Uso de animais de companhia no ensino – Parte 2

Vou continuar a analisar o enquadramento legal do uso de animais vadios no ensino da Medicina Veterinária (ver Parte 1). Algumas vozes têm vindo a público denunciar a ilegalidade dessa utilização mas é-me difícil encontrar algum ilícto penal a menos que os animais sejam sujeitos a “dor e sofrimento consideráveis” como no caso das intervenções repetidas.

A jurista Alexandra Moreira diz estarem a ser cometidas “pelos menos duas ilegalidades. Os animais não podem ser utilizados para fins didácticos nem cedidos pelos canis a outros que não sejam particulares ou associações zoófilas”. Na verdade, a primeira afirmação não é verdadeira porque – como vimos anteriormente – a lei prevê excepções aos fins didácticos e o uso de animais no contexto clínico veterinário não está abrangido pela protecção a animais utilizados para fins experimentais. Quanto à segunda, a legislação é ambígua. Se por um lado o DL 315/2003 diz que “os animais não reclamados… podem ser alienados pelas câmaras municipais… por cedência gratuita quer a particulares quer a instituições zoófilas devidamente legalizadas…” (Art 19º, ponto 4.), por outro o DL 314/2003 afirma que “nos casos de não reclamação de posse, as câmaras municipais devem anunciar… a existência destes animais com vista à sua cedência, quer a particulares, quer a entidades públicas ou privadas que demonstrem possuir os meios necessários à sua detenção…” (Art.9º, ponto 4.). À luz deste último decreto, e cumprindo todos os demais quesitos, um Hospital Veterinário Universitário parece enquadrar-se dentro do imperativo legal.

Mas aqui surge a questão de os animais serem cedidos ao Hospital Veterinário, não para serem adoptados mas, em última instância, para serem eutanasiados. Maria do Ceú Sampaio, presidente da Liga Portuguesa dos Direitos dos Animais, afirma que “as câmaras municipais não podem transferir responsabilidades, como a da eutanásia, para as instituições de ensino. A lei é clara e não o permite.” De facto, o DL 315/2003 declara ser competência das “câmaras municipais a recolha, captura e abate compulsivo de animais de companhia” (Art.19º, ponto 1) mas torna-se muito complicado alegar transferência de responsabilidades se o Veterinário Municipal alegar estar a ceder os animais a uma instituição pública com condições para os receber. O destino posterior dado aos animais passa a ser responsabilidade dessa instituição e não do veterinário municipal, que ainda assim tem o dever de monitorizar as condições de detenção dos animais por si cedidos. Considero que a questão fundamental reside em determinar quem autoriza a eutanásia: se o veterinário municipal se o Hospital Veterinário.

E então retornamos ao ponto inicial: pese embora a aparente ausência de ilícito penal, haverá indícios da existência de ilícito moral? Retomaremos a este assunto oportunamente. (continua)

Uso de animais de companhia no ensino – Parte 1

Partindo do caso recente da Universidade de Évora, vou abordar a utilização de animais de companhia (cães, gatos ou outra espécie não pecuária) para realização de procedimentos didácticos na formação de médicos veterinários. Seguindo a sugestão da Anna, vou começar pelo enquadramento legislativo.

Não existe legislação específica para o uso de animais no ensino e por isso é necessário recorrer a outras leis relacionadas e daí tirarmos as nossa conclusões. Estes animais não são considerados “animal de laboratório” e – a menos que eles também sejam utilizados para fins científicos ou experimentais – não se aplica a Directiva 86/609/CEE, transposta pelo Decreto-Lei 129/92, de 6 de Julho. A referida lei é clara neste aspecto ao excluir na definição de Experiência “as práticas não experimentais, agrícolas ou de clínica veterinária“. Se uma intervenção veterinária não conta como “experiência”, não pode o animal a ela submetido ser considerado “Animal para experiência”. Mas o que também significa que a protecção que esta Directiva confere aos animais vadios (“Os animais vadios das espécies domésticas não devem ser utilizados em ensaios”) não tem força de lei no contexto clínico de um Hospital Veterinário Universitário.

A legislação que mais perto se lhes aplica é a Convenção Europeia para a Protecção dos Animais de Companhia, transposta para a legislação nacional pela Decreto-Lei 276/2001 de 17 Out, alterada pelo Decreto-Lei 315/2003 de 17 Dez. Esta lei diz o seguinte (art. 7º):

“É proibido utilizar animais para fins didácticos e lúdicos, de treino, filmagens, exibições, publicidade ou actividades semelhantes, na medida em que daí resultem para eles dor ou sofrimentos consideráveis, salvo experiência científica de comprovada necessidade e justificada nos termos da lei.”

O que depreendemos desta afirmação é que é legítimo utilizar animais de companhia para fins didácticos desde que dentro de certos limites. Como não sabemos o que o legislador quer dizer com “dor e sofrimento consideráveis”, temos de ser nós, como sociedade, a encontrar esses limites. Será, portanto, ilegítimo, o uso de animais abandonados para fins didácticos? Como alguém disse num comentário que li, entre centenas: se um animal vadio e destinado a ser abatido, for devidamente anestesiado antes de ser sujeito a uma qualquer intervenção cirúrgica e, no final, eutanasiado sem recuperar a consciência, como argumentar contra esta intervenção? Sobre isto falaremos noutra ocasião. (continua)

Cães vivos usados como cobaias na Universidade de Évora

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A notícia publicada na edição de hoje do JN caiu como uma bomba: o Canil Municipal de Évora tem mantido um acordo com a Universidade de Évora de forma a disponibilizar animais abandonados/vadios para as aulas práticas do curso de Medicina Veterinária. Foram antigos alunos (e actuais veterinários) que denunciaram o facto à comunicação social e as ondas de choque já se fazem sentir com a Bastonária da Ordem dos Médicos Veterinários a condenar o sucedido e a convocar uma comissão de trabalho sobre o uso de animais no ensino.

A utilização de animais vivos não é exclusividade dos cursos de medicina veterinária (seria até interessante saber qual a situação noutros cursos) mas em nenhum outro a questão se coloca ao mesmo nível. Para se formar um médico veterinário é necessário ter acesso a animais domésticos – caninos, felídeos, suínos, bovinos, caprinos, ovinos e equinos – saudáveis e doentes (para não falar em coelhos, aves e espécies exóticas). Mas que regras se devem seguir para que esta utilização de animais – a meu ver inquestionável – se faça de uma forma eticamente responsável e socialmente aceitável? Voltaremos a este assunto num próximo post. (continua)

A clonagem animal em tempos de crise


A Comissão Europeia (EC) anunciou a 19 de Outubro que vai suspender temporariamente a aplicação da clonagem animal para produção de alimentos dentro da UE. A clonagem apresenta-se como um dos temas mais controversos no domínio da bioética animal. E, talvez como em nenhum outro, a aplicação do Princípio da Precaução esteja tão patente como no caso da clonagem. Na verdade, tanto a EC como a norte-americana Food and Drugs Administration consideram não existir quaisquer indícios de que os alimentos clonados coloquem problemas diferentes daqueles colocados pelos alimentos mais tradicionais. Mas isso não impede que este tipo de material biológico seja tratado de forma diferente de outros produtos de origem animal. Porque será?

Nagoya virá a tempo de salvar o Macaco Constipado?

Credit: Thomas Geissmann

O Ano Internacional da Biodiversidade tem sido pródigo em notícias sobre a extraordinária riqueza de vida na Terra. Uma expedição recente à Papua e Nova Guiné, por exemplo, levou à identificação de cerca de 200 espécies, entre animais e vegetais, nunca antes vistas. A comunicação social tem estado particularmente atenta à descoberta de novas espécies, em especial daquelas mais exóticas e bizarras. Insectos e anfíbios são vistosos mas pouco mediáticos ao passo que novos mamíferos são raros e normalmente diminutos. Mas não é todos os dias que se anuncia uma nova espécie de primata!

Uma equipa internacional publicou um estudo na revista American Journal of Primatology onde dá conta da descoberta de um bizarro macaco sem nariz e que, segundo relatos das polulações locais, espirra sempre que chove. O Rhinopithecus strykeri vive nas florestas do Nordeste de Myanmar (antiga Birmânia), mas nunca foi avistado vivo por cientistas e por isso a imagem acima foi criada em computador. A população deve rondar os 300 indivíduos, o que a coloca, desde já, como uma das espécies mais ameaçadas do planeta.

Por estes dias, em Nagoya, no Japão, Ministros de 179 países aprovaram um novo plano global para travar a perda de biodiversidade do planeta. Se bem se lembram, o anterior objectivo da Convenção sobre Diversidade Biológica (2002) de alcançar, até 2010, uma redução significativa do actual ritmo de perda de biodiversidade resultou num rotundo fracasso. Os objectivos eram irrealistas, mal concertados e não pareciam contar com o simples facto de que os países mais ricos em termos de biodiversidade serem, também, dos mais pobres do planeta. Com tudo isto, o ritmo em vez de diminuir, aumentou.

Passados oito anos, a CDB parece ter introduzido novos factores na equação que podem augurar um futuro menos negro para a vida na Terra, nomeadamente o compromisso de aumentar a percentagem de áreas protegidas – um dos poucos mecanismos que tem provado ser eficiente na protecção de ecossistemas – e a partilha dos lucros gerados pelo uso de recursos genéticos com os países de origem. Mas tenho dúvidas que medidas como estas sejam suficientes. A meu ver, o combate à perda de biodiversidade deve ser encarado como uma faceta do combate maior à pobreza e à exclusão social, capítulo sobre o qual os intervenientes da CDB não têm qualquer poder. E assim uma pergunta subsite: pode ainda uma conferência no Japão ajudar um macaco em Myanmar?

CAROdog


O portal carodog apresenta-se como uma ferramenta electrónica educativa que visa promover a detenção responsável de animais de companha (no caso, cães). Foi criado pela Comissão Europeia, em colaboração com a FVE, a organização zoófila Four Paws e o Istituto “G. Caporale”, Teramo, Itália.
O carodog pretende reunir no mesmo espaço informação relevante sobre a problemática dos cães vádios, errantes ou assilvestrados, de modo a procurar soluções que conciliem a protecção do bem-estar animal e da saúde pública.

Ao mesmo tempo que o carodog foi apresentado, a FAO abriu no site Gateway for Animal Welfare uma consulta pública sobre medidas de gestão e controlo de populações caninas, aberta a todos aqueles que queiram partilhar experiências e apresentar soluções para um problema global. Embora a data limite apresentada seja 8 de Outubro, soube de fonte segura que a consulta vai permanecer aberta devido à grande e relevante participação. Contribua!

A Floresta Nativa e o Pássaro Misterio

Em Julho deste ano, a Antena 1 emitiu uma reportagem sobre o Projecto LIFE PRIOLO, por ocasião do prémio “BEST OF THE BEST NATURE” ganho por este projecto de conservação, e que é atribuído aos cinco melhores projectos da Comissão Europeia na área da Biodiversidade.

O programa de recuperação da espécie Pyrrhula murina – que, segundo a SPEA, é a ave mais ameaçada em toda a Europa e a segunda mais rara – esteve em curso entre 2003 e 2008 e o seu sucesso pode ser avaliado em várias vertentes:
1) Recuperação do habitat original, com benefícios directos para as espécies vegetais de floresta de laurissilva introduzidas e benefícios indirectos para as outras espécies animais autóctones (como o pombo torcaz ou o milhafre).
2) Eliminação das espécies infestantes e exóticas vegetais (cletra, contreira) e animais (ratos), com benefícios directos para as populações locais.
3) Abertura de postos de trabalho permanentes na região mais pobre da ilha de S. Miguel (Nordeste e Povoação) e uma das mais pobres do País.
4) Execução de estudos científicos interdisciplinares (sociologia, ecologia, zoologia, hidrologia, topografia), com benefícios evidentes para a Região Autónoma dos Açores.
5) Realização de iniciativas de turismo ecológico, que levam à criação de infra-estruturas e postos de trabalho adicionais.
6) Implementação de uma estratégia de Educação e Sensibilização Ambiental com a realização de programas de formação para adultos e educativos para crianças que no seu conjunto contribuem para o bem-estar social das populações.
7) Beneficiação de vias de comunicação.

O Projecto LIFE-Priolo é um bom exemplo de como actuando na defesa de espécies e da biodiversidade se pode harmonizar a vida comum entre homens e animais na criação das bases para um futuro sustentável.

Cavalo Lusitano: Terra de Puro Sangue


A revista Pública do último Domingo dedica uma extensa reportagem ao Cavalo Lusitano, leitura que recomendo. De entre todas as espécies domesticadas pelo homem ao longo da história, o cavalo desempenhou, a meu ver, o papel primordial. Embora conviva connosco há muito menos tempo do que o cão (uns meros 5-6 mil anos comparados com os 14 mil anos de vida em comum com o “fiel amigo”), o ser humano não seria o que é hoje sem o inefável auxílio do Equus caballus, embora a sua influência nas nossas vidas tenha decrescido muito no último século. Ao cavalo foi exigido tudo: ser máquina de guerra, instrumento de trabalho, meio de transporte, animal de companhia, bailarino e até fonte de alimento. A tudo correspondeu e quando deixou de ser preciso para uma determinada função, reinventou-se para desempenhar outra, até chegarmos à miríade de raças existentes nos dias de hoje, como é o caso do Puro Sangue Lusitano. Se quiser saber mais sobre o Cavalo Lusitano visite o sítio da Associação de Criadores.