O meu gatinho versus o lobo-mau?

Que somos muito inconsequentes na maneira como lidamos com os outros animais não é surpresa para quem se interessa pelas questões de ética animal. Algumas das incongruências podem ser explicadas pela escala sócio-zoológica. Desenhada de uma perspetiva antropológica pelos investigadores Arluke and Sanders, esta escala é uma maneira de descrever e de sistematizar a nossa tendência no chamado mundo ocidental de favorecer alguns tipos de animais e desfavorecer outros. Muito resumidamente, tendemos a colocar mais alto os primatas, os animais de companhia que costumam ser membros da família (cães e gatos) e os grandes carnívoros, ficando os outros animais domésticos no meio e animais que são considerados pragas em baixo.

Vou trazer para a discussão dois casos com que me tenho cruzado recentemente, e que para mim são novos. Acho que podem ser entendidos à luz da escala sócio-zoológica, mas não deixam por isso de ser incongruentes.

A primeira incongruência deriva de uma página pessoal no Facebook, onde se calhar não devíamos estar à espera de coerência. Não deixa contudo de ser interessante do ponto de vista ético. Sendo a página em sueco e norueguês, não coloco links aqui, mas vou resumir. Que a autora queira partilhar a sua opinião é evidente. Basta ver os primeiros 10 posts para perceber que se opõe à politica de proteção dos lobos – abundam os links para relatos de gado atacado por lobos. Um destes mostra um pequeno vídeo de uma rena gravemente ferida e ainda viva, sob o cabeçalho “politica de proteção de carnívoros causa grande sofrimento”.

Cada um tem direito a sua opinião, e não há duvidas que a presença de carnívoros e presas ao mesmo local resulta na morte e sofrimento dos segundos. Esta é uma questão que a autora é capaz de não ter explorado até o fim, pois percebe-se também de outros posts que tem um gato que anda fora da casa e que desaparece durante dias, às vezes semanas. Mas alimentando-se de quê? 

Bye, bye, rhino, é o título de um post publicado há um mês no blog de Journal of Medical Ethics. A pergunta colocada é se o problema da extinção do rinoceronte-negro-ocidental se torna mais grave por ser associado à procura do seu corno para a produção de um ‘medicamento’ sem efeito clínico. Ou seja, seria mais eticamente aceitável extinguir uma espécie à procura de um medicamento altamente eficiente? Fora da (não abordada mas para mim óbvia) questão da idiotice que seria matar a galinha de ovos de ouro, o autor tende a responder que não seria necessariamente mais aceitável:

It’s conceivable that providing extra good for humanity might turn out to be a defensible thing to do.
One other thing that we ought to question, though, is how much of an obligation there is to provide that extra good for humanity. If there is an obligation, then it might follow that, however unpleasant it is, we ought to hunt – to extinction, if that’s how things shake out. At the very least, we’d have more of a defence.
But is there such a duty – in essence, a duty of beneficence? I’m not sure. I think that there’s a fairly straightforward duty not to cause harm; but to fail to provide benefit is not the same as to cause harm. By not acting beneficently, we don’t make anyone worse off than he otherwise would be – we just fail to make him better off. That doesn’t strike me as blameable.
The point is that beneficence often comes at a price; and so we always have to think about whether a particular instance of beneficence is worth it. The (slightly strined) example in which benefiting humans means extinguishing another species might provide us with an example of a situation in which it’s not worth it. (Extinguishing smallpox might be slightly different, inasmuch as that’s a species that is a direct threat in a way that rhinos aren’t.)

Não discordo necessariamente com o autor. Mas a pergunta para mim inevitável é: e a experimentação animal? Se não é justificável levar uma espécie à extinção para curar pessoas com cancro (exemplo usado no post), com referência à não-obrigação de beneficiência By not acting beneficently, we don’t make anyone worse off than he otherwise would be – we just fail to make him better off.  That doesn’t strike me as blameable” o que acontece com a habitual ética de justificação de uso de animais na investigação biomédica? 

 

QBA – Qualitative Behaviour Assessment


Não são muitos dos cientistas que podem se gabar de terem estabelecido um método próprio para a sua área de estudo. Uma destas, da área da etologia aplicada e bem-estar animal, vai estar em Lisboa dia 18 de Julho para uma workshop sobre avaliação qualitativa de comportamento – Qualitative Behaviour Assessment ou QBA como se tem tornado mais conhecido o método desenvolvido por Françoise Wemelsfelder. 

Françoise Wemelsfelder doutorou-se em etologia na Universidade de Groningen em 1993, num estudo sobre tédio em animais. A escolha de tema foi corajosa e pouco convencional, características que têm marcado todo o trabalho da etóloga. Investigadora do Scottish Rural College desde há mais do que 10 anos, tem dedicado a maior parte da sua carreira até data ao desenvolvimento de um método para avaliar o estado emocional de animais.
O método QBA baseia-se na ideia da Françoise Wemelsfelder que o animal expressa o seu estado emocional ou disposição através da sua maneira de se movimentar, e que precisamos de observar o animal como um todo e não apenas quantificar por quanto tempo que ele executa um comportamento ou outro. QBA difere dos habituais testes de comportamento em que o investigador recorre a um painel de observadores para recolher dados sobre o comportamento do animal em estudo. Portanto, o observador não quantifica o comportamento do animal diretamente mas antes a interpretação dos observadores. Estes podem observar o animal diretamente ou através de gravações de vídeo, e dar uma pontuação às diferentes características do animal. A pontuação pode ser numérica e seguindo uma escala pré-estabelecida, ou em alternativa os observadores podem atribuir as suas próprias descrições. Trata-se de descrever os animais em termos de características como ‘nervoso’, ‘curioso’, ‘ansioso’, ‘agitado’, ‘relaxado’, ‘irritado’ etc.

A ideia é que esta é uma abordagem integrativa que permite reunir mais informação do que simples quantificações de comportamento. Nas palavras da investigadora:

The qualitative assessment of behaviour is based upon the integration by the observer of many pieces of information that in conventional quantitative approaches are recorded separately, or are not recorded at all. This may include incidental ehavioural events, subtle details of movement and posture, and aspects of the context in which behaviour occurs. In summarizing such details (…) qualitative behavioural assessment specifies not so much what an animal does, but how it does it. (Wemelsfelder et al 2001 Animal Behaviour 62, 209-220.)

O método foi inicialmente visto com muito ceticismo por parte de investigadores habituados a usar métodos quantitativos e que não envolvem uma componente subjetiva. Françoise Wemelsfelder e os seus colaboradores têm investido muito trabalho em demonstrar a capacidade do método de gerar resultados que podem ser repetidos, e mais recentemente em valida-los versus outros indicadores de bem-estar animal.
Françoise Wemelsfelder vem a Portugal no âmbito do projeto AWIN – Animal Welfare Indicators. A workshop tem lugar dia 18 na Faculdade de Medicina Veterinária em Lisboa, com inscrição gratuita mas obrigatória, para psianimal.geral@gmail.com.

Quem quiser fazer um doutoramento em bem-estar animal…

…pode não pensar em procurar um programa doutoral em biologia molecular e celular. Mas é neste programa que encontra os nossos projetos de investigação. O programa MCBiology vai decorrer no IBMC – Instituto de Biologia Molecular e Celular e está aberto para candidaturas até dia 30 de junho. Mais informação aqui.

O funcionamento das inspecções de Bem-estar Animal na Dinamarca – entrevista a Inger Anneberg

Anna Olsson – Olá Inger Anneberg, Universidade de Aarhus, Dinamarca. Parabéns pelo recentemente concluido doutoramento e pelos artigos que dele resultaram, publicados nas revistas Animal Welfare e Livestock Science.
Neste projeto, a Inger estudou as interacções entre agricultores e inspetores de bem-estar animal durante visitas não-anunciadas a explorações dinamarquesas. Podia elucidar-nos um pouco sobre o funcionamento das inspecções de bem-estar animal na Dinamarca?
Inger Anneberg – Na Dinamarca, pelo menos 5% de todos os rebanhos ou manadas com pelo menos 10 animais (incluindo cavalos) são inspeccionados todos os anos. Estas inspecções são realizadas por médicos veterinários oficiais e técnicos das administrações regionais. A Administração Veterinária e Alimentar dinamarquesa selecciona as explorações a ser inspeccionadas, se possível, por meio de parâmetros de risco, tais como os achados de matadouro, dados de auto-controlo do bem-estar animal pelo próprio produtor, uso de antibióticos e mortalidade. As inspecções são geralmente feitas sem aviso prévio, a fim de obter a imagem mais realista das condições do gado. Em algumas explorações a pessoa responsável pode não estar disponível. Em tais casos, pode ser necessário dar aviso prévio da inspecção de 48 horas. Se o proprietário ou o seu representante não está na exploração, a inspecção não é realizada.
Na prática, o inspector apresenta-se e explica a finalidade e âmbito da inspecção. O proprietário ou o seu representante também serão informados sobre a base jurídica da inspecção. Em seguida, o inspector vistoria todo o rebanho ou manada para avaliar se o produtor está em conformidade com as normas de protecção dos animais. No final da inspecção o produtor receberá um documento de verificação como prova de que o controlo foi efectuado. A inspecção pode mostrar que tudo está em ordem. No entanto, se qualquer disposição tiver sido violada, a autoridade de inspecção tem várias opções à sua disposição, dependendo da natureza e gravidade da infracção. O inspector pode emitir avisos para delitos menores ou autos de execução se for considerado que os animais foram sujeitos a tratamento negligente. Casos de negligência grosseira são reportados à polícia. Tanto os regulamentos nacionais como os da UE são inspecionados e, como tal, a retirada de subsídio da UE também pode ser o resultado da infracção.

A.O. – Qual a opinião dos produtores sobre as inspecções?

I.A. – A minha tese de doutoramento mostra que os produtores por um lado consideraram a inspecção do bem-estar animal como necessária e inevitável (principalmente com base na crença de que nem todos os produtores cumprem a lei) mas, por outro, sentiram que as inspecções eram geralmente injustas. Os participantes no estudo sentiram que a injustiça tinha a ver com o facto dos inspectores não usarem os mesmos padrões de referência para o julgamento das explorações. Além disso, os produtores queriam mais espaço para discussão e interpretação durante as visitas. Assim, em algumas situações, os produtores mencionaram a expectativa de encontrar um sistema de controlo objectivo e de forma a se poder entender e concordar com as suas regras e normas. A injustiça também tinha a ver com o facto de as inspecções serem realizadas sem aviso prévio e, portanto, muitas vezes sentidas como uma perturbação à vida quotidiana. Além disso, o sentimento de injustiça dos produtores prendia-se com o facto de não ser capaz de cumprir as exigências das autoridades e com o facto dos condicionalismos da UE virem a ser muito caros para o produtor. Por fim, os produtores expressaram a opinião de que as inspecções foram realizadas de maneiras muito diferentes entre explorações. Portanto, eles acreditam que a inspecção, apesar de proteger o sector, gera um sentimento de incerteza.

A.O. – O que é que os inspectores de bem-estar animal dizem sobre as suas funções e responsabilidade?

I.A. – Os inspectores de bem-estar animal expressam um dilema ligado à aplicação da legislação. Por um lado a pesquisa revelou uma visão de que os controladores só devem verificar se os produtores estão ou não conformes com a regulamentação de bem-estar animal. A questão chave deste tema é a regra legal de que todos os infractores devem ser tratados por igual. Por outro lado identificou-se um tema em que um elemento importante das inspecções é o de entrar em diálogo com os produtores. Este tema pode ser baseado numa visão mais progressista que visa motivar os produtores a cuidar do bem-estar dos animais sob o seu cuidado. A pesquisa mostra que este dilema leva a estratégias individuais por parte dos inspectores. O modo como as inspecções são realizadas na prática é influenciado pelas estratégias individuais desenvolvidas pelos inspectores independentemente das directrizes formuladas ao nível administrativo
Um tema em que todos os inspectores concordaram foi a importância de usar o diálogo como uma ferramenta antes e enquanto se examina o cumprimento / incumprimento. Inclui-se nesta ferramenta o uso de elogios, dizendo ao produtor quando algo parece bem, motivando-o a falar e a evitar discussões. No entanto, a ferramenta de diálogo por parte do inspector nem sempre foi encarada pelos produtores como sendo “diálogo”. Os inspectores também concordaram que demasiadas regras e a conformidade cruzada com as regras da EU torna as inspecções complicadas e com maior risco de conflito com os produtores.
O dilema entre inspectores mostra que a comunicação com os produtores sobre a legislação de bem-estar animal e, por exemplo, o que está por trás desses regulamentos é realizada de maneiras muito diferentes. Alguns inspectores focaram o aspecto preventivo, querendo mudar a perspectiva do produtor e falar-lhe sobre o comportamento do animal individual. Outros inspectores queriam focar a questão do cumprimento / incumprimento e não queriam abordar a razão por trás dos regulamentos, pois isso era visto como um potencial gerador de conflitos e por forma a evitar ‘dar palestras’ ao produtor.

Traduzido por Manuel Sant’Ana segundo a anterior ortografia.

As imagens não têm aspas

Texto escrito por Analuce Gouveia, Márcia Neto e Pedro Rosa, alunos da Pós-Graduação em Bem-Estar Animal, ISPA.

Na sequência da notícia publicada pelo Jornal de Notícias, divulgada também pela TVI a 20 de Fevereiro de 2013 (também com destaque na imprensa internacional), foi possível visualizar um conjunto de imagens do exercício militar Cobra Gold. Este evento, promovido na Tailândia pelo seu exército em parceria com forças militares dos EUA, decorre anualmente desde 1980 e visa fortalecer as relações militares entre os EUA e a região da Ásia-Pacífico. Na presente edição (11 a 21 de Fevereiro) participaram ainda Japão, Coreia do Sul, Malásia, Indonésia e Singapura. Foram 13 mil os operacionais que se submeterem ao curso de sobrevivência levado a cabo na base tailandesa de Sattahip, província de Chonburi, na qual, entre outros exercícios, foi ensinada a caça e a alimentação a cru de cobras, insetos e aves. 
Olhando aos títulos das notícias, e às respetivas imagens, somos confrontados com “mensagens” díspares. Se, por um lado, as cobras são referidas como recurso para a “sobrevivência”, por outro, as imagens dizem-nos algo mais. Observamos o maneio das cobras ainda vivas e, já depois de mortas, podemos ver o seu sangue bebido e escorrido pela cara e farda dos militares. Muitos apresentam ainda máquinas em punho a registar o momento e, por último, a atenção prende-se com a fotografia de um participante exibindo partes de uma cobra a penetrar as suas narinas.
Não é a espontaneidade dos militares para registar a originalidade do momento que está em causa e muito menos os objetivos deste treino. Sem pôr em causa a liberdade de imprensa, o que nos intriga é a divulgação de algumas destas imagens por parte dos media, que, tendo um primeiro sentido de ilustrar uma prática militar, acabam por noticiar algo mais complexo: aquilo que seria um treino com propósitos declaradamente diplomáticos é, também (e afinal), um espetáculo onde militares são treinados para matar e brincar, em nome da “sobrevivência”. 

Atente o leitor ao recurso das aspas no título da curta notícia do JN. Lê-se que os militares “sobrevivem”. Ora, se por um lado, é clara a tentativa de suavizar no texto a ideia (forçada) da sobrevivência dos militares, por outro, e dado o conteúdo fotográfico, há aqui algo incontornável: as imagens não têm aspas!
Mas a divulgação de imagens obedece alguma legislação? Debrucemo-nos sobre o panorama nacional.  Recorrendo à Lei nº 92/95 de 12 de Setembro (Protecção de Animais), constatamos que não existem referências a critérios de divulgação de conteúdos audiovisuais que ponham em causa a dignidade do animal. No Código Deontológico dos Jornalistas, não se lê também qualquer restrição sobre a imagem, seja relativa ou não a animais. Dada a pertinência ética que esta questão encerra, sinalizamos a lacuna. Só recorrendo a um documento elaborado e divulgado por ONGs, a chamada Declaração Universal dos Direitos dos Animais encontramos suporte para a nossa preocupação.
Artigo 13º
1. Um animal morto deve ser tratado com respeito.
2. As cenas de violência nas quais os animais são vítimas, devem ser proibidas no cinema e na televisão, salvo se essas cenas têm como fim mostrar os atentados contra os direitos do animal.


Dada a problemática da utilização das imagens dos animais no contexto anterior, e porque o contraste é interessante e de salutar na discussão, concluímos convidando à visualização do mais recente vídeo da PETA (People for the Ethical Treatment of Animals). 

Neste vídeo observa-se a utilização da imagem de humanos como matéria-prima para a coleção de roupas, vestidas por não-humanos, para efeitos de sensibilização do tratamento ético dos animais… Que dizer eticamente sobre a divulgação destas imagens? Uma coisa é certa: Os vídeos também não têm aspas! 

O papel do ensino da ética animal na formação da pessoa humana

Texto escrito por Bárbara Nabo, José Paulo Rego e Sara Martins, alunos do curso de Pós-Graduação em Bem-Estar Animal, ISPA.
Estamos a viver um período acelerado de transformações e mudanças com evidentes reflexos sobre os valores que orientam a vida individual e da sociedade. Vivemos num cenário de transformações, mudanças, polémicas e incerteza sobre o futuro, no qual a educação tem um papel fundamental na busca de respostas sobre o que ensinar e como educar para esse futuro imprevisível. 
Original photo under Creative Commons license here.

Um dos campos em que se tem verificado uma consistente evolução é a ética do relacionamento entre pessoas e animais, que tem levado a uma maior sensibilização das pessoas para abusos que tradicionalmente eram considerados próprios da supremacia da espécie humana. 

Em consequência, multiplicam-se as campanhas de protecção, mesmo para espécies que são maltratadas em locais tão distantes como a China ou o interior de África; generalizou-se o melhoramento das condições de vida e abate dos animais destinados à alimentação humana, enquanto as ideias de alimentação com base em fontes alternativas de proteína ganham mais divulgação; e surge uma ética para a conduta urbana de pessoas que têm animais de companhia. Mesmo as entidades oficiais, nomeadamente as autarquias, têm programas de recolha de animais abandonados e algumas utilizam a sua autoridade para proibir ou pelo menos condicionar algumas práticas tradicionais. A Camara Municipal de Lisboa acabou de anunciar a reformulação do canil/gatil municipal numa Casa do Animal, incluindo um Provedor do Animal para supervisionar o funcionamento.  
Apesar disso, na sociedade actual, o abandono dos animais de estimação, em particular cães e gatos, é elevado, sendo frequente depararmo-nos cada vez mais com animais errantes a vaguear pelas ruas  
Descreve o jornal Expresso que as razões dadas pelas pessoas são: “(…) as alergias, os divórcios ou as férias de Verão, ás quais se junta agora a falta de dinheiro e a taxa de emigração”. O jornalista acrescenta que “tudo isto faz um cocktail onde, além do sofrimento dos animais, se alastra a problemas de saúde pública e até de segurança para as pessoas.”
À educação é solicitado que contribua para a superação desta crise, com mudanças não apenas nos conteúdos e métodos, mas principalmente, na sua vertente formativa, com destaque para o papel da escola como espaço educativo global, em que os aspectos racionais e legais se cruzam com os éticos e estéticos, para a educação dos valores e dos afectos.

A espécie humana tende a dominar o meio e a considerar-se superior às outras. Apenas no século passado, a noção de ecossistema e da importância repartida de todas as espécies de seres vivos na manutenção da vida como a conhecemos veio questionar essa atitude, e criou condições para se pensar nos direitos que os animais deverão ter como seres vivos, mesmo quando se considere que algumas espécies possam estar ao serviço directo da espécie humana, como os animais domésticos, ou outros. 

A educação tem portanto, um papel decisivo nesta mudança de atitude, não só ao nível do conhecimento científico, da divulgação das descobertas sobre o comportamento animal que vão sendo feitas e que permitem desenvolver ética animal, mas igualmente na formação de pessoas mais informadas e portanto mais conscientes do respeito que os outros seres vivos lhes devem merecer. 
Assim, a ética animal, sendo uma conquista recente da humanidade, reforça (re)aprendizagens importantes no contexto do comportamento humano, como o esprírito de solidariedade, de sentido crítico e de intervenção activa e promove a emergência de um conjunto de valores e crenças que contribuem positivamente para o desenvolvimento das sociedades.

É menos ético usar animais para estudar obesidade?

O uso de animais na investigação é controverso. Segundo alguns filósofos, nuncaouquase nunca  é eticamente justificado realizar experimentação animal para o benefício de outros. Do outro lado defende-se o valor científico de experiências com animais.

Além do (frequentemente aceso) debate, existe uma posição de compromisso, em que a nossa legislação se baseia. Podemos ver isto claramente nos recitais (o texto que precede os parágrafos num texto legal da União Europeia e que explica o fundamento das normas estabelecidas) da Diretiva 2010/63/UE que regula investigação com animais na Europa: 

“Embora seja desejável substituir a utilização de animais vivos em procedimentos por outros métodos que não impliquem a sua utilização, o recurso a animais vivos continua a ser necessário para proteger a saúde humana e animal, assim como o ambiente.” (recital 10)
“os animais deverão ser sempre tratados como criaturas sencientes e a sua utilização em procedimentos deverá ser limitada a domínios que, em ultima análise, tragam benefícios para a saúde humana ou animal, ou para o ambiente” (recital 12)
“A escolha dos métodos e das espécies a utilizar tem impacto directo tanto no número de animais utilizados como no seu bem-estar. Por conseguinte, a escolha dos métodos deverá assegurar a selecção do método susceptível de proporcionar resultados mais satisfatórios e provocar o mínimo de dor, sofrimento e angustia.” (recital 13)
Ou seja, investigação com animais é legalmente (e portanto segundo a visão em que a legislação se baseia, também eticamente)  aceitável quando não existir outro método, quando o sofrimento animal é minimizado e quando produz benefícios para a saúde ou ambiente. E – o que na Diretiva tem que ser lido nas entrelinhas – quando o beneficio ultrapassa o custo.
E é com referência ao último aspeto que académicose ONGstêm argumentado que investigação sobre obesidade não justifica o uso de animais. Nas palavras do Marc Bekoff:
“A good deal of obesity can be easily prevented so these monkeys are being used to study a condition that many people can we can avoid simply by choosing healthier lifestyles. The monkeys shouldn’t have to pay for our indiscretions and poor choices.”  
Num primeiro olhar, parece coerente. Baniu-se (na Europa) o uso de animais para testar cosméticos e há uma visão quase unânime que os animais não devem pagar pela a vaidade humana. Mas aguentará um argumento semelhante contra estudos de obesidade uma análise mais aprofundada?

Neste artigo analisamos os dois principais argumentos contra o uso de animais na investigação em obesidade: o argumento da responsabilidade pessoale o argumento da distração.
Central no argumento de responsabilidade pessoal é a afirmação que as pessoas são responsáveis pela sua obesidade. Comida a mais e exercício a menos resultam em peso a mais, e os problemas de saúde relacionados poderiam ser resolvidos ou prevenidos com uma mudança de hábitos. Isto parece ser um facto, mas implica isto que o estilo de vida de uma pessoa é a sua responsabilidade moral? No que diz respeito a hábitos alimentares, estes são em grande medida adquiridos na infância, não se tratando assim de algo que escolhemos conscientemente, como quando escolhemos investir o nosso dinheiro num videojogo ou numa mensalidade no ginásio. E tão pouco como podemos escolher os nossos pais, podemos escolher os hábitos com que somos criados. Isto não implica que não possamos alterar os nossos hábitos (quanto a pais, creio que continua impossível…), mas implica que é muito mais difícil e que o sucesso não é garantido – como muita gente confirma repetidamente. Mas, para além disto, os hábitos alimentares na infância não afetam só os hábitos alimentares do adulto, havendo evidência clara de que se traduzem em alterações biológicas. Por exemplo, a amamentação parece reduzir o risco de obesidade em crianças
O argumento de distração toma como ponto de partida a observação que hábitos pouco saudáveis, e sobretudo os associados com obesidade, podem ser prevenidos. Assim sendo, argumenta que se a ênfase deve ser dada às medidas de prevenção. Novamente, é um facto que hábitos pouco saudáveis podem ser alterados e que isto reduz os problemas de saúde que deles derivam. Mas não é óbvio que isto seja um argumento contra a investigação com animais na área. A conclusão de que é errado investir em investigação com animais sobre obesidade necessita que duas condições sejam cumpridas:
a) investigação com o objetivo de desenvolver terapias para obesidade (e outras doenças relacionadas com estilo de vida) retira atenção e recursos das medidas de prevenção
b) todos os problemas com obesidade podem ser resolvidos através de estratégias de prevenção
Não existe evidência que sugere que a primeira condição seja verdade. Na área de investigação sobre obesidade, o nº de artigos científicos sobre estratégias de prevenção e controlo aumentou quase 10 vezes num período de 12 anos (1995/98-2007/10), e este tipo de investigação tem crescido mais do que qualquer outro tipo na área.
É também altamente questionável que seja possível resolver o problema de obesidade apenas através de prevenção. Esta poderá ser uma ferramenta eficiente para controlar fatores que tenham a ver com a conduta individual. E com mais pais com hábitos saudáveis, menos crianças serão criadas com hábitos pouco saudáveis. Mas mesmo se esta abordagem viesse a ter sucesso completo (o que em si é muito pouco provável), antes de os seus efeitos terem penetrado toda a população, muita gente virá desenvolver problemas de saúde relacionados com obesidade.
Face ao que é sabido da patobiologia e epidemiologia de obesidade humana, não se pode argumentar que experimentação animal seja menos aceitável para estudos desta doença do que para outras doenças humanas. Claro que isto não implica carta-branca para cada experiência animal com objetivo de estudar obesidade. Há ainda espaço amplo para uma discussão critica sobre que aspectos desta doença que são adequados a estudar em animais.

Sociedade Portuguesa de Etologia


Após um período de atividade reduzida, a Sociedade Portuguesa de Etologia anuncia agora –  atraves do seu novo presidente Paulo Gama Mota –  a reanimação desta organização científica fundada em 1987. 

Com uma nova composição dos órgãos sociais desde Janeiro este ano, a direção da SPE passa a integrar cientistas de norte ao sul do Portugal, com o presidente Paulo Gama Mota da Universidade de Coimbra e do CIBIO-UP, Gonçalo Cardoso e Rita Covas do CIBIO-UP, Eduardo Barata da Universidade do Algarve, Joana Jordão da Universidade de Lisboa, Clara Amorim do ISPA e Susana Lima da Fundação Champalimaud.

O próximo congresso, o 10º Congresso Nacional de Etologia, terá lugar dias 24-25 de Outubro na Fundação Champalimaud.

Mais notícias no Newsletter da SPE, onde também há informação sobre como fazer para (como eu preciso) re-ativar a sua presença da SPE ou fazer-se novo sócio.