O que é uma estereotipia?

Um equívoco comum nas discussões sobre bem-estar animal é considerar uma ‘estereotipia’ como sinónimo de “comportamento anormal”. Os dois termos são relacionados, mas não são diretamente substituíveis. Na realidade, os comportamentos estereotipados são antes um tipo particular de comportamento anormal. Tal como o nome sugere, resultam da repetição regular de um mesmo comportamento, inúmeras vezes e por longos períodos de tempo.

Quem já viu um tigre ou um urso polar no jardim zoológico teve, com grande probabilidade, a possibilidade de assistir a pacing estereotipado. Estes comportamentos tendem a ser muito notórios e costuma ser evidente, mesmo para o observador menos experiente, que algo de errado se passa com o animal.



Animais selvagens de espécies que na natureza possuem grandes territórios, quando confinados a pequenos espaços em jardins zoológicos e circos – ou enjaulados como animais de estimação – são particularmente propensos a desenvolverem comportamentos estereotipados. Mas este tipo de comportamentos ocorre em todos os tipos de animais mantidos em cativeiro. Pensa-se que se desenvolvam a partir de comportamentos normais que os animais estão muito motivados a realizar na natureza, mas que num ambiente restritivo são impedidos de manifestar de maneira normal. 

Se a restrição comportamental afeta a alimentação e/ou a procura de alimentos, é mais provável que os animais desenvolvam estereotipias orais, como as porcas e o cavalo nos vídeos abaixo.



 
Se os animais antes estão motivados para explorar e para se movimentar, provavelmente irão desenvolver estereotipias locomotoras. O tigre acima é um exemplo disso, outra é weaving em cavalos.


Já agora, desligue o som no seu computador enquanto vê os vídeos, a menos que queira ser exposto a mais equívocos sobre comportamentos estereotipados. Estes comportamentos não são contagiosos e os animais não os aprendem uns dos outros, como muitos proprietários de cavalos e treinadores pensam. Se vários animais no mesmo ambiente mostram estereotipias semelhantes, a explicação é que eles reagem de uma forma semelhante ao ambiente inadequado.

As estereotipias são comportamentos intrigantes. Muita pesquisa tem sido direccionada para a compreensão de como se desenvolvem, mas também para dois outros aspectos importantes que vou discutir a seguir: porque é que as estereotipias persistem e o que significam para os animais.

Na maioria dos vídeos neste post, vemos os animais a executar estereotipias enquanto alojados em ambientes altamente restritivos, com uma excepção: o cavalo que exibe cribbing. Apesar de estar num paddock com amplo espaço e em companhia de outros cavalos continua a exibir este comportamento anormal. Este é um exemplo de que estereotipias podem persistir uma vez estabelecidas num animal – de modo que colocar o animal num ambiente mais adequado nem sempre é suficiente para se livrar do comportamento problemático.

As estereotipias são um indicador importante do bem-estar animal, uma vez que se pode concluir dum ambiente em que muitos animais desenvolvem estereotipias que o mesmo não é apropriado para estes animais. Mas em tal ambiente, as estereotipias podem ser uma espécie de auto-ajuda para os animais que as realizam. Há evidência de investigação que a execução de comportamentos estereotipados pode reduzir stress. Por isso, impedir um animal de realizar estes comportamentos (como é muitas vezes tentada em cavalos) é definitivamente o caminho errado para resolver o problema.


Visita virtual à sala de aulas – Jonathan Safran Foer

Jonathan Safran Foer, autor do livro Comer animais, vai realizar uma serie de visitas virtuais a salas de aulas no dia 3 de outubro.  Serão feitas em inglês e estarão abertas a escolas de todo o mundo. Professores interessados podem marcar uma visita aqui (nota que continua a ser possïvel marcar qualquer sessão, apesar de algumas estar marcadas com “already reserved”).


Vida sem dor, morte rapida

Dois estudos recentemente publicados na revista PLoS ONE abordam o que provavelmente são as duas preocupações humanas mais básicas com bem-estar animal: assegurar que os animais não sintam dor enquanto vivem e que a morte seja rápida e indolor.

O trabalho do Matt Leach insere-se na linha de investigação por excelência do grupo de biologia comparativa da Universidade de Newcastle, que há décadas desenvolve metodologia para medir dor em animais de laboratório.O estudo demostra que se consegue distinguir um animal que tem dor de um em ao qual foi distribuído um analgésico através de análise da expressão facial e através de análise manual de comportamento, mas que uma análise automatizada de comportamento não consegue fazer esta distinção. (Ou seja, não é só uma questão de ver a dor nos olhos do ratinho mas também de ter olhos para ver.). Falaremos mais sobre este estudo num post a vir.

O segundo trabalho vem também de Newcastle, e é motivado pela preocupação com o possível sofrimento associado a eutanasia com CO2. Este gás é a escolha preferida para a eutanásia de animais em grupo, por ser fácil de administrar sem ser tóxico nem caro. Mas do ponto de vista de bem-estar animal a prática tem sido questionada: há indicações que a inalação de CO2 causa dor e desconforto antes que o animal perca a consciência. O estudo agora apresentado no PLOS ONE demostra que a administração de N2O em conjunto reduz o tempo até inconsciência, assim reduzindo o tempo em que os animais possam estar em sofrimento antes de perder a consciência.    

Brincar com porcos

A nossa preocupação moral para com os animais muda com o crescente desenvolvimento de tecnologia na pecuária? Esta é a questão que o filosofo neerlandês Clemens Driessen aborda no seu projeto de doutoramento a ser concluido este ano. E não só pensa, brinca mesmo com este ideia, como nesta colaboração desenvolvida junto com estudantes de arte e investigadores de bem-estar animal:
Os alunos desenvolvem o seu ponto de vista num blog. O ponto do vista do porco ainda está por explorar. Citamos Marc Bracke, o cientista de bem-estar animal envolvido no projeto:

Humans and pigs have a reputation for being intelligent. Despite this, however, neither humans nor pigs seem to be able exert their cognitive abilities in the best possible ways in their modern environments. Farmed pigs in the European Union are required to have access to ‘enrichment materials’, in order to allow them to perform their (natural) behaviour, to reduce boredom and tail biting, and, hence, to reduce the need for tail docking. This legal requirement has led farmers to provide materials such as a plastic ball or a metal chain with some plastic piping. However, these ‘toys’ for the most part neither resolve societal concerns nor do they appeal to the cognitive abilities of the pigs. To allow for a more interesting development of (human and animal) behaviour, and to learn more about some of the processes involved, a team of designers and researchers joined together to design a game challenging the cognitive abilities of both pigs and humans.

A nossa co-evolução com a vaca

Há poucas coisas mais estimulantes para mim como cientista do que ver bons trabalhos científicos. Por isso, no contexto do debate a decorrer aqui sobre o caráter essencial (ou não) do leite, agarro logo a oportunidade de trazer um dos meus trabalhos preferidos para o blog. Albano Beja-Pereira é agora investigador do CIBIO da Universidade do Porto, e um dos seus estudos da tese do doutoramento aborda a co-evolução das populações bovina e humana da Europa.

Beja-Pereira A et al (2003) Gene-culture coevolution between cattle milk protein genes and human lactase genes. Nature Genetics 35, 311-313

Quem quiser ler o trabalho na íntegra pode descarregar o artigo clicando sobre a referência acima. Muitíssimo resumido, o artigo mostra que a distribuição geográfica de genes importantes para produção de leite no gado bovino (mapa b) coincide completamente com a distribuição geográfica de gene que confere persistência da lactase (enzima que permite digestão do lactose) na idade adulta nos seres humanos (mapa c).

Isso não nos diz que o leite é um alimento essencial para seres humanos na Europa de hoje. Mas sugere fortemente que assim tem sido, durante a nossa evolução e adaptação genética às condições locais.

Procura-se: Doutorandos em Bem-estar Animal

Quer trabalhar em concreto em Bem-estar Animal? Gosta de estudar e de pensar?

Ao desenvolver um doutoramento nesta área terá a oportunidade de fazer descobertas que poderão ajudar a mudar a maneira como os animais são vistos e tratados.

Franco et al (2012). Available here.

O nosso grupo de investigação no IBMC – Instituto de Biologia Molecular e Celular procura alunos com motivação e preparação curricular* para desenvolver projetos de doutoramento na área de comportamento e bem-estar de animais de laboratório. Quem se juntar à nossa equipa ficará a trabalhar num ambiente académico internacional, com a possibilidade de vir a passar temporadas nas instalações de um dos nossos colaboradores internacionais, tais como:

Huber et al (2011). Available here.

Para mais informação sobre o grupo e os nossos trabalhos em curso, visite a nossa página institucional. Para exemplos recentes de trabalhos publicados, clicar sobre a respectiva imagem.

Alunos interessados devem contactar Anna Olsson por e-mail (olsson@ibmc.up.pt), enviando o CV e uma carta de motivação.

* Mestres e Licenciados com formação igual ou superior a 240 créditos, com média final igual ou superior a 14 valores.

RSPCA aconselha: Pare de criar cães!

Num apelo provocador emitido a semana passada, a RSPCA (a principal associação britânica de proteção animal) pede ajuda do público para acabar com a sobre-população canina no Reino Unido. O que pretendem não é uma doação – pedem para se deixar de criar cães. Com milhares de animais de companhia a serem abandonados todos os anos, os shelters não conseguem que saiam animais para adoção em números suficientes para permitir o acolhimento de novos.
Clique aqui para descarregar o comunicado de imprensa da RPSCA

Formação de técnicos de animais de laboratório

A profissão de tratador de animais de laboratório foi durante muito tempo tida em pouca consideração no nosso país. Contudo, o papel dos tratadores como importantes intervenientes na qualidade da investigação e no bem-estar animal não pode ser negligenciado.  
Os primeiros cursos de formação para pessoas que cuidam e manuseiam animais de laboratório apareceram em Portugal em 2011. No entanto, o novo curso para técnicos de animais de laboratório, agora divulgado pela Sociedade Portuguesa de Ciência em Animais de Laboratório e a Faculdade de Medicina Veterinária em Lisboa representa, mais que uma mera iniciativa pontual, um projecto de  formação contínua destes profissionais.
Ainda que a ausência destes cursos não seja sinónimo de falta de conhecimento, a aposta na formação destes profissionais representa um passo inequívoco no sentido do desenvolvimento e valorização desta profissão, algo absolutamente central para a qualidade da investigação e para o bem-estar dos animais usados em investigação. 
São os tratadores e técnicos quem diariamente lida e manuseia os animais. A capacidade para reconhecerem problemas de bem-estar é, assim, da maior importância. Mas isto não  basta. É ainda preciso que o tratador tenha suficiente confiança na sua própria capacidade profissional para que sinta legitimidade e à-vontade para alertar o investigador ou médico veterinário responsável de eventuais problemas. 
 

Para mais informação sobre o curso em questão, contactar Teresa Inácio, Gabinete de Formação Contínua da Faculdade de Medicina Veterinária tbaltazar@fmv.utl.pt.

Reducing animal suffering in nature? Conferência 2 de março

Esta sexta-feira na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, o filósofo e blogista Oscar Horta da Universidade de Santiago de Compostela falará sobre o tema Disvalue in the Natural World: Should We Intervene to Reduce Animal Suffering in Nature? (ver resumo abaixo).

2 de Março – 14:30
Sala Mattos Romão, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa
Entrada Livre – Lotação Limitada

Many people think nonhuman animals live great lives in the wild.
However, this view is wrong. Population dynamics teach us that the
overwhelming majority of the animals that come to existence in nature
die shortly after. Those deaths are often painful. Furthermore, those
who survive often suffer and die from malnutrition, disease,
accidents, harsh weather conditions, fear, etc., or are killed by
predators or parasites. This gives us a strong reason to intervene in
nature to reduce the harms animals suffer. We may reject this if we
think (i) that only human interests count; (ii) that alleged
impersonal values such as environmental ideals count for more than the
interests of sentient beings; or (iii) that intervention in nature
cannot succeed. However, there are powerful arguments to reject all
these claims. If they are right, there is a strong case for
intervention in nature for the sake of nonhuman animals. This also
entails that if the interests of individuals count significantly
beyond what speciesist anthropocentric views assume, we must defend
the interests of nonhuman animals over environmentalist concerns.