University College Dublin procura postdoc em ética veterinária

As part of its programme to provide post-doctoral research opportunities for scholars of proven academic excellence, University College Dublin invites applications for the prestigious Veterinary Council Educational Trust Newman Fellowship in Veterinary Ethics. The Fellowship is established with the generous support of the Veterinary Council of Ireland’s Educational Trust.

Applications are invited from candidates who hold a PhD in veterinary ethics, bioethics, animal welfare science or similar. A sound knowledge of veterinary practice is also desirable demonstrated either by academic qualifications or over 2 years work experience. Ideally, demonstrable skills in qualitative research methodology and thematic analysis are desirable. Relevant scientific publications in international peer reviewed journals should demonstrate a portfolio of high quality research output along with conference publications and evidence of clinical experience.

The Veterinary Council Educational Trust Newman Fellowship comes with a generous stipend and is tenable for two years. The successful applicant will be based in the UCD School of Veterinary Medicine, Dublin, Ireland.

Informal enquiries regarding this Fellowship may be directed to Professor Stephen Gordon, UCD School of Veterinary Medicine (Stephen.Gordon@ucd.ie) or Dr Alison Hanlon (Alison.Hanlon@ucd.ie)

To apply please visit the UCD Graduate Studies website at: http://www.ucd.ie/graduatestudies/coursefinder/researchprogrammes/scholarships

Closing Date for applications is the 31st August 2013.

O meu gatinho versus o lobo-mau?

Que somos muito inconsequentes na maneira como lidamos com os outros animais não é surpresa para quem se interessa pelas questões de ética animal. Algumas das incongruências podem ser explicadas pela escala sócio-zoológica. Desenhada de uma perspetiva antropológica pelos investigadores Arluke and Sanders, esta escala é uma maneira de descrever e de sistematizar a nossa tendência no chamado mundo ocidental de favorecer alguns tipos de animais e desfavorecer outros. Muito resumidamente, tendemos a colocar mais alto os primatas, os animais de companhia que costumam ser membros da família (cães e gatos) e os grandes carnívoros, ficando os outros animais domésticos no meio e animais que são considerados pragas em baixo.

Vou trazer para a discussão dois casos com que me tenho cruzado recentemente, e que para mim são novos. Acho que podem ser entendidos à luz da escala sócio-zoológica, mas não deixam por isso de ser incongruentes.

A primeira incongruência deriva de uma página pessoal no Facebook, onde se calhar não devíamos estar à espera de coerência. Não deixa contudo de ser interessante do ponto de vista ético. Sendo a página em sueco e norueguês, não coloco links aqui, mas vou resumir. Que a autora queira partilhar a sua opinião é evidente. Basta ver os primeiros 10 posts para perceber que se opõe à politica de proteção dos lobos – abundam os links para relatos de gado atacado por lobos. Um destes mostra um pequeno vídeo de uma rena gravemente ferida e ainda viva, sob o cabeçalho “politica de proteção de carnívoros causa grande sofrimento”.

Cada um tem direito a sua opinião, e não há duvidas que a presença de carnívoros e presas ao mesmo local resulta na morte e sofrimento dos segundos. Esta é uma questão que a autora é capaz de não ter explorado até o fim, pois percebe-se também de outros posts que tem um gato que anda fora da casa e que desaparece durante dias, às vezes semanas. Mas alimentando-se de quê? 

Bye, bye, rhino, é o título de um post publicado há um mês no blog de Journal of Medical Ethics. A pergunta colocada é se o problema da extinção do rinoceronte-negro-ocidental se torna mais grave por ser associado à procura do seu corno para a produção de um ‘medicamento’ sem efeito clínico. Ou seja, seria mais eticamente aceitável extinguir uma espécie à procura de um medicamento altamente eficiente? Fora da (não abordada mas para mim óbvia) questão da idiotice que seria matar a galinha de ovos de ouro, o autor tende a responder que não seria necessariamente mais aceitável:

It’s conceivable that providing extra good for humanity might turn out to be a defensible thing to do.
One other thing that we ought to question, though, is how much of an obligation there is to provide that extra good for humanity. If there is an obligation, then it might follow that, however unpleasant it is, we ought to hunt – to extinction, if that’s how things shake out. At the very least, we’d have more of a defence.
But is there such a duty – in essence, a duty of beneficence? I’m not sure. I think that there’s a fairly straightforward duty not to cause harm; but to fail to provide benefit is not the same as to cause harm. By not acting beneficently, we don’t make anyone worse off than he otherwise would be – we just fail to make him better off. That doesn’t strike me as blameable.
The point is that beneficence often comes at a price; and so we always have to think about whether a particular instance of beneficence is worth it. The (slightly strined) example in which benefiting humans means extinguishing another species might provide us with an example of a situation in which it’s not worth it. (Extinguishing smallpox might be slightly different, inasmuch as that’s a species that is a direct threat in a way that rhinos aren’t.)

Não discordo necessariamente com o autor. Mas a pergunta para mim inevitável é: e a experimentação animal? Se não é justificável levar uma espécie à extinção para curar pessoas com cancro (exemplo usado no post), com referência à não-obrigação de beneficiência By not acting beneficently, we don’t make anyone worse off than he otherwise would be – we just fail to make him better off.  That doesn’t strike me as blameable” o que acontece com a habitual ética de justificação de uso de animais na investigação biomédica? 

 

Quem quiser fazer um doutoramento em bem-estar animal…

…pode não pensar em procurar um programa doutoral em biologia molecular e celular. Mas é neste programa que encontra os nossos projetos de investigação. O programa MCBiology vai decorrer no IBMC – Instituto de Biologia Molecular e Celular e está aberto para candidaturas até dia 30 de junho. Mais informação aqui.

As imagens não têm aspas

Texto escrito por Analuce Gouveia, Márcia Neto e Pedro Rosa, alunos da Pós-Graduação em Bem-Estar Animal, ISPA.

Na sequência da notícia publicada pelo Jornal de Notícias, divulgada também pela TVI a 20 de Fevereiro de 2013 (também com destaque na imprensa internacional), foi possível visualizar um conjunto de imagens do exercício militar Cobra Gold. Este evento, promovido na Tailândia pelo seu exército em parceria com forças militares dos EUA, decorre anualmente desde 1980 e visa fortalecer as relações militares entre os EUA e a região da Ásia-Pacífico. Na presente edição (11 a 21 de Fevereiro) participaram ainda Japão, Coreia do Sul, Malásia, Indonésia e Singapura. Foram 13 mil os operacionais que se submeterem ao curso de sobrevivência levado a cabo na base tailandesa de Sattahip, província de Chonburi, na qual, entre outros exercícios, foi ensinada a caça e a alimentação a cru de cobras, insetos e aves. 
Olhando aos títulos das notícias, e às respetivas imagens, somos confrontados com “mensagens” díspares. Se, por um lado, as cobras são referidas como recurso para a “sobrevivência”, por outro, as imagens dizem-nos algo mais. Observamos o maneio das cobras ainda vivas e, já depois de mortas, podemos ver o seu sangue bebido e escorrido pela cara e farda dos militares. Muitos apresentam ainda máquinas em punho a registar o momento e, por último, a atenção prende-se com a fotografia de um participante exibindo partes de uma cobra a penetrar as suas narinas.
Não é a espontaneidade dos militares para registar a originalidade do momento que está em causa e muito menos os objetivos deste treino. Sem pôr em causa a liberdade de imprensa, o que nos intriga é a divulgação de algumas destas imagens por parte dos media, que, tendo um primeiro sentido de ilustrar uma prática militar, acabam por noticiar algo mais complexo: aquilo que seria um treino com propósitos declaradamente diplomáticos é, também (e afinal), um espetáculo onde militares são treinados para matar e brincar, em nome da “sobrevivência”. 

Atente o leitor ao recurso das aspas no título da curta notícia do JN. Lê-se que os militares “sobrevivem”. Ora, se por um lado, é clara a tentativa de suavizar no texto a ideia (forçada) da sobrevivência dos militares, por outro, e dado o conteúdo fotográfico, há aqui algo incontornável: as imagens não têm aspas!
Mas a divulgação de imagens obedece alguma legislação? Debrucemo-nos sobre o panorama nacional.  Recorrendo à Lei nº 92/95 de 12 de Setembro (Protecção de Animais), constatamos que não existem referências a critérios de divulgação de conteúdos audiovisuais que ponham em causa a dignidade do animal. No Código Deontológico dos Jornalistas, não se lê também qualquer restrição sobre a imagem, seja relativa ou não a animais. Dada a pertinência ética que esta questão encerra, sinalizamos a lacuna. Só recorrendo a um documento elaborado e divulgado por ONGs, a chamada Declaração Universal dos Direitos dos Animais encontramos suporte para a nossa preocupação.
Artigo 13º
1. Um animal morto deve ser tratado com respeito.
2. As cenas de violência nas quais os animais são vítimas, devem ser proibidas no cinema e na televisão, salvo se essas cenas têm como fim mostrar os atentados contra os direitos do animal.


Dada a problemática da utilização das imagens dos animais no contexto anterior, e porque o contraste é interessante e de salutar na discussão, concluímos convidando à visualização do mais recente vídeo da PETA (People for the Ethical Treatment of Animals). 

Neste vídeo observa-se a utilização da imagem de humanos como matéria-prima para a coleção de roupas, vestidas por não-humanos, para efeitos de sensibilização do tratamento ético dos animais… Que dizer eticamente sobre a divulgação destas imagens? Uma coisa é certa: Os vídeos também não têm aspas! 

O papel do ensino da ética animal na formação da pessoa humana

Texto escrito por Bárbara Nabo, José Paulo Rego e Sara Martins, alunos do curso de Pós-Graduação em Bem-Estar Animal, ISPA.
Estamos a viver um período acelerado de transformações e mudanças com evidentes reflexos sobre os valores que orientam a vida individual e da sociedade. Vivemos num cenário de transformações, mudanças, polémicas e incerteza sobre o futuro, no qual a educação tem um papel fundamental na busca de respostas sobre o que ensinar e como educar para esse futuro imprevisível. 
Original photo under Creative Commons license here.

Um dos campos em que se tem verificado uma consistente evolução é a ética do relacionamento entre pessoas e animais, que tem levado a uma maior sensibilização das pessoas para abusos que tradicionalmente eram considerados próprios da supremacia da espécie humana. 

Em consequência, multiplicam-se as campanhas de protecção, mesmo para espécies que são maltratadas em locais tão distantes como a China ou o interior de África; generalizou-se o melhoramento das condições de vida e abate dos animais destinados à alimentação humana, enquanto as ideias de alimentação com base em fontes alternativas de proteína ganham mais divulgação; e surge uma ética para a conduta urbana de pessoas que têm animais de companhia. Mesmo as entidades oficiais, nomeadamente as autarquias, têm programas de recolha de animais abandonados e algumas utilizam a sua autoridade para proibir ou pelo menos condicionar algumas práticas tradicionais. A Camara Municipal de Lisboa acabou de anunciar a reformulação do canil/gatil municipal numa Casa do Animal, incluindo um Provedor do Animal para supervisionar o funcionamento.  
Apesar disso, na sociedade actual, o abandono dos animais de estimação, em particular cães e gatos, é elevado, sendo frequente depararmo-nos cada vez mais com animais errantes a vaguear pelas ruas  
Descreve o jornal Expresso que as razões dadas pelas pessoas são: “(…) as alergias, os divórcios ou as férias de Verão, ás quais se junta agora a falta de dinheiro e a taxa de emigração”. O jornalista acrescenta que “tudo isto faz um cocktail onde, além do sofrimento dos animais, se alastra a problemas de saúde pública e até de segurança para as pessoas.”
À educação é solicitado que contribua para a superação desta crise, com mudanças não apenas nos conteúdos e métodos, mas principalmente, na sua vertente formativa, com destaque para o papel da escola como espaço educativo global, em que os aspectos racionais e legais se cruzam com os éticos e estéticos, para a educação dos valores e dos afectos.

A espécie humana tende a dominar o meio e a considerar-se superior às outras. Apenas no século passado, a noção de ecossistema e da importância repartida de todas as espécies de seres vivos na manutenção da vida como a conhecemos veio questionar essa atitude, e criou condições para se pensar nos direitos que os animais deverão ter como seres vivos, mesmo quando se considere que algumas espécies possam estar ao serviço directo da espécie humana, como os animais domésticos, ou outros. 

A educação tem portanto, um papel decisivo nesta mudança de atitude, não só ao nível do conhecimento científico, da divulgação das descobertas sobre o comportamento animal que vão sendo feitas e que permitem desenvolver ética animal, mas igualmente na formação de pessoas mais informadas e portanto mais conscientes do respeito que os outros seres vivos lhes devem merecer. 
Assim, a ética animal, sendo uma conquista recente da humanidade, reforça (re)aprendizagens importantes no contexto do comportamento humano, como o esprírito de solidariedade, de sentido crítico e de intervenção activa e promove a emergência de um conjunto de valores e crenças que contribuem positivamente para o desenvolvimento das sociedades.

"Devemos estudar chimpanzés em Cativeiro?" – O Debate


Neste momento há 451 chimpanzés em laboratórios do NIH nos Estados Unidos. No entanto, este organismo pretende em breve “aposentar” muitos destes animais, congelar novas autorizações para o seu estudo em laboratório e extinguir faseadamente projectos actualmente a decorrer. Esta decisão resulta de um relatório de 2011 sugerindo que a maior parte da investigação nestes animais em laboratórios é desnecessária. 

O debate promovido pela Science pretendeu dar resposta a perguntas como: Que tipo de estudos (se algum) deverão continuar a ser efectuados em chimpanzés cativos? Há algum modo ético de conduzir estudos biomédicos em animais desta espécie? O que é que podemos aprender de estudos em cativeiro que não seja possível em meio selvagem, e vice-versa? 

Os convidados foram William HopkinsPascal Gagneux e Brian Hare . 

Cada um dos investigadores convidados apresentou posições distintas, havendo no   entanto alguma convergência nalguns pontos:

Em termos gerais, William Hopkins considera que é errado discutir se é melhor estudar chimpanzés em estado selvagem ou em cativeiro, pois ambas as abordagens são úteis e complementares. Para Hopkins, o estudo em cativeiro permite controlar uma série de variáveis de um modo que é completamente impossível num ambiente natural.  

Já Pascal Gagneux não considera ser possível estudar devidamente o comportamento e desenvolvimento dos chimpanzés num ambiente de privação sensorial e social como um laboratório pois, por maior que sejam os esforços no enriquecimento ambiental desse espaço, nada substitui o habitat natural da espécie. 

Para Brian Hare, há valor no estudo destes animais quer num ambiente selvagem, quer em cativeiro. Contudo, para Hare, estudar primatas em cativeiro não significa fazê-lo num laboratório, e menos ainda através de experiências invasivas. Aliás, ele não vê porque esse meio cativo não poderá ser em África, já que a Internet e as ligações áreas regulares ao continente (algo que não era possível quando se construíram as primeiras instalações para primatas nos EUA) o possibilitam. Isto poderá também ter um impacto positivo no desenvolvimento local e nos esforços de conservação da espécie. Para além disso, abre a possibilidade para o estudo ético de Bonobos, “a espécie certa”, já que é mais próxima dos humanos.

Relativamente às questões em debate cada um dos investigadores esgrimiu argumentos  éticos e científicos relevantes a ter em consideração antes de formar uma opinião sobre o tema. Vale assim a pena acompanhar esta conversa em diferido no vídeo acima, estando em breve disponível também o áudio e transcrição do debate.

É menos ético usar animais para estudar obesidade?

O uso de animais na investigação é controverso. Segundo alguns filósofos, nuncaouquase nunca  é eticamente justificado realizar experimentação animal para o benefício de outros. Do outro lado defende-se o valor científico de experiências com animais.

Além do (frequentemente aceso) debate, existe uma posição de compromisso, em que a nossa legislação se baseia. Podemos ver isto claramente nos recitais (o texto que precede os parágrafos num texto legal da União Europeia e que explica o fundamento das normas estabelecidas) da Diretiva 2010/63/UE que regula investigação com animais na Europa: 

“Embora seja desejável substituir a utilização de animais vivos em procedimentos por outros métodos que não impliquem a sua utilização, o recurso a animais vivos continua a ser necessário para proteger a saúde humana e animal, assim como o ambiente.” (recital 10)
“os animais deverão ser sempre tratados como criaturas sencientes e a sua utilização em procedimentos deverá ser limitada a domínios que, em ultima análise, tragam benefícios para a saúde humana ou animal, ou para o ambiente” (recital 12)
“A escolha dos métodos e das espécies a utilizar tem impacto directo tanto no número de animais utilizados como no seu bem-estar. Por conseguinte, a escolha dos métodos deverá assegurar a selecção do método susceptível de proporcionar resultados mais satisfatórios e provocar o mínimo de dor, sofrimento e angustia.” (recital 13)
Ou seja, investigação com animais é legalmente (e portanto segundo a visão em que a legislação se baseia, também eticamente)  aceitável quando não existir outro método, quando o sofrimento animal é minimizado e quando produz benefícios para a saúde ou ambiente. E – o que na Diretiva tem que ser lido nas entrelinhas – quando o beneficio ultrapassa o custo.
E é com referência ao último aspeto que académicose ONGstêm argumentado que investigação sobre obesidade não justifica o uso de animais. Nas palavras do Marc Bekoff:
“A good deal of obesity can be easily prevented so these monkeys are being used to study a condition that many people can we can avoid simply by choosing healthier lifestyles. The monkeys shouldn’t have to pay for our indiscretions and poor choices.”  
Num primeiro olhar, parece coerente. Baniu-se (na Europa) o uso de animais para testar cosméticos e há uma visão quase unânime que os animais não devem pagar pela a vaidade humana. Mas aguentará um argumento semelhante contra estudos de obesidade uma análise mais aprofundada?

Neste artigo analisamos os dois principais argumentos contra o uso de animais na investigação em obesidade: o argumento da responsabilidade pessoale o argumento da distração.
Central no argumento de responsabilidade pessoal é a afirmação que as pessoas são responsáveis pela sua obesidade. Comida a mais e exercício a menos resultam em peso a mais, e os problemas de saúde relacionados poderiam ser resolvidos ou prevenidos com uma mudança de hábitos. Isto parece ser um facto, mas implica isto que o estilo de vida de uma pessoa é a sua responsabilidade moral? No que diz respeito a hábitos alimentares, estes são em grande medida adquiridos na infância, não se tratando assim de algo que escolhemos conscientemente, como quando escolhemos investir o nosso dinheiro num videojogo ou numa mensalidade no ginásio. E tão pouco como podemos escolher os nossos pais, podemos escolher os hábitos com que somos criados. Isto não implica que não possamos alterar os nossos hábitos (quanto a pais, creio que continua impossível…), mas implica que é muito mais difícil e que o sucesso não é garantido – como muita gente confirma repetidamente. Mas, para além disto, os hábitos alimentares na infância não afetam só os hábitos alimentares do adulto, havendo evidência clara de que se traduzem em alterações biológicas. Por exemplo, a amamentação parece reduzir o risco de obesidade em crianças
O argumento de distração toma como ponto de partida a observação que hábitos pouco saudáveis, e sobretudo os associados com obesidade, podem ser prevenidos. Assim sendo, argumenta que se a ênfase deve ser dada às medidas de prevenção. Novamente, é um facto que hábitos pouco saudáveis podem ser alterados e que isto reduz os problemas de saúde que deles derivam. Mas não é óbvio que isto seja um argumento contra a investigação com animais na área. A conclusão de que é errado investir em investigação com animais sobre obesidade necessita que duas condições sejam cumpridas:
a) investigação com o objetivo de desenvolver terapias para obesidade (e outras doenças relacionadas com estilo de vida) retira atenção e recursos das medidas de prevenção
b) todos os problemas com obesidade podem ser resolvidos através de estratégias de prevenção
Não existe evidência que sugere que a primeira condição seja verdade. Na área de investigação sobre obesidade, o nº de artigos científicos sobre estratégias de prevenção e controlo aumentou quase 10 vezes num período de 12 anos (1995/98-2007/10), e este tipo de investigação tem crescido mais do que qualquer outro tipo na área.
É também altamente questionável que seja possível resolver o problema de obesidade apenas através de prevenção. Esta poderá ser uma ferramenta eficiente para controlar fatores que tenham a ver com a conduta individual. E com mais pais com hábitos saudáveis, menos crianças serão criadas com hábitos pouco saudáveis. Mas mesmo se esta abordagem viesse a ter sucesso completo (o que em si é muito pouco provável), antes de os seus efeitos terem penetrado toda a população, muita gente virá desenvolver problemas de saúde relacionados com obesidade.
Face ao que é sabido da patobiologia e epidemiologia de obesidade humana, não se pode argumentar que experimentação animal seja menos aceitável para estudos desta doença do que para outras doenças humanas. Claro que isto não implica carta-branca para cada experiência animal com objetivo de estudar obesidade. Há ainda espaço amplo para uma discussão critica sobre que aspectos desta doença que são adequados a estudar em animais.

O uso de animais em investigação biomédica: uma perspectiva histórica

“O uso de animais não-humanos na pesquisa biomédica tem dado importantes contribuições para o progresso da medicina alcançado em nossos dias, tendo também sido motivo de acesa discussão pública, científica e filosófica.” 
Frases como esta são frequentemente derramadas na secção introdutória ou no resumo de artigos subordinados à ética ou bem-estar de animais usados em ciência. Recentemente, decidi assumir o compromisso de ir mais longe e aprofundar a história por detrás de afirmações genéricas como esta, e fazer uma revisão do uso de animais em ciência, que identificasse os seus principais protagonistas e que avaliasse como esta prática afectou ou foi influenciada pela sociedade, desde a Antiguidade até os dias de hoje. Sendo o mote para este estudo sido dado pela necessidade de escrever uma introdução para a minha tese de doutoramento, a mesma acabou contudo por ganhar “vida própria”. 
“Uma demonstração fisiológica através da vivisecção de um cão” 
 Émile-Édouard Mouchy (1832)
Assim, após análise de mais de duas centenas de referências, meses de escrita (e reescrita), dos imprescindíveis comentários da parte da Anna e do Manuel, e das valiosas críticas de quatro revisores anónimos, chega este estudo à sua forma final pela mão da Animals, uma recente revista científica em open-access, e com a qual posso dizer que tive uma excelente experiência, como autor. 
Espero que este artigo possa ajudar estudantes e académicos que necessitem de uma introdução aos aspectos historicamente relevantes da ciência, filosofia e sociologia da experimentação animal, bem como a todos aqueles com interesse pelo tema.
Ah, e não se admirem que comece a usar esta referência amiúde, no blog…

Luna, a vaca saltadora

No contexto da actual polémica da venda de cavalo por vaca, não resisto a partilhar uma troca em sentido contrário, esta provavelmente bem menos controversa. Apresento-vos assim Luna, a vaca saltadora: 

Apesar do aspecto lúdico deste post, não posso no entanto deixar de colocar questões que considero interessantes do ponto de vista da ética e bem-estar animal.

Para começar, e admitindo que não sei o suficiente sobre o comportamento de bovinos para avaliar da “naturalidade” desta situação para Luna, arrisco-me propor que estes não foram originalmente seleccionadas para: a) transportar humanos no seu dorso e b) fazê-lo enquanto saltam obstáculos. É assim legítimo interrogarmo-nos se, por exemplo, a morfologia particular das vacas não as torna mais propensas a lesões que os cavalos, nomeadamente ao nível dos membros.

Já do ponto de vista ético, e ainda que se venha a demonstrar não haver impacto de maior no bem-estar do animal, poder-se-á colocar por exemplo a questão do desrespeito pelo seu Telos. Ou, como Bernard Rollin a descreveria, “the cowness of the cow“.

Já agora, e traçando um paralelo com o choque no Reino Unido resultante da revelação que carne de cavalo estava a ser vendida como carne de vaca, podemo-nos interrogar quais seriam as hipotéticas consequências da generalização da vaca como animal de companhia, ou de equiparar o seu estatuto ao que actualmente tem o cavalo no imaginário colectivo. Um bom ponto de partida seria perguntar à amazona Regina Mayer o que tem a dizer sobre o consumo de carne de bovino…