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| O produtor junto a um animal em cadavérico, prestes a morrer. (Fonte:Jornal de Notícias) |
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| Versão impressa da notícia de 20/07/2012 |
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| O produtor junto a um animal em cadavérico, prestes a morrer. (Fonte:Jornal de Notícias) |
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| Versão impressa da notícia de 20/07/2012 |
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| Foto de Gonçalo Rosa. A estória do encontro é contada no site Wilder |
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| O local onde foram encontados (a) uma fêmea juvenil (b) e um macho adulto. Fotos tiradas pelos investigadores com câmaras de infra-vermelhos. (Fonte) |
Face ao recente artigo sobre a eutanásia de uma ave rara durante uma expedição científica, não posso deixar de louvar a equipa do Laboratório de Ecologia Aplicada da UTAD por ter devolvido os espécimes recolhidos à Natureza, não obstante esta espécie não estar, ao nível global, ameaçada. Nas palavras da investigadora Hélia Vale-Gonçalves:
“Capturámos dois animais, um macho adulto e uma fêmea juvenil. Fizemos medições, pesagens, tirámos amostras de tecido e observámos a coloração do pêlo. Os animais foram libertados no mesmo local, junto às armadilhas.”
Ciência com consciência, portanto.
Nota: Podem ser encontrados bons artigos na imprensa sobre esta descoberta e o seu significado, no jornal Público e no site Wilder.
Esta semana a TAP-Air Portugal retweetou este tweet da PeTA:
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| Protesto em Vancouver, em 2012 (Fonte: Nature) |
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| Protesto contra a United Airlines . |
Seja qual for a razão que levou a este acordo, o que isto significa é que se pode interpretar que a TAP considera a caça de animais ameaçados moralmente equivalente ao transporte de animais criados propositadamente para uso em investigação biomédica, isto é, para dar resposta a doenças que causam sofrimento e morte de milhões de humanos e outros animais.
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| Falta de discernimento? |
Associar causas quase consensuais (como o combate ao tráfico ilegal de animais) à experimentação animal é uma estratégia recorrente da PeTA e de outros grupos animalistas, tentando com que o público considere ambas igualmente meritórias de censura. Outra estratégia comum aqui também presente é explorar o facto do público se opor mais fortemente ao uso de primatas e animais de companhia do que ao uso de roedores. Por essa razão, e ainda que nenhuma espécie de primata ou animal de companhia seja usada em Portugal em investigação (e em toda a Europa representem juntas uma percentagem ínfima do total de animais usados, com total proibição do uso de grandes primatas), são estas as espécies usadas em propaganda política contra o uso de animais, no nosso país.
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| O bem-estar dos primatas usados em investigação é cada vez mais uma prioridade (Fotos do California National Primate Research Center) |
Apesar de serem usados em pequeno número, os primatas são fundamentais para a compreensão de doenças que afectam quer humanos, quer os próprios primatas na natureza, como o HIV (e vírus semelhantes) ou o Ébola, e para o desenvolvimento e teste de vacinas e terapias para as mesmas. E apesar das limitações ao transporte destes, ou de outros animais usados em ciência, poderem até certo ponto ser colmatadas por criação in situ, em muitas circunstâncias é logisticamente proibitivo, e em qualquer caso levará a um aumento considerável do número de animais em laboratórios e ao custo destes estudos. Em todo o caso, parece que o acordo a que a TAP anuiu inclui todas as espécies animais, desde que o seu destino seja o uso em ciência, alheios aos nível de cuidados prestados, que vai frequentemente além do que beneficiam os animais de companhia que transportam.
Em suma, sou o primeiro a admitir que o uso de animais em ciência é cientifica e eticamente complexo, mas considerá-lo equivalente ao tráfico de barbatanas de tubarão ou de presas de elefante é de uma profunda desonestidade intelectual. Nada a que não esteja habituado.
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| Casal de A. bougainvillei Fonte: Wikipedia Commons |
A ave em questão é um Actenoides bougainvillei, chamada Mbarikuku para os indígenas e Moustached Kingfisher em inglês (em português será qualquer coisa como “Martim Pescador de Bigode” ou “Guarda-rios de Bigode”), sendo endémica da ilha de Guadalcanal e estando classificada pelo IUCN como “vulnerável”.
Esta foi a primeira vez que um exemplar vivo de um macho foi fotografado, tanto que a imagem que neste momento ainda ilustra a sua entrada na Wikipedia é um desenho de 1905 de um casal de uma variedade próxima, pertencente à mesma espécie, mas de uma outra ilha. É o próprio Filardi, aliás, que o descreve como uma “ave fantasma”, no seu blog de campo, onde as circunstâncias da sua descoberta e captura – proeza que tentava alcançar há 20 anos – são relatadas.
A origem da polémica centra-se no facto de, após a captura, os cientistas terem eutanasiado a ave (não sei através de que método) para a integrarem na colecção do museu. Segundo os mesmos, isto permite que o estudo da espécie se prolongue e aprofunde além do número limitado de dias da expedição, permitindo recolher informações sobre o seu genoma, anatomia, dieta, fisiologia, plumagem ou a exposição a substâncias tóxicas.
Esta decisão parece baseada numa perspectiva de “respeito pela natureza” onde o valor de um animal não-humano, como indivíduo, se dilui face ao da sua espécie e ecossistema, uma perspectiva que é transparente nas declarações do cientista.
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| Filardi, momentos antes de eutanasiar a ave para a adicionar à colecção de espécimes do Museu Americano de História Natural |
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| O “guarda-rios de bigode” em questão. |
Esta prática tem, no entanto, detractores mais insuspeitos no seio da comunidade científica, como patente neste artigo de opinião na revista Science. Já Filardi, na sua resposta às críticas de que foi alvo, assegura que a decisão tomada no local não foi tomada de ânimo leve, e que teve por base o número de indivíduos que conseguiram estimar (~4000 indivíduos, um número que consideram robusto para uma ave insular), através de um método que, a julgar pelos comentários à sua resposta, não é consensual.
A questão, assim, impõe-se: esta prática não poderá constituir, em si, uma ameaça à preservação da espécie? Para lhe dar resposta pedimos a opinião do Prof. João Alexandre Cabral, biólogo/ecólogo, professor associado na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), coordenador científico do Laboratório de Ecologia Aplicada da UTAD e investigador no CITAB, e que aqui partilhamos:
“Partilho da perplexidade da generalidade das opiniões expressas a propósito desta controvérsia, particularmente no que respeita a este bizarro e extemporâneo ímpeto coleccionista, que nos faz regressar aos paradigmas de um passado “Vitoriano”. À primeira vista, parece ser um acto completamente injustificado e negligente, que encerra uma potencial ameaça para o estado de conservação (desconhecido) das populações de Guarda-Rios de Bigode. Considerando que quase nada se sabe sobre os requisitos ecológicos desta espécie, do seu efectivo e condição dos seus indivíduos, bem como sobre o nível de ameaça aplicável às respectivas populações, então estamos perante um indesculpável acto de irresponsabilidade, incompatível com uma investigação que se presume ética e respeitável.”
Eu tendo a concordar.
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| “When mice mislead” (Fonte: Science) |
Isto tem sido particularmente notório no teste de eficácia de drogas experimentais, levando a que um grande número de ensaios clínicos seja baseado num corpo de ‘evidência’ distorcido, onde o efeito terapêutico é sobre-estimado. Assim, os ensaios em humanos – que habitualmente seguem padrões de exigência bastante superiores – não reproduzem os promissores resultados previamente obtidos em animais, muito provavelmente porque estes eram falsos-positivos logo à partida.
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| O ALS Therapy Development Institute re-testou, seguindo elevados padrões metodológicos, mais de 50 drogas aparentemente promissoras em animais mas que tinham falhado em ensaios clínicos. A conclusão foi que, afinal, o seu efeito terapêutico tinha sido originalmente muito exagerado (Fonte: Nature) |
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| Pode esquematizar desta (ou de outra forma) o seu estudo, e o EDA vai dar sugestões para o melhorar. |
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| Um workshops dirigido a cientistas, jornalistas e comunicadores de ciência. Mais informação aqui. |
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| Rat Park – Um estudo clássico que contribuiu para mudar o modo como vemos a adição às drogas. |
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| O “Orvillecopter”(Fonte) |
Mas que dirá um apologista dos direitos dos animais, à laia de Tom Regan? Têm os animais direitos sobre os seus próprios cadáveres? A ser o caso, o consumo natural destes pelos necrófagos e outros decompositores não constituiria uma violação destes direitos? Confesso que tenho alguma dificuldades com o conceito de dignidade intrínseca dos animais, até porque o próprio conceito de dignidade humana é uma construção social, que valorizo muitíssimo, mas não é natural e intrínseca à espécie humana ou a qualquer outra (não me parece que o Universo se importa com tal conceito, ou com qualquer outros), no meu entender. E se para um ‘bem-estarista’ (não gosto muito de rótulos, mas vou usar este aqui, como faço amiúde) como eu, que se preocupa com a qualidade de vida dos animais (vivos), o conceito de dignidade animal é vago e quasi-esotérico, que dizer do de um cadáver?
Foi postado recentemente no blog Aventar um post do professor de história do ensino secundário João José Cardoso intitulado “Quando os animais escrevem manuais”, e no qual o autor manifesta a sua repulsa por um exercício de um livro de Físico-Química do 9º ano (Zoom, Areal Editores), sendo o cerne do problema o lançamento de um gato de uma altura de 5 metros.
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| O exercício polémico |
É assustador como um simples exercício num manual (ainda que um tanto ou quanto infeliz) de imediato faça com que estes professores, e colegas do autor do post, passem a “bestas”. Já vi este exercício de alterização por estigmatização ‘do outro’, e das consequências que pode ter, como é o caso dos ataques (na forma tentada, concreta e até virtual) a investigadores que usam animais nas suas experiências. Se estas pessoas forem apresentadas como sub-humanos, haverá quem não veja problema em tratá-los da mesma forma.