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Fonte:vidarural.pt |
Sendo apenas representado por um deputado, e não tendo a sua intervenção feito particular mossa na discussão, o impacto da mesma poderia ter ficado por aqui. Contudo, a FENALAC (Federação Nacional das Cooperativas de Produtores de Leite) decidiu reagir vigorosamente à mesma com uma carta aberta. O teor ríspido desta comunicação contrasta com o respeito devido a um legítimo representante de uma parte não-negligenciável do povo português, concorde-se ou não com ele e as suas palavras.
Mas aparte o tom e o faux pas de num estado democrático se questionar a legitimidade de um representante do povo de exprimir a sua opinião (reitero, concorde-se ou não) a carta da FENALAC abre um pouco mais o debate para áreas de interesse mais geral, como a questão do bem-estar dos animais e da regulação deste e do regime sanitário e impacto ambiental das explorações agropecuárias.
O deputado do PAN reagiu a esta carta na semana passada com um artigo de opinião no Público onde tem como ponto de partida o direito democrático à informação e à escolha do consumidor e do cidadão.
Se a “liberdade de informação é um direito fundamental essencial”, referido pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em 1946, como a pedra basilar sobre o qual assentam todas as liberdades, deixemos que aqueles que, primeiro são cidadãos e só depois consumidores, façam as suas escolhas, sabendo que existem alternativas e se ainda assim, pretenderem consumir produtos de origem animal ou quaisquer outros, pois que seja, louvamos as escolhas individuais informadas, sejam quais forem. Só assim caminhamos rumo a novas opções políticas que defendam o direito à verdade em confronto com diferentes modelos de sociedade.
Sendo a questão do direito à informação da maior relevância, o artigo é não obstante bastante confuso, descontextualizado (foi preciso algum trabalho de detective para saber a que se referia) e em momentos contraditórios (ora acha que se deva deixar a discussão científica para os cientistas, como a seguir diz que estes lhe dão razão). André Silva opta ainda por lamentavelmente manter o debate num nível abaixo do desejável, ao referir-se às “instituídas seitas sistémicas jamais (…) questionadas nas altas instâncias”. No artigo, reforça os principais pontos da sua intervenção na Assembleia da República, insistindo nos estudos que questionam o valor do leite, mas sem apresentar uma só referência (como um link para informação credível) que substancie essa posição. Esta, aliás, é também uma falha que se pode apontar à FENALAC, pois classificam os estudos que supostamente sustentam a posição de André Silva como “pseudo-estudos”, mas não dão exemplos do que consideram “estudos sérios”.
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Fonte: http://www.pecuaria.pt |
Se por um lado se entende que a o PAN não seja particularmente sensível aos problemas do sector leiteiro e queira antes promover alternativas ao leite como alimento, por outro o facto de não trazer ao debate a questão mais premente do bem-estar dos milhares de animais que são – e continuarão a ser – usados para a produção leiteira é um virar de costas ao seu eleitorado, certamente mais afeito a questões de bem-estar animal que a uma visão radical dos direitos dos animais. Também não ajuda que considere os produtores como uma “seita” apenas preocupada com os seus interesses, quando estes de facto – como salientam na sua carta aberta – têm uma maior relação de proximidade com os animais e a natureza (os supostos objectos de interesse maior do PAN), que o comum “defensor dos animais” urbanizado que constitui o eleitorado principal deste partido.
A alterização dos produtores pelo PAN (e vice-versa) assenta em preconceitos resultantes da ignorância mútua acerca dos seus interlocutores e não beneficia ninguém, muito menos os animais. Referências a interesses económicos obscuros (seja do “lacto-negócio”, ou do “soja-negócio”), desinformação e manipulação da opinião pública, argumentos de autoridade (“os cientistas dizem que”) são falácias básicas cometidas de parte-a-parte, e que evitam a obtenção de consensos (ou compromissos) que permitam progresso que beneficie consumidores, animais e produtores.
Neste vazio de questões por resolver, destaca-se o direito do consumidores – que continuarão a consumir leite e os seus derivados como queijo, manteiga, iogurte e gelados – a informação transparente. E que sabem os portugueses das condições em que são alojados e criados os animais de produção? Ou o impacto ambiental das produções agro-pecuárias? A julgar pelos dados do Eurobarómetro, ou o nosso trabalho com alunos do ensino secundário no âmbito da Universidade Júnior, muito pouco. E que vantagens (ou desvantagens) haverá para o ambiente e para o bem-estar animal do leite ser produzido em Portugal?
À falta de melhor legislação, começam alguns produtores a investir e explorar segmentos do mercado para o qual estas questões são relevantes. Exemplo disso é o programa “vacas felizes“, da Terra Nostra, ou o leite biológico Agros. Mas o direito à informação deve ser universal.
Esqueci-me de agradecer à Anna Olsson, que não só deu a brilhante ideia para o título deste post, como também fez o principal \”trabalho de casa\” para descobrir a história por detrás do – de outra maneira enigmático – artigo de André Silva no \”Público\”.
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