Este livro propõe como tema a ideia do vegetarianismo estar longe de ser moralmente perfeito, e de como isso não serve como uma desculpa para a maior parte de carne que a maioria de nós come. Assim vale a pena ler, seja qual for a dieta preferencial de cada leitor – e quem preferir uma versão curta da crítica deste livro, pode parar de ler por aqui. Mas neste caso, leia o livro (ou pelo menos os seus primeiros cinco capítulos).
Tom Milligan é Honorary Research Fellow em Filosofia na Universidade de Aberdeen, e esta a sua reflexão sobre o consumo de carne é publicada na série “Think Now” (da editora Continuum) de “livros acessíveis que examinam problemas-chave da sociedade contemporânea de um ponto de vista filosófico”. De facto, o livro de Milligan encaixa perfeitamente nesta descrição; a sua escrita clara e bem fundamentada proporciona uma leitura agradável e intelectualmente estimulante.
A problemática da ética animal ocupa uma posição central, mas não é a única perspectiva considerada. Sendo ele próprio vegan, Milligan não considera a perspectiva padrão dos direitos dos animais como a única relevante para uma escolha moralmente guiada das nossas opções alimentares. O seu conceito da alimentação reflecte a abrangência da sua análise: “it involves things of the following sort: enjoyment in and through food, nutritional appropriateness given the condition that we are in; a degree of honesty about what we are eating; some rudimentary knowledge about how our food was produced; eating in a way that enriches our relations with other humans (e.g. it should not involves habitual solitary consumption); eating in a way that is consistent with our values and/or expresses those values; having values that are themselves of a reasonable and defensible sort; eating in a way that involves a practical awareness of the importance of other humans, other creatures and our shared environment” (página 20)
Dos cinco capítulos dedicados ao consumo de carne, o primeiro de todos, “The Depth of Meat-Eating”, oferece um olhar geral e serve de introdução ao tópico. No capítulo 2, “An Unwritten Contract”, explora a ideia de que a agro-pecuária e o consumo de carne oferecem um bom “contrato” aos animais, como grupo, na medida em que lhes permitiu que prosperassem, em número. Por um lado, é um fraco negócio para os animais que pagam pela protecção e alimento com a sua morte precoce, e que por vezes é precedida por uma vida que não vale a pena ser vivida. Por outro lado, em condições que proporcionam uma vida que valha a pena ser vivida, o argumento de que de outro modo estes animais não teriam sequer existido é muito forte. Isto deixa-nos com uma situação “in which rival considerations can be balanced up against each other but no single consideration obviously trumps the others. On the one hand, the opportunity of life argument does real work (…) to give some justification for ethically informed meat-eating. It is the means by which animals come into existence and enjoy some approximation to a good, if short, life. (…) Ethical vegetarianism, on the other hand, might better save the interests of already existing creatures” (página 40)
“Vegetarianism and Puritanism” (Capítulo 3) analisa a possibilidade de que a recusa ao consumo de carne possa ser motivada por algum tipo de puritanismo. Isto não só inclui a ideia de abandonar algo potencialmente desfrutável (este não parece ser o caso para a maioria dos vegetarianos e vegans), de não ingerir algo “sujo” ou alguma maneira prejudicial ao corpo (historicamente verdadeiro; até certo ponto também presente nas motivações contemporâneas), bem como a ideia de manter as mãos limpas do sangue derramado pelo abate dos animais, o que é parcialmente verdade, ainda que “there will always be a blood price to pay for a harvest. The numbers of animals inadvertently killed through harvesting can be reduced with caution (…) but the taking of animal lives cannot be avoided. Recognition of this is a matter of acknowledging that the presence of we humans as part of our planetary eco-system is always, to some extent, at the expense of other creatures. And this is one of the many things that vegetarians, vegans and carnivors have in common” (páginas 62-63).
O capítulo 4, “Diet and Sustainability”, foca-se nos aspectos ambientais das diferentes aspectos que envolvem as diferentes opções alimentares. Milligan considera que a produção de carne actual deixa uma pegada ecológica inaceitável, mas também que há terreno que só pode contribuir para a alimentação humana atraves de produção de carne e leite de animais de pastoreio. Tendo em consideração todos os factores (tanto quanto a complexidade do problema o possibilita), Milligan admite que uma dieta contendo pequenas quantidades de carne de origem local e produzida com respeito pelo ambiente, poderá ser tão ou mais sustentável que uma dieta vegetariana. Mas de imediato observa não ser esta a dieta típica de um consumidor de carne, e que “(t)here is just as much danger that the sheer possibility of an eco-friendly carnivorous diet may be used as a stalking horse to provide dubious justification for widespread carnivorous practices that are not nearly as eco-friendly as their practitioners may assume” (página 84). O valor ecológico do consumo limitado de carne, é a razão pela qual o veganismo, como opção universal, poderá ser “The Impossible Scenario” (Capítulo 5), mas que um vegetarianismo universal, que permita alguma produção animal, poderá ser mais exequível.
Apesar da capa nos mostrar o processo de triagem de salmão (selvagem?) capturado em Vancouver, o livro é na realidade centrado na alimentação humana através da produção agro-pecuária. Millingan faz um trabalho excelente na análise desta actividade, tendo em consideração uma grande diversidade de factores. Infelizmente, os capítulos 6 e 7 (sobre a posse de animais de estimação e experimentação animal) não estão ao mesmo nível do resto do livro e, dado estes temas estarem apenas indirectamente ligados ao tema principal, não fica de todo claro por que razão foram incluídos. A sua omissão numa futura edição tornaria este livro uma pequena mas brilhante discussão do consumo de carne que poderia ser uma leitura obrigatória para todos os estudantes universitários em cursos ligados à produção animal.
Traduzido do inglês por Nuno Franco.