Porque não comer insectos?

A pergunta pode parecer uma provocação, mas o desafio lançado por Marcel Dicke, entomólogo holandês, parece fazer sentido num mundo em que, num contexto de escassez de recursos, será necessário alimentar 9 milhões de pessoas em 2050. Os insectos são altamente nutritivos, saborosos (diz quem sabe), e podem ser criados com incrível rapidez. Consomem apenas uma fracção dos recursos necessários para a produção tradicional de carne e poderão vir a dar uma grande contribuição na produção sustentável de alimentos. Além disso, e numa perspectiva senciocêntrica, os insectos são muito menos problemáticos em termos de bem-estar animal.
Pondo os preconceitos de parte, não parece haver nenhuma razão para manter os insectos afastados dos nossos pratos. Poucos domínios descrevem tão bem a herança cultural de um povo como a sua tradição culinária: nas nossas ementas cabem todo o tipo de fungos, plantas, moluscos, crustáceos mas nada de insectos. Estaremos dispostos a incluí-los?

NYT: A Ética de Comer Carne

O jornal The New York Times lançou há um mês um inusitado desafio aos seus leitores: que os omnívoros de manifestassem e elaborassem argumentos éticos capazes de justificar o seu consumo de carne. Os textos não podiam ter mais de 600 palavras e seriam depois avaliados por um júri de especialistas, entre os quais o filósofo da Libertação Animal Peter Singer. Os seis ensaios finalistas foram recentemente anunciados e encontram-se a votação até ao final do dia 24-04.
Se é omnívoro, com qual dos textos se identifica mais?
E qual o melhor argumento ético, se é que existe, para defender o consumo de carne?

A nossa co-evolução com a vaca

Há poucas coisas mais estimulantes para mim como cientista do que ver bons trabalhos científicos. Por isso, no contexto do debate a decorrer aqui sobre o caráter essencial (ou não) do leite, agarro logo a oportunidade de trazer um dos meus trabalhos preferidos para o blog. Albano Beja-Pereira é agora investigador do CIBIO da Universidade do Porto, e um dos seus estudos da tese do doutoramento aborda a co-evolução das populações bovina e humana da Europa.

Beja-Pereira A et al (2003) Gene-culture coevolution between cattle milk protein genes and human lactase genes. Nature Genetics 35, 311-313

Quem quiser ler o trabalho na íntegra pode descarregar o artigo clicando sobre a referência acima. Muitíssimo resumido, o artigo mostra que a distribuição geográfica de genes importantes para produção de leite no gado bovino (mapa b) coincide completamente com a distribuição geográfica de gene que confere persistência da lactase (enzima que permite digestão do lactose) na idade adulta nos seres humanos (mapa c).

Isso não nos diz que o leite é um alimento essencial para seres humanos na Europa de hoje. Mas sugere fortemente que assim tem sido, durante a nossa evolução e adaptação genética às condições locais.

Quem fala com os consumidores?

Aproveito para trazer para Animalogos uma pergunta que coloquei ao Mateus Paranhos da Costa (etologo e zootécnico de São Paulo, conhecido sobretudo pelo seu trabalho com gado bovino e com os produtores e tratadores deste gado) numa discussão no simpósio Animais na Ciência:

Há no mundo um crescente classe média, sobretudo nas economias emergentes como Brasil, India e China, que com condições económicas melhores desenvolve padrões de consumo diferentes. Concretamente, para o que interessa neste contexto, quer comer mais carne.

Face a esta procura crescente, cresce também a produção animal intensiva, ou intensifica-se a produção animal.

Sabemos todos que há problemas com a produção intensiva em termos de bem-estar animal e em termos ambientais.

Perante isto, é suficiente que nós – os profissionais na área de bem-estar animal – trabalhemos junto dos produtores para tentar melhorar as condições dos animais? Não precisamos também de trabalhar com, ou dirigir-nos a, os consumidores, dialogando, explicando que enquanto continuarmos a querer carne barata para todos os almoços e jantares, então será este tipo de produção que vamos ter?

Daquela maneira que muitas vezes acontece nas sessões de perguntas nos congressos, a questão acabou por não ser verdadeiramente discutida. E eu continuo a interrogar-me, como profissional.

O que acham?

Debate: leite espanhol abaixo do preço do produtor no Continente

Por George Stilwell

É pena que uma cadeia que vende a imagem como sendo protectora da produção nacional e dos agricultores portugueses, não tenha noção de vergonha e venda leite exclusivamente vindo de Espanha a um preço três vezes abaixo do preço pago ao produtor.

A cadeia CONTINENTE está a vender embalagem de 1,5 litros de leite espanhol a 0,78 € sobre o qual incide o desconto em cartão de 75%, ou seja, está a vender leite espanhol a 0,13 € por litro. Esta atitude poderá levar à falência muitas empresas familiares de produtores de leite, muitos deles já a viver momentos muito difíceis devido ao elevado preço dos factores de produção e ao baixo preço pago pelas empresas de lacticínios. Se o Continente quer atrair clientes – mesmo que a custa de algum prejuízo – que tenha a coragem (e coerência) de o fazer enquanto ajuda Portugal e a agricultura portuguesa.

De pouco vale fazer feiras na Avenida da Liberdade a favor dos produtores portugueses e depois traí-los ao mínimo sinal de lucro. Usar os produtores para publicidade fácil e enganosa é uma grande falta de ética.

O talhante orgulhoso

CADE (Part 2): The Good Slaughter: A Proud Meat Cutter Shares His Processing Floor from SkeeterNYC on Vimeo.

Um testemunho em formato de documentário sobre um talhante de Nova Iorque, orgulhoso do seu trabalho e da forma como o faz. Numa época em que a internet serve de plataforma previlegiada para denunciar e atacar, em especial no que diz respeito à forma como os animais são tratados, é revigorante ver um documento que não procura nada disso, retratando sem artifícios o trabalho de um homem, ao mesmo tempo que lhe permite contextualizar a sua prática. A transparência, rigor e simplicidade com que este talhante fala do seu metier só tem paralelo na forma virtuosa como executa as suas funções.

Pode um cão ser vegan ?

A passada edição da revista VISÃO (13-10-2011) publicava uma curta reportagem sobre indivíduos vegetarianos que decidiram incluir os seus animais de estimação no mesmo regime alimentar. O argumento por detrás de tal decisão é a coerência : todas as rações para cães e gatos de estimação são feitas a partir de produtos e sub-produtos da transformação animal e provenientes, na sua larga maioria, de explorações intensivas. Alguém que se abstém de consumir carne e derivados e vive na companhia de um cão ou de um gato (ou de um furão…), não deve ficar indiferente a este facto.

A minha primeira impressão ao ler esta rúbrica foi a de que modificar o regime alimentar de animais a bem das nossas opções éticas (e estéticas, na medida em que não comer alimentos de origem animal é também uma afirmação de um estilo de vida) seria atentar contra o seu telos, contra aquilo que faz um cão ser um cão e um gato ser um gato ou, segundo as palavras de Bernard Rollin, “the dogness of the dog, the catness of the cat“. Na natureza, cães e gatos são animais carnívoros (tendencialmente omnívoros no caso dos cães e carnívoros estritos no caso dos gatos) e privá-los dessa característica, colocando em risco a sua saúde, a bem da coerência das nossas próprias acções pareceu-me, à primeira vista, frívolo e perigoso.

Mas uma reflexão mais atenta fez-me dar um passo atrás. Não há nada de natural nas dietas comuns dos nossos animais de estimação (basta ler um rótulo) e uma grande proporção dos seus ingredientes são, de facto, de origem vegetal. Pelo menos enquanto não houver dados que permitam tirar conclusões sobre o efeito de rações vegetarianas na saúde de cães e gatos, muitos poucos argumentos poderão ser apresentados a seu desfavor. Além disso, a indústria da pet food, por ser menos exigente em termos de qualidade das suas matérias-primas, é em grande medida responsável pela perpetuação de práticas de produção pecuária agressivas para o bem-estar dos animais em causa, o que me faz pensar que a existência de alternativas pode alertar o consumidor para a origem dos ingredientes da ração que dá ao seu pet.

Deixo este texto inacabado. Espero contribuições dos animalogantes para o desenvolver.

Pronto para comer como um sueco?


Nunca vi um debate em torno da alimentação ser esgrimido com tamanha ferocidade como o que decorre na Suécia desde há um par de anos sobre a dieta LCHF. O acrónimo quer dizer Low Carbohydrate High Fat e diz respeito a uma dieta que se aproxima bastante da de Atkins, que provavelmente é mais conhecida no mundo lusófono. Ou seja, o minímo de hidratos de carbono – evitando sobretudo os de metabolismo rápido – e quantidades generosas de gordura e de proteína.

Comentar os aspectos nutricionais da dieta ultrapassa as minhas competências, mas penso que os seus efeitos positivos em diabéticos tipo II são bastante evidentes: mantém os niveis de glicemia no sangue mais estáveis do que uma dieta mais rica em hidratos de carbono. Além deste grupo populacional, muita gente afirma sentir-se em geral melhor, livrar-se de problemas gastrointestinais e perder peso com esta dieta. Um aspecto curioso que não consigo deixar de mencionar é a maneira evangelista com que muitos dos convertidos propagam a boa nova. No blogue do qual tirei o cabeçalho deste post podemos ver fotografias dos Swedish LCHF heroes, supostamente heróis numa cruzada contra as recomendações oficiais da Livsmedelsverket, a autoridade de segurança alimentar sueca. Um editorial de um dos principais jornais fala hoje sobre A Guerra da Gordura. Sinal de uma nação que não tem guerras maiores com que se preocupar, mas se calhar também da importância que a alimentação tem na nossa vida, tanto em termos mentais (e sociais) como físicos.

É difícil saber quantas pessoas aderiram à dieta, mas a sua expansão já se nota no sector de lacticínios. Com o consumo de lacticínios gordos a subir, a Suécia depara-se agora com uma falta de manteiga, prevista para durar até ao final do ano. A observação deixa-me ligeiramente perplexa. Quando comecei a minha formação como agrónoma há 20 anos, ainda se media a produção de uma vaca leiteira em quilos de gordura de manteiga, mas toda a gente dizia que era uma medida antiquada que não fazia sentido perante a preocupação light dos consumidores.

Surpreende-me menos a notícia recente, que muitos dos estudos com resultados em favor da dieta foram financiados pela indústria de carne estadounidense. Mas alerta para um aspecto discutível de uma dieta que tende a ser (embora isto possa ser evitado) baseada em produtos de origem animal, e cuja pegada ambiental é grande.

PS: O eventual choque cultural com o post anterior não é intencional – só após escrever me apercebi do aspecto paradoxal.

Porque é que o cão é gordo? Olhe para o proprietário!

A epidemia de obesidade alastrou seriamente para os nossos amigos de quatro patas. Estudos levados a cabo nos EUA, Austrália e em vários países europeus mostram os mesmos resultados: este é um sério e crescente problema para cães e gatos.

No início de 2010 passei alguns dias com um dos principais investigadores em obesidade animal, Dr Alex German da Escola Veterinária de Liverpool. Eramos ambos peritos convidados por parte de um projecto em que investigadores do Royal Veterinary College, de Londres, procuravam identificar problemas de bem-estar em animais de estimação. Eu tinha, portanto, uma óptima oportunidade para ouvir falar no problema e saber o que a comunidade veterinária tenta fazer sobre ele.

É díficil quantificar exactamente a extensão da obesidade em cães e gatos. Com os seus diferentes tamanhos e formas, não é possível encaixar os animais numa única fórmula de obesidade. No entanto, os investigadores têm concebido métodos para medir a gordura animal. Segundo Alex German, cerca de 40% dos cães no Reino Unido têm excesso de peso e cerca de um em cada dez está com sobrepeso num grau que representa uma séria ameaça à sua saúde.

É um problema para os animais. Felizmente ser gordo não parece influenciar a sua auto-estima. Mas influencía a sua saúde. Cães e gatos obesos são afectados por doenças do estilo de vida, tais como diabetes e doenças cardiovasculares com a consequência de que morrem muito mais cedo do que o esperado. E antes de chegar tão longe, a obesidade afecta a saúde e qualidade de vida. Alex German acredita que os cães com sobrepeso e obesos levam vidas menos activas do que os seus semelhantes delgados.

É, obviamente, também um problema para seus donos que os animais sejam inativos e venham, eventualmente, a adoecer e a morrer prematuramente. Neste contexto, pode-se perguntar por que é que as pessoas não se limitam a dar ao seu cão ou gato um pouco menos de comer. É compreensível que possamos lutar para controlar a nossa própria alimentação quando temos de resistir às muitas tentações calóricas que enfrentamos diariamente. Mas os cães e gatos não comem nada, a não ser o que lhes servimos!

O problema com esse argumento de senso comum é que ele ignora completamente o tipo de relacionamento que muitas pessoas têm com os seus animais. Enquanto no passado os animais eram mantidos para ser usados num qualquer propósito, a manutenção de cães e gatos tornou-se numa espécie de simbiose entre animal e dono. O termo de animal de companhia acresce ao termo animal de estimação o facto de cães e gatos funcionarem como membros da família.

Investigadores falam de “ligação” entre humanos e animais – isto é, laços estreitos entre o cão ou gato da família e o seu dono. Isto significa que há uma relação de interdependência entre seres humanos e animais. Mesmo se uma parte é legalmente proprietária e a outra propriedade, o relacionamento dá-se ao nível emocional, que é muito mais complexo do que isto. A relação entre proprietário e animal pode, de muitas maneiras, ser comparada à relação entre pai e filho.

Essa semelhança é de certa forma confirmada pela crescente pesquisa em obesidade veterinária. Da mesma forma que se sabe que a obesidade em crianças está muitas vezes relacionada com a obesidade dos pais, verifica-se também que há mais cães obesos entre pessoas obesas do que entre magras. E assim como está bem documentado que os pais de crianças com sobrepeso muitas vezes não reconhecem esse excesso de peso, estudos recentemente publicados mostram que os proprietários de cães e gatos obesos, muitas vezes não conseguem ver que os seus animais são muito gordos.

Assim como as refeições são um campo onde crianças e os pais combatem uma grande parte das lutas de poder familiar, a alimentação e a distribuição de doces é um eixo importante na interacção entre animal e dono. Este último usa frequentemente o animal para prestar cuidados e para receber o que é percepcionado como um sinal de afectuoso reconhecimento. Inconscientemente, o proprietário pode vir a treinar o animal para pedir comida e mostrar sinais de alegria quando é alimentado. Imediatamente há uma situação de duplo ganho em que o proprietário é reconfortado e o animal recebe algo de comer.

Estas percepções são importantes se se quiser tentar aliviar o problema da obesidade em cães e gatos. Na Faculdade de Medicina Veterinária de Liverpool abriu a primeira cliníca de obesidade para cães e gatos na Europa, liderada por Alex German. Pretende-se atacar o problema da obesidade pela raíz, nomadamente na interacção entre dono e animal.Veja www.pet-slimmers.com.

Quando dono e animal aparecem juntamente na clínica, o animal é submetido a um exame clínico completo, e faz-se uma medição precisa da quantidade de gordura existente no seu corpo recorrendo a um scanner especial. O dono pode, assim, quantificar o quão gordo o seu cão ou gato é. Esta quantificação é importante para impelir o proprietário a enfrentar o problema. Como mencionado acima, os proprietários de cães e gatos obesos, muitas vezes não percebem que os seus animais têm pretuberâncias nos lugares errados.

Na primeira consulta é feito um plano do que o animal pode comer e como deve ser exercitado. Mas este não é o fim do tratamento. O proprietário retorna periodicamente à clínica de obesidade para pesar o seu animal. Esta é a mesma estratégia usada em pessoas obesas que estão a perder peso. Mesmo com a maior força de vontade isso não é possível sozinho: é preciso alguém em que se apoiar.

Se o proprietário não voltasse à clínica para ser responsabilizado, ele iria sucumbir aos olhos suplicantes do cão e às persistentes tentativas do gato em saciar-se. Ao mesmo tempo, por causa da íntima ligação com o cão ou gato, o proprietário muitas vezes não é capaz de corrigir a alimentação do animal, sem ter de lidar com seus próprios hábitos alimentares – o que sabemos ser difícil.

Um cão ou gato obeso será normalmente sujeito a uma dieta especial. A venda de alimentos dietéticos é já um grande negócio para as empresas de alimentação e para veterinários. Neste contexto não é de surpreender que a clínica de emagrecimento em Liverpool, a “Royal Canin Weight Management Clinic”, seja patrocinada por uma das principais empresas de alimentação animal.

Pode-se pensar ser oportunismo ganhar dinheiro com a venda de dietas especiais para cães e gatos quando o problema poderia ser resolvido se as pessoas apenas dessem aos seus animais um pouco menos da alimentação regular. Mas isso seria, em certo sentido, negligenciar o ponto crucial: não é o cão ou gato, mas o proprietário quem está a fazer dieta. E ter que reduzir a quantidade de alimento que se dá ao muito amado cão ou gato é deveras difícil. Então é melhor servir uma dieta cara com teor calórico reduzido em porções de tamanho usual.

Você não quer diminuir o amor que nutre pelo seu melhor amigo.

Peter Sandoe