais de 80 investigadores da academia e indústria de vários países  e na qual participei. Nesta conferência – A Pathway for more transparency in Animal Research – foi apresentada a recém-formada Sociedade da Declaração de Basileia, cujo propósito é “consciencializar o público para a importância do uso de modelos animais em investigação biomédica, promover uma melhor comunicação entre cientistas e população e expandir a aceitação da Declaração de Basileia”.

Numa altura em que os estados-membros começam a preparar a transposição da directiva 2010/63/EU para a sua própria legislação (a fazer até 2013), foi bastante positivo que estivessem também presentes Susanna Louhimies, Directora Geral para o Ambiente da Comissão Europeia e principal responsável pela nova directiva e Elisabeth Jeggle, Eurodeputada e Relatora da mesma.

Nos posts subsequentes, tratarei de dar conta do trabalho resultante da conferência de Berlim e dos objectivos traçados pelos investigadores para melhorar o bem-estar animal, a comunicação com o público e a aceitação do uso de modelos animais para fins biomédicos. 

Animais desnaturalizados?

Acabamos de chegar de um workshop sobre ética animal nos Açores, onde dois de nós tivemos a oportunidade de debater uma série de assuntos relacionados com os animais na nossa sociedade contemporânea. Em total, mais do que 70 pessoas participaram nos dois shows’ (um na Terceira e outro em São Miguel) e o evento foi realmente um grande sucesso, com muitos debates entusiastas e inteligentes. Como é sempre o caso num bom encontro de filosofia e de ciência, há discussões que não terminam, perguntas que continuam a pedir respostas, e algumas destas esperamos trazer para o animalogos.
Os quatro tipos de interações humano-animal discutidos no workshop trazem discussões bastante diferentes. Nos dois temas abordados por nós – produção intensiva e experimentação animal – há uma tensão evidente entre interesses humanos e animais. Isto também se aplica ao terceiro caso – gestão da caça e da vida selvagem – embora aqui se trate de curtos encontros mais do que de uma duradoura convivência. (Esperamos voltar mais tarde a este tema, no workshop abordado pelo Nathan Kowalsky da Universidade de Alberta, Canadá).
O caso de animais de companhia difere dos outros três de várias maneiras. Primeiro, o contacto entre humanos e animais é muito mais próximo e duradouro. Falamos de indivíduos que vivem sob o mesmo tecto, às vezes até dormem na mesma cama. Segundo, se há uma tensão entre os interesses, é muito menos óbvio em que consiste. Afinal de contas, seria de esperar 1) que as pessoas mantenham animais porque tem amor por eles, e 2), uma vez que os amam querem o melhor para eles. Então, qual é realmente o problema, se houver um?

Inspirados nos problemas levantados por um dos outros oradores no workshop, Professora Maria do Céu Patrão Neves, da Universidade dos Açores, elaboramos a seguinte lista de situações de potenciais controvérsias com seres humanos e animais de companhia.

Convidamos os leitores a pensar sobre cada uma delas. Existe um problema? Se afirmativo, em que consiste e para quem é um problema?
  1. um gato que se chama José e uma gata que se chama Maria
  2. um cão que dorme na cama do dono
  3. um cão que está sempre no quintal sem nunca interagir com os donos que apenas o mantêm (e do qual têm medo)
  4. um periquito que está numa gaiola na cozinha
  5. um casal em processo de divórcio que pede para eutanasiar o gato que tinham oferecido, entre si, como prenda de casamento
  6. cães que devido à preferência para determinadas características estéticas de alguma raças sofrem de graves problemas de saúde
  7. um casal que depois de um divórcio partilha a guarda da cadela que compraram quando casaram
  8. um cão que veste um gabardina quando passeia num dia de chuva
  9. um cão que apenas sai do apartamento no domingo e só se estiver bom tempo
  10. um cão vegan
  11. um husky siberiano num apartamento de 70 m2
  12. uma decoradora de interiores que usa corante de cabeleireiro para que o caniche fique a combinar com o sofá

Animalogos no Ensino

O Animalogos está a preparar-se para poder prestar apoio a professores em todos os níveis de ensino que queiram abordar os tema do bem-estar e ética animal nas suas aulas.

Está interessado? De que forma e para que nível de ensino? Precisamos de ouvir a sua opinião para poder ajudar melhor – contacte-nos através de olsson@ibmc.up.pt!

Para os residentes no Grande Porto, temos também um programa de visitas de escolas ao IBMC, onde é dada (aos alunos do 9º ano e Secundário) uma introdução teórica ao tema seguida de debate sobre o uso de animais na investigação e os aspectos éticos relacionados. Pode saber mais sobre as visitas e inscrever-se aqui.