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Francisco José de Goya y Lucientes (1746 – 1828)
Cão semi-afundado (Perro semi-hundido), 1821-23 Óleo sobre tela, 80 x 134 cm Museo del Prado, Madrid |
Rogo a todos os animalogantes que não deixem de visitar esta obra sublime no Museu do Prado, em Madrid. Mais do que a dimensão, o que impressiona é a sua verticalidade. O cão e o solo (parece ser areia, mas pode ser rocha, barro ou mesmo água) estão comprimidos no terço inferior da composição, esmagados por uma atmosfera inverosímil que ocupa os outros dois terços. As proporções académicas e classicistas (que Goya chegou a abraçar) foram abandonadas em detrimento de uma composição livre e dinâmica. A perspectiva desaparece e o céu sonega o motivo principal, impondo-se na sua complexidade; extremamente variegado, ele emana tons dourados e acobreados mesclados por sombras dúbias, não nos permitindo saber ao certo o que se está a passar: estará o cão realmente enterrado ou só escondido atrás do morro? Ele emerge ou afunda-se? E para onde olha ele, para uma tempestade de areia ou talvez para alguém?
A verdade é que não sabemos e a obra aberta, e há quem diga que inacabada, permite-nos todo o tipo de interpretações. A meu ver, o cão, do qual só vemos a cabeça e que fita algo ou alguém para lá dos limites superiores do quadro, foi o animal escolhido para simbolizar a opressão. A expressividade da canina resulta melhor para extrapolar sentimentos humanos do que a de qualquer outra espécie animal. É com o cão que o homem se envolve em laços afectivos mais fortes e íntimos e a sua aparente reciprocidade chega a ser comovente. Nas palavras de qualquer amante de cães: “só lhe falta falar”.
A relação homem-cão parece ser, de facto, especial. Há evidências de que os cães são capazes de percepcionar estados de espírito da parte de seres humanos. Por exemplo, uma equipa de cientistas da Universidade do Porto, liderada pela bióloga Karine Silva, descobriu recentemente algo que muitos daqueles que vivem com cães já sabiam: quando bocejamos, o nosso cão também boceja. Este tipo de empatia é único no mundo animal já que nenhum outro animal é contagiado por bocejos de indivíduos de espécies diferentes da sua. Voltando ao cão do Goya: eu olho para ele e sinto um sentimento de opressão, apesar de nada me oprimir. Será que o meu cão, vendo-me oprimido, é capaz de se sentir ele próprio oprimido?
Bonita descrição. Tenho cães, gosto muito deles, assim como dessa pintura, que me atraiu desde que a vi no Museu do Prado, e hoje repousa em meu quarto, uma reprodução sempre apreciada e contemplada desse \”perro\” instigante.
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