Ponha o Ovo na Consciência

Texto da autoria de Cláudia Valente, Inês Bergmann e Inês Órfão
Alunas da Pós-graduação em Bem-estar Animal, ISPA

Apesar da recente e noticiada alteração da lei, os consumidores portugueses parecem permanecer alheios às condições de produção de ovos em Portugal. Logicamente, e tendo em conta os tempos de crise que se vivem, o preço parece ser o principal factor na escolha dos ovos comprados, havendo uma preferência por aqueles provenientes de produção intensiva (ovos biológicos podem custar 3 vezes mais).

No entanto, as galinhas poedeiras criadas em regime intensivo habitam em gaiolas de uma dimensão reduzida e em que cada indivíduo ocupa uma área igual a uma folha A4. Deste modo, as aves estão impedidas de realizar comportamentos naturais básicos como procurar comida, fazer ninho ou cama, e estabelecer uma hierarquia essencial na estabilidade do grupo. Em oposição, comportamentos anormais como arrancar penas são frequentes e por vezes “prevenidos” com acções que provocam dor, como o corte do bico. Problemas de saúde como osteoporose são também frequentes. É também de referir que já existem diversos estudos que comprovam que modo como as galinhas são poedeiras são criadas tem uma influência real na qualidade dos seus ovos, e para muitos consumidores este factor pode mesmo ser o decisivo.

Um destes estudos, realizado pelo Eurogrupo (1998) verificou que noutros países europeus, os consumidores estavam dispostos a pagar mais por ovos de galinhas que não fossem criadas em gaiolas, mas que o desconhecimento acerca de como podiam fazer essa escolha, nomeadamente através da leitura dos códigos presentes nos ovos, dificultava essa decisão.


Por estas razões, a nossa visão é que cabe ao consumidor comunicar ao produtor, através das suas compras, o tipo de produto que quer (preço, qualidade e condições de produção), e é nesse sentido que surge então a necessidade de criar uma campanha com um título que desperte a curiosidade, como “Ponha o Ovo na Consciência ”, que informe os consumidores sobre as diversas condições de produção existentes, vantagens e desvantagens das mesmas para as galinhas, consequências no produto final, significado de códigos presentes nos ovos e que dê a conhecer mais sobre o comportamento natural destes animais.

Esta iniciativa teria interesse não só para os consumidores, que passariam a saber mais sobre o produto antes de o escolherem, para os produtores, uma vez que as exigências europeias no que toca ao bem-estar dos animais de produção serão cada vez maiores e para as galinhas, que necessitam urgentemente de alterações nas condições em que habitam, mas também para a sociedade portuguesa em geral, uma vez que o modo como os animais são tratados e a importância que lhes é dada reflete o pensamento ético de uma nação.

Pecuária Tradicional: o valor dos nossos recursos naturais

No ANIMALOGOS temos vindo a defender formas de produção pecuária mais holísticas e menos intensivas e já aqui abordámos algumas das principais questões éticas relacionadas com o consumo de carne. Em A Ética de um Bom Bife, a Anna Olsson apelou a uma diminuição do consumo em bases ambientais e nutricionais, ao passo que Peter Sandoe em Meat is Murder contextualiza o acto de matar um animal para o comer. No que me diz respeito, vou procurar defender o valor das raças autóctones no contexto de uma pecuária tradicional.
Várias notícias que têm vindo a público fizeram-me pensar sobre este assunto. O Jornal Público de hoje (de onde vem a excelente fotografia de Rui Gaudêncio) noticia que “um rebanho de cabras vai ser utilizado para reduzir os riscos de incêndios florestais no planalto de Jales, em Trás-os-Montes” (pode encontrar a notícia aqui). É uma estratégia de adição de baixos valores na procura de um valor maior: os terrenos têm reduzido valor agrícola e florestal, estão abandonados (e com elevada biomassa) e as cabras são animais com baixo valor nominal. No entanto, as cabras são também animais altamente adaptados ao clima, terreno e vegetação da região, permitindo maximizar recursos que de outra forma se perderiam.

Este exemplo vem reforçar a minha visão de que os animais domésticos que nos acompanham há centenas ou mesmo milhares de anos fazem, de facto, parte daquilo a que chamamos natureza. Eles não devem ser vistos como um produto da acção humana que interfere no ambiente, destabilizando-o, mas sim como parte integrante do meio ambiente. Voltando às cabras, elas não só podem contribuir para a prevenção de fogos, como contribuirão para o próprio ecossistema: seleccionando as plantas que ingerem, fertilizando os solos, e fazendo parte da cadeia trófica do lobo ibérico. De um ponto de vista ecocêntrico, as espécies estão interligadas, independentemente de serem domésticas ou selvagens.

Por isso é que a investigação em recursos genéticos e biológicos é tão importante. A criação do Banco Português de Germoplasma Animal em 2010, vem permitir o estudo e preservação do património genético das raças autóctones, conferindo às gerações futuras a capacidade de melhor se adaptarem às alterações no seu ambiente (muitas das quais provocadas por nós). Na esteira de Hans Jonas, é nossa responsabilidade defender a pecuária tradicional como parte da “dignidade própria da natureza”. Os desafios são, porém, imensos. Caso paradigmático é o Porco Alentejano (porco preto), raça autóctone criada em regime extensivo e alimentada a bolotas durante a maior parte da sua vida. O Porco preto poderá estar em risco de extinção porque sofre a concorrência de produtos não diferenciados e porque depende do ecossistema do montado que, apesar do seu elevado valor ecológico (ver documentário da BBC), está também em declínio.

Mas o apelo às raças autóctones não se aplica por igual a todas as formas de produção pecuária devido ao  conflito entre valores biológicos-ecológicos e económicos. É o caso do leite onde o factor quantidade suplanta qualquer apelo à sustentabilidade. Mas mesmo num cenário “monomarca” em que a variabilidade genética é muito reduzida (praticamente todos os animais são de raça Frísia-Holstein) é possível diferenciar produtos e caminhar no sentido de uma maior sustentabilidade. Um estudo científico (a confirmar) realizado pelo Instituto Nacional de Recursos Biológicos traz algumas evidências de que a carne de bovinos açorianos (mesmo sendo de vacas leiteiras refugadas) tem características benéficas para a saúde de consumidores. De facto, o leite açoriano é produzido num regime semi-intensivo, em que as vacas têm acesso a pasto. Isto resulta, associado a um bom maneio, num maior potencial de bem-estar animal, numa menor dependência de alimentação comercial e em produtos mais saudáveis.

Matthias Kaiser, afinal é melhor cultivar peixe do que pescar?

Anna Olsson: Olá Matthias Kaiser. Num artigo recentemente apresentado na última reunião da European Society for Food and Agricultural Ethics, o Matthias argumenta que os consumidores alemães deviam ser menos presunçosos em relação aos peixes que consomem e aceitar que a aquacultura sustentável é uma boa maneira de produzir peixe. Poderia descrever o seu raciocínio aos leitores do animalogos ?

Matthias Kaiser: Obrigado por me darem esta oportunidade. Eu procurei abordar a típica atitude do género: “Ei, mesmo quando a aquacultura é bem feita, eu vou sempre para o peixe selvagem, que, de qualquer forma, é melhor e mais sustentável – não se pode vencer a natureza, pois não?” Eu acredito que isto é errado por várias razões, entre as quais razões éticas. Uma razão é que estamos seriamente a sobrepescar os stocks naturais nos oceanos, o que também resulta em preços mais elevados para o peixe selvagem capturado. Os padrões de consumo baseados em produtos da pesca só podem ser mantidos pelas partes ricas do mundo, excluindo a maioria das outras pessoas. Isto resulta no privilégio dos ricos em explorar os comuns em detrimento dos pobres. Além disso, e considerando mais uma vez as partes mais pobres do mundo, deve-se olhar para a questão das mudanças climáticas. Embora tenhamos sido nós, os mais ricos, a provocar o problema, são os países mais pobres quem já está a sofrer os seus efeitos. Uma boa forma de ajudar esses países a superar os piores problemas das alterações climáticas é envolvermo-nos em trocas comerciais de produtos de aquacultura, o que também contribui positivamente para o seu desenvolvimento social e económico. Assim, comprar peixe proveniente desses países seria uma – ainda que pequena – forma de assumirmos alguma responsabilidade pelos problemas que causamos.


AO: O debate na Alemanha tem sido, talvez, mais focado nos aspectos ambientais, mas o cepticismo em relação à aquacultura é bem conhecido também em Portugal, onde nenhum restaurante iria falar com orgulho de seus peixes provenientes de aquacultura e onde escritores gastronómicos falam pejorativamente em “peixe enjaulado”. ou “de aviário” Tem alguma mensagem para eles?

MK: Essa expressão traz-nos imediatamente à memória “porcos enjaulados” ou “galinhas enjauladas” e mostra que os consumidores actuais começaram a preocupar-se com o bem-estar animal, e não apenas com o preço ou a qualidade do produto.  (Nota da animalogante: Penso que é mais na qualidade do produto do que na qualidade da vida do  animal que se pensa quando se fala do “peixe do aviário”). Vejo-o, de um ponto de vista ético, como um bom desenvolvimento. O problema, no entanto, está em agruparmos coisas que deviam ser avaliadas de forma separada. Em primeiro lugar, até mesmo os piores casos de “galinhas enjauladas” podem não ser um argumento suficiente derrubar todos os tipos de produção em grande escala. Na verdade, é justamente por estarmos dependentes da produção animal em larga escala que precisamos de melhorar o bem-estar animal desses animais. Em segundo lugar, em aquacultura isso depende em grande medida da espécie e do tipo de sistema utilizado. Na Noruega, os produtores de salmão aprenderam da pior maneira que uma densidade muito grande nas gaiolas afecta seriamente a qualidade do produto e aumenta a probabilidade de surtos epidémicos. Eles também aprenderam que o animal precisa de um ambiente onde o comportamento natural de natação não é restringido. Infelizmente, apenas nos últimos anos emergiu uma investigação que visa uma compreensão mais holística do bem-estar em peixes, e que só lentamente vai influenciando a indústria. Além disso, a densidade de peixe não é sempre um problema, tudo depende das espécies de peixes e do ambiente: os peixes-gato preferem estar muito próximos uns dos outros em águas lodosas, já que nas águas cristalinas eles se sentem ameaçados. Onde eu quero chegar é que é possível manter o bem-estar em aquacultura, o que muitas vezes já é feito. Há pontos de equilíbrio entre, por um lado, bem-estar animal e produção em grande escala, por outro.

Assim, a minha mensagem para os consumidores portugueses seria: “Comece fazendo perguntas mais exigentes em restaurantes ou supermercados, como por exemplo: de onde é que vem este peixe? A sua produção e comercialização são certificadas de alguma forma, em particular no que diz respeito a sustentabilidade ambiental, bem-estar animal e ética comercial? “


AO: Sendo eu própria agronoma, sou um pouco céptica em relação à aquacultura por um motivo muito diferente. Todos os animais terrestres que cultivamos para obtenção de carne alimentam-se essencialmente de plantas, mas os peixes de cultivo são geralmente de espécies carnívoras (as excepções, como a carpa, não são geralmente aceites na Europa como espécies alimentares). Sabemos, a partir das discussões sobre sustentabilidade, que a produção de proteína animal para consumo humano é muito mais ineficiente do que se os humanos comessem directamente a proteína vegetal. Agora, obter proteína animal consumindo peixes que por sua vez se alimentam de proteína de peixe, isso não aumenta o problema exponencialmente?

MK: Agora colocou o dedo na questão mais importante: estaremos simplesmente a usar peixe barato para produzir peixe caro? Por outras palavras, podemos justificar eticamente a alimentação de peixes com proteínas derivadas de outros peixes? [Para tornar a questão ainda mais complicada, devemos acrescentar que também os animais terrestres são, em grande medida, alimentados com ração contendo proteína de peixe, ou seja, uma quantidade significativa da produção industrial de farinha de peixe e de óleo de peixe vai para a agricultura industrial (porco, aves, ruminantes, etc.)]. Concordo plenamente consigo que o uso de proteínas de peixe na alimentação animal deve ser reduzida, ao invés de aumentar. Eu não concordo que a questão esteja na eficiência de conversão energética. Mas, mais uma vez, o diabo está nos detalhes:
Na aquacultura, a “pior” espécie é o salmão (atum e alguns outros, também), ou seja, em princípio, quaisquer espécies carnívoras no topo da cadeia alimentar. O problema é que estas espécies têm o valor de mercado mais elevado e são, portanto, muito procuradas. Nós, os países ricos, somos os principais produtores de salmão, principalmente a Noruega e a Escócia (na Europa). Os produtores de salmão também já perceberam que a proteína de peixe é um ingrediente problemático na alimentação dos peixes, por causa do aumento dos preços. Por isso estão a reduzir a quantidade de proteína de peixe na alimentação (substituindo-a, por exemplo, por soja) e têm tido algum sucesso a fazê-lo. Eles também mencionam o facto do salmão ser um conversor de energia muito eficiente, muito mais eficiente do que qualquer outro animal de produção.
Mas eu sou mais optimista em relação a todas as outras espécies que importamos, em especial da Ásia. O peixe-gato (Pangasius) é uma espécie omnívora, assim como o tilápia. Os camarões também comem todo o tipo de coisas, e são, portanto, muito menos dependentes de suplementos de proteína de peixe. A ração de camarões é feita, em grande medida, de subprodutos da pesca, inaproveitável para consumo humano. Em muitos lugares a aquacultura está integrada com a produção agrícola (por exemplo, peixes com aves, usando os excrementos de aves para alimentar os peixes). Embora seja verdade que a carpa não é muito popular na Europa e os EUA (embora seja muito popular na China), ainda temos a opção de incluir espécies na nossa dieta que são menos exigentes em termos de proteína de peixe (N.T. é o caso da truta).

Em suma, o meu argumento é o seguinte. A não ser que nos tornemos todos vegetarianos (que é uma opção ética, mas não necessariamente abraçada por todos nós), se quisermos ter um estilo de vida saudável, com redução dos efeitos climáticos deletérios, devemos: (i) comer mais produtos aquáticos (e muito menos carne), (ii) escolher os produtos aquáticos, provenientes de aquacultura sustentável e certificada, e (iii) privilegiar o consumo de espécies omnívoras, que exigem menos proteína de peixe na sua alimentação. O que precisamos é de um consumidor consciente que faz perguntas mais exigentes e específicas, e uma indústria que responde à necessidade de corrigir as formas insustentáveis de produção.

Traduzido do inglês por Manuel Sant’Ana (segundo a antiga ortografia).


Semanas Europeias do Peixe – Qual o seu papel?

Estão a decorrer até ao final de Agosto as Semanas Europeias do Peixe, uma iniciativa da plataforma OCEAN 2012. A campanha visa captar a atenção do público (e consumidor) europeu para os problemas da sobrepesca, apelando a uma intervenção cívica junto dos centros de decisão política para se alterar a Política Comum das Pescas. No âmbito desta iniciativa vai decorrer hoje um cordão humano em forma de peixe em frente ao Padrão dos Descobrimentos.

O tema não nos deve deixar indiferentes; a situação actual de populações selvagens de peixe (aquilo que numa linguagem antropocêntrica é designado por stocks pesqueiros)  é de tal forma preocupante que leva os cientistas a questionar se ainda haverá peixe em 2050 (ouvir o Podcast da Science). Na qualidade de terceiros maiores consumidores per capita de peixe do mundo – atrás de japoneses e islandeses – temos responsabilidades redobradas em mantermo-nos informados e em fazer escolhas conscientes na hora de escolher o peixe que colocamos no prato. Já aqui demos destaque a outras iniciativas como a plataforma Que peixe comer?, lançada pela LPN, e que podem auxiliar nessa tomada de decisão.

RSPCA e a criação de cães – entrevista ao James Yeates

Em Março passado, o Animalogos anunciou que a RSPCA (Royal Society for the Prevention of Cruelty to Animals) estava a fazer uma petição para se parar de criar cães. Pedimos a James Yeates, médico veterinário e chefe do departamento de animais de companhia desta organização, mais pormenores sobre esta campanha:
Anna Olsson – Com todo o respeito pelo tom provocatório, querem realmente dizer que toda a criação de cães deve ser suspensa? Ou deveria incidir mais sobre alguns tipos de criação?
James Yeates – Quero começar por esclarecer o apelo feito pela RSPCA. Não se trata de eliminar toda a criação canina per se – os cães são centrais nas sociedades humanas e nós amamo-los. É antes prevenir a reprodução de cães que não terão boas vidas em lares responsáveis. Isto envolve trabalhar com vista a reduzir a criação de cães com problemas de saúde, seja por doença genética ou por más práticas de criação. Também envolve tentar reduzir o número de cães criados, especialmente aqueles criados sem suficiente reflexão sobre o seu destino – quer por desleixo (quando pessoas irresponsáveis adquirem animais não castrados) ou para lucro egoísta (quando as pessoas querem ganhar dinheiro como se os animais fossem apenas uma fonte de receita). Também se trata de assegurar que os cachorros (e gatos, e coelhos) são vendidos e comprados de forma responsável pelas pessoas certas, e que estão 100% comprometidas (e capazes) em satisfazer as necessidades dos animais durante as suas vidas inteiras – que pode ser de dez ou vinte anos.
AO – Em muitos meios, comprar um cão de raça de um criador certificado pelo Kennel Club é visto como sendo posse responsável de um animal. Por outro lado, considerando-se o vigor do híbrido [robustez e melhor saúde em animais com alta diversidade genética] versus problemas de endogamia, os cães cruzados tendem a ser mais saudáveis e a viver mais do que os cães de raça pura. Na verdade, na última edição do principal livro de texto sobre bem-estar animal, Paul Hocking, Rick d’Eath e Joergan Kjaer afirmam que a “perseguição doentia de uma determinada aparência estética em diferentes raças de cães e gatos” leva a uma negligência “injustificada dos benefícios do cruzamento entre raças”. Então, quem é que deve realmente parar de criar cães?
JY – Nós pretendemos ver as práticas de criação de raças puras melhoradas. A RSPCA está muito atenta às puppy-farms [“fábricas de cahorros”] e também às patologias específicas de cada raça, que foram objecto de detalhada análise científica nos últimos anos. Estamos a financiar um projecto que visa obter taxas de prevalência deste tipo de patologias em contexto clínico. Lançámos também a Campanha Born to Suffer [“nascido para sofrer”] com base nas evidências disponíveis. A suposta ligação entre “pedigree” e “qualidade” é, essencialmente, infundada. Claro que existem criadores responsáveis mas a etiqueta “pedigree” realmente só se refere ao parentesco, e não à qualidade. “Pedigree” sugere “previsível”, na medida em que se refere a um conjunto restrito de genes com algumas características “fixas”, mas esta previsibilidade inclui problemas de saúde igualmente previsíveis, tais como problemas respiratórios e dolorosas patologias oculares e ortopédicas, devidos a características exageradas ou a doenças genéticas.
Em vez de protegermos o rótulo de “pedigree” – que de facto protege os maus criadores que lucram por pouparem nos cuidados de saúde – devemos apoiar práticas de criação e criadores responsáveis. Isto significa que para a associação entre pedigree e qualidade ser verdadeira é necessário impedir que os cachorros dos maus criadores possam ser registados.
 Em relação aos cães cruzados (mestiços), com o seu vigor híbrido, somos certamente a favor. Em especial se forem adoptados e não comprados, é esperado que ajudem a reduzir a sobrepopulação canina e as taxas de eutanásia. Alguns cães cruzados também podem ter doenças hereditárias (e estamos preocupados com o “design” de híbridos de raças puras), mas nunca ouviu o termo “doenças características da mestiçagem” como ouço “doenças características da raça”. Com base nas evidências actuais, tanto científica como da prática veterinária, eu preferiria ter um cão cruzado (e tenho dois).
AO – Actualmente, os veterinários portugueses afirmam estar a assistir ao efeito da crise económica em que as pessoas não podem pagar o tratamento de seus animais de companhia e em que o abandono e os pedidos de eutanásia têm aumentado. Passa-se algo semelhante no Reino Unido?
JY – Até ao momento os nossos números têm tido oscilações ligeiras. Mas cada vez mais temos de nos concentrar nos animais especialmente vulneráveis, ou seja, aqueles resgatados pelos inspectores da RSPCA ou apreendidos pela polícia em processos judiciais accionados pela RSPCA, o que pode alterar os nossos números de eutanásia. O que eu posso dizer em relação à eutanásia (que é outra das nossas petições) é que a RSPCA, de facto, eutanasia animais potencialmente adoptáveis devido aos elevados números que acolhemos. O que consideramos ser a atitude correcta mas a circunstância errada, daí o nosso apelo em reduzir a necessidade de fazê-lo (que está, naturalmente, ligado ao apelo da sobre-população).

Traduzido do inglês por Manuel Sant’Ana (segundo a antiga ortografia).

Porque não comer insectos?

A pergunta pode parecer uma provocação, mas o desafio lançado por Marcel Dicke, entomólogo holandês, parece fazer sentido num mundo em que, num contexto de escassez de recursos, será necessário alimentar 9 milhões de pessoas em 2050. Os insectos são altamente nutritivos, saborosos (diz quem sabe), e podem ser criados com incrível rapidez. Consomem apenas uma fracção dos recursos necessários para a produção tradicional de carne e poderão vir a dar uma grande contribuição na produção sustentável de alimentos. Além disso, e numa perspectiva senciocêntrica, os insectos são muito menos problemáticos em termos de bem-estar animal.
Pondo os preconceitos de parte, não parece haver nenhuma razão para manter os insectos afastados dos nossos pratos. Poucos domínios descrevem tão bem a herança cultural de um povo como a sua tradição culinária: nas nossas ementas cabem todo o tipo de fungos, plantas, moluscos, crustáceos mas nada de insectos. Estaremos dispostos a incluí-los?

"O cão semi-afundado" de Goya: opressão e empatia

Francisco José de Goya y Lucientes (1746 – 1828)
Cão semi-afundado (Perro semi-hundido), 1821-23
Óleo sobre tela, 80 x 134 cm
Museo del Prado, Madrid

Se, num exercício hipotético, me fosse dado a escolher um quadro – dos muitos que já abordei no blog Querido Bestiário – para ter em minha casa, a escolha recairia, sem sombra de dúvida, sobre “Cão semi-afundado” de Francisco de Goya. Esta obra faz parte da Série Negra; são 14 pinturas a óleo, lúgubres e pessimistas, marcadas pelos acontecimentos políticos e sociais da Espanha nos inícios do séc. XIX, fruto da ocupação francesa e da Guerra da Independência.

Rogo a todos os animalogantes que não deixem de visitar esta obra sublime no Museu do Prado, em Madrid. Mais do que a dimensão, o que impressiona é a sua verticalidade. O cão e o solo (parece ser areia, mas pode ser rocha, barro ou mesmo água) estão comprimidos no terço inferior da composição, esmagados por uma atmosfera inverosímil que ocupa os outros dois terços. As proporções académicas e classicistas (que Goya chegou a abraçar) foram abandonadas em detrimento de uma composição livre e dinâmica. A perspectiva desaparece e o céu sonega o motivo principal, impondo-se na sua complexidade; extremamente variegado, ele emana tons dourados e acobreados mesclados por sombras dúbias, não nos permitindo saber ao certo o que se está a passar: estará o cão realmente enterrado ou só escondido atrás do morro? Ele emerge ou afunda-se? E para onde olha ele, para uma tempestade de areia ou talvez para alguém?

A verdade é que não sabemos e a obra aberta, e há quem diga que inacabada, permite-nos todo o tipo de interpretações. A meu ver, o cão, do qual só vemos a cabeça e que fita algo ou alguém para lá dos limites superiores do quadro, foi o animal escolhido para simbolizar a opressão. A expressividade da canina resulta melhor para extrapolar sentimentos humanos do que a de qualquer outra espécie animal. É com o cão que o homem se envolve em laços afectivos mais fortes e íntimos e a sua aparente reciprocidade chega a ser comovente. Nas palavras de qualquer amante de cães: “só lhe falta falar”.

A relação homem-cão parece ser, de facto, especial. Há evidências de que os cães são capazes de percepcionar estados de espírito da parte de seres humanos. Por exemplo, uma equipa de cientistas da Universidade do Porto, liderada pela bióloga Karine Silva, descobriu recentemente algo que muitos daqueles que vivem com cães já sabiam: quando bocejamos, o nosso cão também boceja. Este tipo de empatia é único no mundo animal já que nenhum outro animal é contagiado por bocejos de indivíduos de espécies diferentes da sua. Voltando ao cão do Goya: eu olho para ele e sinto um sentimento de opressão, apesar de nada me oprimir. Será que o meu cão, vendo-me oprimido, é capaz de se sentir ele próprio oprimido?


Ver mais pinturas animalistas de Goya aqui, aqui e aqui.

"Priolo" – Madalena Boto

Situada no coração do Atlântico, a ilha de São Miguel (Açores) é conhecida pela extraordinária diversidade de espécies que habita as suas águas. Mas este paraíso subtropical guarda outros tesouros em terra. Nas encostas montanhosas a Leste, encontramos a última mancha de floresta Laurissilva da ilha: o reino de um animal tímido e ameaçado – o Priolo. A ave canora mais rara da Europa.

NYT: A Ética de Comer Carne

O jornal The New York Times lançou há um mês um inusitado desafio aos seus leitores: que os omnívoros de manifestassem e elaborassem argumentos éticos capazes de justificar o seu consumo de carne. Os textos não podiam ter mais de 600 palavras e seriam depois avaliados por um júri de especialistas, entre os quais o filósofo da Libertação Animal Peter Singer. Os seis ensaios finalistas foram recentemente anunciados e encontram-se a votação até ao final do dia 24-04.
Se é omnívoro, com qual dos textos se identifica mais?
E qual o melhor argumento ético, se é que existe, para defender o consumo de carne?