Para esquerda ou para a direita?

Pode ser que somos a única espécie de animal politico, mas não somos os únicos com tendências para direita ou para a esquerda – no que diz respeito a preferência física de uma pata sobre a outra ou um lado sobre o outro. Quando no laboratório treinamos um ratinho de executar uma tarefa com lateralidade, precisamos primeiro determinar se este ratinho tem uma preferência natural. Neste caso, para ter a certeza que estamos a medir a aprendizagem da tarefa em questão, escolhemos treina-lo a executa-la no lado contrário ao preferido. Mas lateralidade no mundo animal é mais do que ser canhoto ou não – saiba mais na ultima edição da New Scientist.

A mesma revista conta também a noticia da observação do comportamento de chimpanzés fêmeas depois da morte do bebé, e como estas resistem em se separar da cria mesmo evidentemente morta. A observação de um grupo de chimpanzés no distrito de Bossou em Guiné feita por uma equipa incluindo a investigadora portuguesa Cláudia Sousa da Universidade Nova de Lisboa, foi originalmente publicada na revista Current Biology.

Mais afirmações do que informação sobre o biotério de Azambuja

Sábado passado, dia 24 de Abril, celebrou-se o Dia Internacional do Animal de Laboratório, pela segunda vez com uma marcha organizada pela Plataforma de Objecção contra o Biotério. Desde que, e graças a, o início deste movimento cívico temos um debate sobre experimentação animal que nunca antes houve em Portugal. Está na altura – indiscutivelmente é um assunto que se deve discutir.

No entanto, preocupa-me a abundância de afirmações e a escassez de informação neste assunto. Trata-se de um biotério comercial ou um biotério de apoio de investigação? De criação de que tipo de animais para que tipo de uso? Financiado com verba de que fundos?

Tendo seguido a informação na comunicação social sobre o assunto, continuo sabendo pouco mais do que foi dito no primeiro comunicado de imprensa apresentado pela Fundação Champalimaud em Novembro de 2008. E intriga-me tanto a criatividade de opiniões formadas com base em tão pouca informação por parte dos opositores como a falta de iniciativa de esclarecimento por parte da instituição proponente. A iniciativa da Plataforma foi essencial para iniciar o debate. Agora é importante que se esclareça os factos que deve formar a base para a discussão – não só a sobre este biotério em particular mas sobre o uso de animais e o potencial de introduzir alternativas em geral.

Temos uma oportunidade única de organizar um debate transparente e honesto em Portugal agora, uma vez que o cenário ainda é fresco e as opiniões (ainda?) não estão extremadas. Será que conseguimos agarrar esta oportunidade? Ou será utópico pensar que se possa discutir um assunto tão controverso com sinceridade e transparência?

Experimentação animal: nova directiva em vista!

Quando escrevo artigos científicos, não é comum usar referências dos anos 80. O desenvolvimento no campo de investigação é grande, e normalmente já há tantas novas descobertas que um texto de 1986 é considerado desactualizado. Mas é deste ano que data a directiva que ainda regula a actividade de experimentação animal!

Finalmente temos em vista uma renovação desta legislação que é antiquada tanto em termos legais (efectivamente deixa de fora uma grande parte da investigação com animais, já que a então Comunidade Económica Europeia apenas podia legislar sobre actividades comerciais) como científicos. Como relata a revista científica Nature, a 7 de Abril alcançou-se um compromisso politico sobre um texto que estava em discussão desde há um bom par de anos.

Experimentação animal é, talvez, o assunto mais controverso no relacionamento humano com os outros animais, e é também o assunto que têm mais anos de debate, pelo menos no mundo moderno. Tudo isto tem sido bem visível no debate que antecedeu esta decisão. Por um lado, defensores dos (direitos dos) animais têm acusado cientistas e indústria de agir em interesse próprio e sobretudo económico. Por outro lado, cientistas têm acusado políticos de não dar ouvido à razão e activistas de pintar uma imagem errada de ciência. Como quem segue o link para o artigo de Nature pode ver no campo de comentários, o debate não acabou com a decisão sobre o texto da directiva.

Ainda não sabemos quando entrará em vigor, e para quando terá que ser transposta para a legislação nacional. Mas é claro que para Portugal esta directiva vai ter importância considerável, já que a legislação nacional em vigor é pouco mais do que uma transposição da directiva anterior. E é na questão de nivelar o campo europeu que a revisão é essencial. Não faz sentido que quando ciência é uma actividade internacional, as regras que ela segue sejam tão dispares como têm sido até agora na Europa.

Exactamente por ser tão controversa, é importante que esta actividade seja regulamentada. Se como cientistas queremos ser credíveis temos que poder mostrar que fazemos o que podemos. Acho, por isso, tanto estranho como triste ouvir cientistas – em países que já têm uma regulamentação mais extensa e exigente – criticarem severamente esta nova directiva. O uso de animais na investigação não é um direito adquirido, e a liberdade que tomamos em assumir este direito não é incondicional. Como argumento numa recente EMBO Reports, uma justa e correcta legislação pode trazer a ‘licença social’ que os cientistas bem precisam.

Uma barbatana no mar, outra na sopa

Recordam-se daquela montra no aeroporto com espécimes exóticos (não, não aquela com espuma de barbear e outros líquidos ilegais pós-2006!) que não podem ser introduzidos em Portugal? Que não podem, de facto, ser vendidos ou comprados em lado nenhum do planeta, pelo menos não oficialmente. O mecanismo que estabelece estas regras denomina-se CITES (Convention on the Trade in Endangered Species), foi estabelecido em 1975 e que acabou de concluir a sua mais recente reunião em Doha, no Qatar.

Pela primeira vez esteve em causa uma interdição envolvendo espécies de grande interesse para a pesca comercial – atum-rabilho (bluefin tuna, Thunnus thynnus) e várias espécies de tubarão. O primeiro é procurado sobretudo no Japão, os segundos na China. A estes dois países juntaram-se uma série de outros para vetar a interdição segundo relata New Scientist, passando assim a responsabilidade de gestão para as entidades de regulamentação da pesca comercial.

Enquanto este desfecho é visto como uma derrota por parte dos conservacionistas, é interessante observar que o consumo de barbatanas de tubarão não passa sem discussão na grande economia que é a China. Um motor importante deste debate tem sido Yao Ming, admirado estrela de basket e dono do clube com o nome apropriado de Shanghai Sharks. Veja neste videoclip, lançado em Dezembro do ano passado, o que supostamente acontece quando a estrela se recusa a consumir um dos pratos mais prestigiados da sua cultura natal.

O que é um animal?

Recentemente fui abordada com a seguinte questão: se a manipulação das condições ambientais de micróbios constituía “experiências que impliquem o sofrimento físico ou psicológico de animais vivos, pela prática de actos de abuso, crueldade ou morte” (regra imposta no Concurso Nacional para Jovens Cientistas e Investigadores).

Fora a ambiguidade do que constitui “abuso, crueldade ou morte”, isto levanta a questão que usei como cabeçalho deste post. É verdade que os organismos vivos que não são plantas pertencem ao reino Animal. Mas será que consideramos todos os membros do Reino Animal, animais?

No caso em questão, propús como base o uso da legislação que regulamenta a experimentação animal. Nesta legislação estão incluídos todos os animais vertebrados mas (de momento) nenhum dos invertebrados. Quem pensou a lei (ou melhor, a directiva comunitária subjacente) provavelmente pensou que era entre os vertebrados e os invertebrados que devíamos traçar a fronteira tendo em conta, por um lado, a ‘complexidade sensorial’ dos organismos em questão e, por outro, os aspectos práticos de controlo e fiscalização.

Mas isso não corresponde necessariamente à percepção de senso comum do que é um animal. Penso que a maior parte das pessoas considera um polvo (que provavelmente virá a ser coberto pela futura directiva de experimentação animal) bem como um caracol e uma mosca (que continua a não ser considerada nesta legislação, apesar do papel importante que as moscas-de-fruta têm na investigação) como sendo animais. E que pouca gente considera um micróbio, seja de que género for, um animal.

O que é para si um animal (não-humano)? Onde coloca a fronteira?

A ética de um bom bife – Parte II

Com base nos aspectos ambientais e médicos do consumo de carne, num artigo na revista médica Lancet em 2007, um conjunto de especialistas mundiais recomenda um consumo médio de 90 g de carne por dia, ou seja pouco mais do que metade do actual consumo diário em Portugal. Calcula-se com esta medida obter grandes benefícios de saúde em países industrializados, onde uma redução do consumo de carne implicará uma redução da incidência de doenças cardiovasculares, obesidade e vários tipos de cancro. Permitiria ainda outro benefício médico: a possibilidade de, sem um acréscimo dos problemas ambientais globais, aumentar o consumo de produtos animais nos países em vias de desenvolvimento, onde o presente baixo nível de consumo de proteína constitui um risco para a saúde.

Reduzir o consumo de produtos de origem animal não implica tornar-se vegetariano. Pode implicar comer um pouco menos de carne por refeição, ou incluir algumas refeições vegetarianas na rotina alimentar. Ou porque não dar mais destaque aos pratos tradicionais, criados numa altura em que carne, por razões económicas, tinha que ser um ingrediente minoritário, e a fonte principal de proteínas ser vegetal: uma feijoada, umas tripas-à-moda-do-Porto ou uma sopa de pedra.

Reduzindo assim o consumo de carne, e sendo a carne um alimento caro, o consumidor vai gastar menos dinheiro. Este dinheiro podia ser investido na carne que de facto se vai consumir. Paradoxo? De maneira nenhuma, se consideramos o terceiro aspecto ético do consumo de produtos de origem animal: os próprios animais e o seu bem-estar. Com a pressão económica levando à intensificação da produção, restringe-se a liberdade de movimento e a possibilidade dos animais viverem segundo a sua natureza. Se nós como consumidores podemos pagar um pouco mais pelos menos quilogramas de carne que compramos, podemos antes optar pelos produtos com Denominação de Origem Protegida (DOP), de sistemas de produção locais e de raças autóctones, ou carne da produção biológica. Assim apoiaremos um modo de produção com regras que consideram não só o bem-estar animal mas também a nossa herança cultural e a biodiversidade e paisagem rural onde estes animais pastam.

Mas independentemente da origem da carne, o presente nível de consumo num país industrializado como Portugal não é sustentável. Ou seja, temos um consume de carne que faz mal a nós, aos outros animais e ao planeta. Temos aqui uma discussão que é urgente enfrentar, para que quem tem ética não tenha que passar fome!

A ética de um bom bife – Parte I

Haverá escolha mais quotidiana do que aquela que fazemos quando decidimos o que vamos comer? É uma questão de gosto, tempo, dinheiro – mas não só. Como muitas daquelas escolhas que são feitas por todos nós e todos os dias, as consequências vão bem além do nosso prato. Podem ir desde uma exploração agrícola em Portugal até à floresta tropical no Brasil, envolvendo no percurso questões de saúde pública e de alterações climáticas. Exagero? Pode parecer, mas é o que a ciência nos conta e a ética nos faz reflectir. E numa época tradicional de abstinência, faz sentido questionarmo-nos mais profundamente sobre que valores radicam as nossas escolhas alimentares e quais as suas consequências.

Começando pela questão ambiental – e no aspecto mais falado no momento, as alterações climáticas – a produção animal para consumo humano é um contributo significativo de emissões de gases estufa. Embora um valor controverso, um relatório das Nações Unidas aponta que até 18 % da produção mundial de gases estufa poderá ter origem na produção animal. Devem-se principalmente aos excrementos mas estão também associadas ao uso de matéria-prima oriunda de países tropicais para alimentação de animais. Isto constitui não só um risco para a floresta tropical, ao ser convertida em campos de soja, mas também implica o transporte por longas distâncias de enormes volumes entre os países onde se cultiva a matéria-prima da ração e aqueles onde se criam os animais. A produção animal tem outros efeitos ambientais mais próximos e mais visíveis em tempo real e ao olho nu: a gestão de efluentes com potencial de contaminar águas. Ambas as questões se devem ao facto de os animais serem conversores pouco eficientes de matéria-prima de alimentos em produtos para consumo humano. Um animal precisa de nutrientes não só para produzir a carne que consumimos mas também para alimentar o resto do corpo, e usa energia não só para crescer mas também para se movimentar e manter a temperatura. Tem que comer muito – e beber: para produzir um quilograma de carne, um bovino ingere em média 15000 litros de água. Em grande parte esta água é eliminada como urina e fezes, transportando consigo os nutrientes que não são aproveitados pelo animal. São estes nutrientes que, quando não correctamente tratados e integrados no ecossistema agrícola, podem dar origem às contaminações de água que conhecemos em áreas onde a concentração de pecuária é grande e o tratamento de efluentes precário.

Isto dito, não é o ser humano omnívoro sem razão nutricional. Carne, leite e ovos constituem para nós uma boa fonte de nutrientes importantes, sobretudo proteínas e minerais. É possível alimentar-se bem sem carne, mas é mais difícil. Por outro lado, uma alimentação equilibrada não implica comer tanta carne como comemos. O português consome em média 3 vezes mais proteínas de origem animal do que precisa, e com isto ingere 3 vezes mais gordura que o recomendado pelos nutricionistas. Enquanto a proteína em excesso é um desperdício, a gordura animal em excesso é um risco para a saúde. Está associada ao aumento de risco de desenvolver doenças cardiovasculares, a principal causa de morte em Portugal tal como no resto dos países industrializados.

Ver também A ética de um bom bife -Parte II.

Curso Bem-estar animal Cambridge

Está aberto para inscrições o curso em bem-estar animal, ética e direito a decorrer 12-24 de Setembro na Universidade de Cambridge, Reino Unido:

Through a combination of lectures, videos and discussions, this course is designed to cover the curriculum for the Royal College of Veterinary Surgeon’s “Animal Welfare Science, Ethics and Law: Introduction and Theory” Module. However, it is also suitable for those just interested in learning about/updating their knowledge of animal welfare. Past attendees have included veterinarians (working in practice or for government or animal charities), animal welfare researchers and students, and animal charity workers/campaigners, and have come from a wide variety of countries: Australia, Brazil, Canada, Chile, Ireland, Italy, Kenya, Norway, Spain, Sweden, and the USA.

Para mais informações, ver aqui.

Os animais têm emoções?

Inaugurou no dia 17 de Dezembro a exposição Exuberâncias da Caixa Preta no Museu Nacional Soares dos Reis no Porto. Ligando a cultura humana com a cultura científica, a exposição gira à volta das emoções, a propósito do livro The expression of the emotions in man and animals. Neste livro, publicado em 1872, Charles Darwin explora mais um aspecto da sua teoria da evolução por selecção natural: que as emoções e a sua expressão não são uma característica única da nossa espécie mas partilhada por muitas outras.

Há dois lados potencialmente perturbadores desta ideia: que nós somos animais e que os animais sentem. O primeiro foi o que mais perturbou os contemporâneos do Darwin. O segundo tornou-se matéria controversa sobretudo durante o século seguinte. No seu artigo The changing concept of sentience, Ian Duncan (professor catedrático de bem-estar animal da Universidade de Guelph, Canada) explica porquê. Durante os primeiros três quartos do século XX, o estudo do comportamento animal – seja como objecto em si próprio como na etologia, seja como modelo para mecanismos gerais como na psicologia experimental – foi fortemente influenciado pela tendência behaviorista. Como apenas podemos obervar o que é visível, a consciência e por consequência as experiências subjectivas são vedadas ao estudo científico que exige objectividade, foi o argumento apresentado.

Mas o interesse pelas emoções ou sentimentos dos animais ressurgiu com o conceito de bem-estar animal, sobretudo a partir do segundo quarto do século XX. No mundo científico, como diz Duncan, o gelo foi cobrado pelo etólogo Donald Griffin em 1975/76 com uma apresentação e mais tarde um livro que abordava a questão dos sentimentos subjectivos em animais. Desde então, a questão tem-se mantido central para os estudos de bem-estar animal, como argumenta Marian Dawkins, professora catedrática em Oxford:

‘Animal welfare involves the subjective feelings of animals. The growing concern for animals in laboratories, farms, and zoos is not just concern about their physical health, important though that is. Nor is it just to ensure that animals function properly, like well-maintained machines, desirable though that may be. Rather, it is a concern that some of the ways in which humans treat other animals cause mental suffering and that these animals may experience ‘pain’, ‘boredom’, ‘frustration’, ‘hunger’, and other unpleasant states perhaps not totally unlike those we experience.’

Marian Dawkins (1990)
From an Animal’s Point of View: Motivation, Fitness, and Animal Welfare


Gradualmente, os cientistas desta área têm vindo a aceitar que por muito que procuremos medidas objectivas dentro de campos de investigação conhecidos, dificilmente conseguimos livrar-nos da ligação com este fenómeno perturbadoramente intangível de experiências subjectivas, sentimentos ou estados mentais. Difícil de alcançar, inacessível aos conceitos da investigação padrão em medicina veterinária e ciências animais e largamente inexplorada mesmo em humanos, a consciência parece ser de facto, e como sugerido pela Marian Dawkins (2001) ‘o maior mistério que permanece em biologia’.