Pode um cão ser vegan ?

A passada edição da revista VISÃO (13-10-2011) publicava uma curta reportagem sobre indivíduos vegetarianos que decidiram incluir os seus animais de estimação no mesmo regime alimentar. O argumento por detrás de tal decisão é a coerência : todas as rações para cães e gatos de estimação são feitas a partir de produtos e sub-produtos da transformação animal e provenientes, na sua larga maioria, de explorações intensivas. Alguém que se abstém de consumir carne e derivados e vive na companhia de um cão ou de um gato (ou de um furão…), não deve ficar indiferente a este facto.

A minha primeira impressão ao ler esta rúbrica foi a de que modificar o regime alimentar de animais a bem das nossas opções éticas (e estéticas, na medida em que não comer alimentos de origem animal é também uma afirmação de um estilo de vida) seria atentar contra o seu telos, contra aquilo que faz um cão ser um cão e um gato ser um gato ou, segundo as palavras de Bernard Rollin, “the dogness of the dog, the catness of the cat“. Na natureza, cães e gatos são animais carnívoros (tendencialmente omnívoros no caso dos cães e carnívoros estritos no caso dos gatos) e privá-los dessa característica, colocando em risco a sua saúde, a bem da coerência das nossas próprias acções pareceu-me, à primeira vista, frívolo e perigoso.

Mas uma reflexão mais atenta fez-me dar um passo atrás. Não há nada de natural nas dietas comuns dos nossos animais de estimação (basta ler um rótulo) e uma grande proporção dos seus ingredientes são, de facto, de origem vegetal. Pelo menos enquanto não houver dados que permitam tirar conclusões sobre o efeito de rações vegetarianas na saúde de cães e gatos, muitos poucos argumentos poderão ser apresentados a seu desfavor. Além disso, a indústria da pet food, por ser menos exigente em termos de qualidade das suas matérias-primas, é em grande medida responsável pela perpetuação de práticas de produção pecuária agressivas para o bem-estar dos animais em causa, o que me faz pensar que a existência de alternativas pode alertar o consumidor para a origem dos ingredientes da ração que dá ao seu pet.

Deixo este texto inacabado. Espero contribuições dos animalogantes para o desenvolver.

International Conference on Veterinary and Animal Ethics

Decorreu em Londres, nos passados 12 e 13 de Setembro, a primeira Conferência Internacional em Ética Animal e Veterinária (ICVAE). Tive a sorte – e a honra – de ir como bolseiro, o que me deu acesso completo ao evento por troca de uma pequena ajuda no secretariado. Estiveram presentes cerca de 100 especialistas um pouco de todo o mundo ocidental, embora a esmagadora maioria dos participantes proviessem da Commonwealth.
Para mim tratava-se de uma oportunidade única de estreitar o círculo de relações e conhecer a nata da ética animal e veterinária com quem ainda não me tinha cruzado. Em especial, tinha uma curiosidade enorme de conhecer o Bernard Rollin (na imagem), pai fundador da ética veterinária como disciplina autónoma, e John Webster, também ele pioneiro mas da disciplina do bem-estar animal. De ambos consegui autógrafos que muito vieram enriquecer a minha biblioteca pessoal (metade da minha mala eram livros, a propósito).


Quanto à conferência propriamente dita, foi pautada por altos e baixos, como se compreende num evento inaugural. A organização (exemplar) do Royal Veterinary College optou por uma abordagem de alargada abrangência temática com curtas contribuições de veterinários, filósofos, economistas, advogados, dirigentes políticos e de ONG’s. Esta pletora de palestrantes diluiu em demasia a unidade da conferência (os temas foram do abate religioso ao Grand National passando pelo Human-Animal Bond em menos de uma hora) mas permitiu um ambiente alargado de discussão, que por vezes igualava o tempo da palestra que lhe dava origem.

As palestras foram gravadas e serão transpostas para livro, com a chancela da Blackwell Publishers. Entre elas destaco duas, sem desmérito para as restantes:
a) “Ethical analysis of the use of animals for sport” de Madeleine Campbell pela forma objectiva e clara como expôs a dilemática no uso de cavalos para desporto.
b) “The Justice of Animal Use” de Martin Whiting que explora a transposição (ou não…) do Princípio da Justiça para o âmbito da ética animal.

De realçar que a conferência foi seguida em directo pelo Twitter (#ICVAE), tendo mesmo sido feitas perguntas aos palestrantes por essa via, e também pela plataforma NOVICE (Animal Welfare Group) onde, através do trabalho dactilográfico extraordinário de uma outra bolseira, Rowena Packer, se conseguiu um elevado nível de discussão que ainda hoje perdura.

Tribo Mundari, Sudão


Fotografias de Goran Tomasevic, Reuters

Ver Slideshow.

Os mundari parecem resistir ao tempo. São uma tribo do sul do Sudão que continua a viver do gado e da agricultura. As terras que ocupam, a 75 kilómetros a norte de Juba, a capital do sul, são ideais para as suas manadas, base da sua economia e da sua estrutura social (…) Goran Tomasevic, fotógrafo ao serviço da Reuters, decidiu registar o dia-a-dia desta tribo do Nilo que vive em permanete disputa com os dinka, que dominam a fronteira norte do seu território.

Homem conduz o rebanho numa rua da capital da região autónoma do Sudão do Sul.

Juba, 26 de dezembro de 2010.


Homens e crianças partilham a terra com o gado, que usam como base da alimentação e moeda de troca, e que é, ao mesmo tempo, factor determinante do estatuto social de cada indivíduo ou família da tribo (…) Depois de uma guerra civil (1983-2005) que matou pelo menos dois milhões de pessoas, o Sudão precisa de optimismo. Como os mundari precisam de respeitar o tempo das colheitas de sogro das suas terras alagadas pelo Nilo nas estações das chuvas, como precisam de iniciar os rapazes que hão-de tomar conta do gado, quando crescerem.

Público, P2, 21 Janeiro 2011

A minha anémona tem mais personalidade do que a tua

Source: Sciencemag.com Credits: Martyn Gorman

Um estudo científico publicado o mês passado na PLoS ONE, vem defender que as anémonas, animais marinhos invertebrados de vida adulta sedentária, possuem personalidades diferentes. Os investigadores da Universidade de Plymouth, no Reino Unido, não têm dúvidas em afirmar que “ao invés de se restringir a determinados grupos, a personalidade pode ser uma característica geral dos animais e ser particularmente acentuada em espécies com sistemas nervosos simples.”

Embora o estudo evite fazer considerações sobre se esta descoberta deve influenciar a forma como tratamos as anémonas, não deixa de ser pertinente questionar sobre se a posse de personalidade é uma característica suficiente para se ser considerado como sujeito moral. Um ser com personalidade é um ser capaz de tomar opções baseadas em estímulos sensoriais. E em termos de bem-estar, as opções de um animal devem ser tidas em conta.

As anémonas pertencem ao Filo Cnidária, o mais simples dos filos do Reino Animalia que possuem verdadeiros tecidos e orgãos especializados. Em 2008, na minha tese de Mestrado em Bioética, defendi que a consideração moral deveria incluir os seres invertebrados e que, essa consideração teria início nos cnidários por serem os primeiros animais com tecidos muscular e nervoso. Considero ser esta a fronteira que separa aqueles que sentem (muito ou pouco) dos que não sentem (nem podem sentir) e a divisão mais ou menos arbitrária que filósofos têm proposto para a senciência ao longo dos anos tem aqui um determinismo biológico que, a meu ver, não pode ser ignorado. A presença de características individualizantes (ou personalizantes ?) em anémonas vem desta forma reforçar a minha opinião.

Fé nos Burros

O Fotógrafo João Pedro Marnoto tem andado por Trás-os-Montes, de aldeia em aldeia, atrás do gado asinino, e o resultado é o livro de retratos Fé nos Burros. O Projecto conta com a colaboração da Associação para o Estudo e Protecção do Gado Asinino. Vejam também a rubrica da Teresa Firmino no suplemento P2 do Público de hoje.

Animais errantes – eliminar ou proteger ?

A Câmara Municipal do Porto (CMP) deu início a uma campanha de controlo dos animais errantes que pululam nos espaços públicos. A autarquia portuense vem recomendar aos seus munícipes que “colaborem na redução de alimento disponível nas ruas” para gatos, pombos e gaivotas. Para isso, disponibiliza um panfleto informativo onde expõe os problemas de saúde pública que estes animais provocam e fornece normas de actuação responsável, como sejam:

a) Não alimentar os animais errantes.
b) Esterilizar os gatos domésticos e mantê-los vedados.
c) Acondicionar correctamente os resíduos.
d) Não deitar lixo nem alimentos para o chão.
Como seria de esperar, esta medida tem provocado uma onda de indignação na página do Ambiente no sítio electrónico da CMP, com a autarquia ser acusada de ser “irresponsável e cruel” e a medida qualificada como “uma autêntica vergonha” e “iniciativa do IV Reich”. Não consegui encontrar, aliás, um único comentário abonatório a esta medida! Louve-se, no entanto, a posição conciliadora do Gabinete de Comunicação: “em face deste anúncio, a CMP recebeu um número de comentários fora do habitual no seu site; no entanto, e apesar de muitos se encontrarem desenquadrados em relação à medida anunciada, decidimos publica-los, uma vez que não ultrapassam as regras definidas previamente para aceder a este espaço.”
A meu ver, a campanha nada tem de condenável, e parece-me que as medidas propostas são do mais elementar bom senso, mas atrevo-me a apontar as razões para esta indignação popular:
a) A afirmação “Não alimentar animais errantes” é vista pela maioria das pessoas como um sinónimo de “matar à fome animais errantes”, e é aqui que a CMP se arrisca a ver classificada como irresponsável e cruel. Mas uma não implica necessariamente a outra se for montado um sistema concertado de manutenção dos animais já existentes, algo que a campanha da CMP não parece prever.
b) Falar de gatos, ao mesmo nível de pombos e gaivotas. Os gatos são, acima de tudo, animais de companhia, com os quais se estabelecem relações afectivas. Pelo contrário, pombos e gaivotas são animais silvestres pelos quais não nos sentimos particularmente responsáveis. Penso que a CMP deveria ter feito a distinção entre dois tipos de animais errantes, respeitando assim as devidas diferenças. Por um lado gatos e cães (porque é que os cães vadios não estão aqui incluídos ??) e por outro aves (pombos, gaivotas) e, porque não, roedores (ratos, ratazanas).
Estou convencido que, se estes pontos tivessem sido acautelados, uma campanha desta natureza teria mais condições de ser compreendida e aceite.

2011 – Ano Mundial da Medicina Veterinária


Por ocasião da fundação da primeira faculdade de medicina veterinária em 1761 em Lyon, França, comemora-se este ano o Ano Mundial da Medicina Veterinária. São 250 anos de história de uma profissão que significa muito mais do que apenas ser médico de animais. A OIE (World Organization for Animal Health) criou uma série de pequenos vídeos que evidenciam o importante papel que o Médico Veterinário desempenha na sociedade, em todas as suas áreas de intervenção, desde a Saúde e Bem-estar Animal à Saúde Pública e Segurança Alimentar.